Derrubar Dilma é essencial para a classe política. E a crise institucional?

A crise institucional brasileira, caso seja sublimada pela queda de Dilma Rousseff persistirá até que a sociedade brasileira perceba que sem reformas profundas no Estado brasileiro, nem a política e nem a economia serão estruturalmente estáveis

Francisco Petros

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Doravante os passos serão acelerados pelos agentes “formais” da política brasileira em busca de “saídas” para a atual crise na qual o país está atolado. Há que se entender, neste processo, dois aspectos que são importantíssimos, sob pena de imaginarmos que as “saídas” eventualmente encontradas serão, de fato, “soluções”.

O primeiro aspecto que chamo a atenção diz respeito à natureza da crise. Sem clara identificação da essência da crise, a sociedade brasileira poderá incorrer em grosseiros erros de avaliação relativamente aos caminhos nos quais ingressaremos, uma vez encontradas as tais “saídas”.

O momento atual tem evidente marca de crise institucional, muito embora os agentes políticos tentem negá-la com o objetivo de manter a conjuntura e os fatos sob controle. Quando se verifica que a presidente que assumiu o poder há pouco mais de seis meses está sem condições de governar o país, