Dilma desiste do Judiciário e vai concentrar defesa contra o impeachment no Congresso

Com a ajuda dos aliados, o julgamento das contas de 2014, rejeitadas pelo TCU deve demorar no Congresso, e a presidente ganha tempo para esperar a economia parar de piorar e dar sinais de recuperação

José Marcio Mendonça

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A reunião da presidente Dilma Rousseff com seu novo ministério, ontem, marcou uma reviravolta na estratégia do Palácio do Planalto para enfrentar o julgamento das contas do Tesouro Nacional de 2014 e para afastar o principal argumento jurídico que os adversários poderiam usar para tentar afastá-la do Palácio do Planalto via impeachment.

A outra ameaça ao mandato presidencial vem da Justiça Eleitoral e envolveria também o vice-presidente Michel Temer: a investigação sobre os gastos na campanha do ano passado, sob suspeita de ter sido alimentada com dinheiro do petrolão. Isto ainda está bem distante.

No caso da contabilidade com “pedaladas” e o voto unânime do Tribunal de Contas da União sai o confronto judiciário e entra a ação política. Depois da fracassada tentativa de afastar o relator do processo no TCU, Augusto Nardes, e de adiar mais uma vez o julgamento, ações rechaçadas no STF e no próprio TCU, o governo desistiu de continuar recorrendo ao Supremo, como disse que o faria várias vezes o advogado-geral da União, Luis Adams.

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O julgamento pelo TCU foi recebido com “respeito” e “é uma página virada” para Dilma, anunciou o novo ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Aos ministros, registra o “Painel”, da “Folha de S. Paulo” a presidente disse que a oposição quer aplicar um “golpe democrático”, um “golpe dentro da lei”. Segundo ela, o Brasil vive um clima de “golpe democrático à Paraguai”.

O governo vai agora concentrar suas forças no Congresso Nacional e nos aliados para barrar esse “golpe”. Este foi o objetivo da reunião ontem: a presidente cobrou unidade da nova equipe e a defesa do governo. O apelo foi dirigido principalmente do PMDB, o partido cuja insatisfação com a reforma ministerial mais preocupa o governo.

A estratégia é retardar ao máximo a análise do parecer do TCU pelos deputados e senadores. Não há prazo para o Congresso decidir. Só recentemente foram aprovadas contas dos governos Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula. Outras sete ainda estão na fila, uma de 1990. O Congresso, porém, não tem obrigação de obedecer à seqüência de datas.

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Embora a oposição esteja se preparando para fazer barulho a favor do impeachment no Congresso (vai apresentar outra representação na terça-feira), não será difícil para o governo protelar o julgamento das contas pelos parlamentares. O próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de cujas intenções o governo desconfia sempre, garantiu que elas não serão julgadas este ano.

Além disso, o Palácio do Planalto conta com o Senado caso a situação fique delicada na Câmara. Entre os senadores governistas a fidelidade é maior e o presidente da casa, Renan Calheiros, considerado um aliado mais confiável e mais maleável que o cada vez mais encalacrado (na Operação Lava-Jato) Eduardo Cunha, está em boas relações com Dilma.

Para lembrar o ritual: a decisão sobre a cassação do mandato ou não, no impeachment é dos senadores. A Câmara vota, por maioria absoluta, se aceita ou não a abertura do processo e então ele vai para o Senado decidir.

No momento o foco de Dilma é ganhar tempo.

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Saia justa no FMI

Primeiro, para reagrupar suas forças e recuperar o mínimo de controle da base aliada, o que o Planalto espera conseguir nas próximas semanas com o atendimento das nomeações para o segundo e terceiro escalão ministerial e órgãos públicos. A promessa de acelerar as nomeações está sendo feita pelo ministro Ricardo Berzoini diretamente aos interessados.

Para se ter uma idéia de quanto o governo está sendo obrigado a ceder, veja-se reportagem de hoje do jornal “Valor Econômico”. Pressionado pelo líder do PTB, Jovair Arantes (GO), Berzoini aceito que fossem incluídos diversos jabutis (matérias diversas ao assunto do projeto) na MP que estende o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) à  construção de presídios e obras de segurança públicas.

Entraram na MP, entre outras coisas, a ampliação do RDC para outras finalidades, a autorização para terceirizar serviços nos estabelecimentos prisionais, a renegociação das dívidas do ProÁlcool, a permissão para que empresas coligadas usem créditos tributários do Programa de Inclusão Digital, mudanças em regras de cartórios e a prorrogação dos prazos para as cidades acabarem com os lixões.

Segundo, aguardar que a economia pare de piorar e dê sinais, ainda que tênues, de recuperação. Enquanto persistir o atual quadro de recessão e a sensação de boa parte dos agentes econômicos de que ainda não atingimos o fundo do poço, o governo enfrentará dificuldades no terreno da política.

Nunca é demais lembrar que não há político ou partido, ainda mais quando já tem no horizonte uma eleição, que goste de atrelar sua sorte a um governo com alta rejeição na opinião pública.

E a insatisfação “exterior” continua grande. Ontem, segundo matéria no “Valor”, trinta entidades populares e sindicais – entre elas a CUT, a UNE, o MTST – lançaram a frente “Povo sem medo”, com forte críticas à política econômica, e reclamando por mudanças. Condenam, porém, o impeachment.

Embora cautelosos, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em reunião do FMI ontem no Peru, procuraram mostrar confiança na recuperação econômica, apesar das incertezas políticas.

“Nosso principal desafio agora é como nós nos ajustamos a algumas mudanças no ambiente econômico”, disse Levy. “Estou confiante de que assim que tivermos clareza na perspectiva fiscal (…), nós vamos retomar o crescimento (econômico)”.

Mesmo assim, segundo relata o jornalista Rolf Kuntz, de “O Estado de S. Paulo”, Levy passou por um constrangimento em Lima e foi salvo da “saia justa” por Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo. Foi quando um jornalista da CNN pediu ao ministro da Fazenda uma opinião sobre o possível impeachment da presidente Dilma e explicações sobre as pedaladas fiscais.

Segundo Kuntz, a platéia ria alto com as dificuldades de Levy para se explicar quando Lagarde interveio, tomou a palavra e desviou o assunto, falando da importância da formação de uma ambiente mais favorável aos negócios.

Por aqui, o feriado de segunda-feira deve “desviar o assunto” e dar um pouco de tranqüilidade para a presidente depois de mais uma semana aziaga para ela.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Preocupação com a inflação fez Fed adiar alta dos juros” (Estadão)

– “Tombini: ajuste fiscal está mais lento que o esperado” (Globo)

– “Petrobras revê projeções para dólar e preço do petróleo” (Globo)

– “Mais da metade das empresas brasileiras está inadimplente” (Folha)

– “Desemprego entre jovens no Brasil tem uma das maiores altas do mundo, alerta OIT” (Estadão)

– “Confiança no varejo cai a menor nível em 4 anos” (Valor)

– “Andrade Gutierrez demite mais de mil em Angra 3 e a obra para” (Folha)

– “Brasil aumenta tom na OMC por avanço agrícola” (Valor)

– “Fundos de pensão de estatais têm déficit” (Estadão)

– “Cunha fechou duas contas na Suíça um mês após Lava-Jato” (Globo)

– “PSOL leva Cunha ao Conselho de Ética” (Estadão)

LEITURAS SUGERIDAS

  1. Fernando Gabeira – “As fontes da ira” (diz que o momento é de uma encruzilhada entre a ira popular e a enrolação institucional e que a raiva nas ruas é que tem mais potencial transformador) – Estadão
  2. Editorial – “Desastre made in Brasil” (analisa os déficit públicos brasileiros e diz que com uma gestão das contas públicas como a dos últimos anos qualquer país pode afundar por seus próprios meios, sem depender da importação da problemas) – Estadão
  3. Celso Ming – “Crises entrelaçadas” (diz que a paralisia da economia vem da crise política, mas também dos graves erros de administração cometidos nos últimos anos) – Estadão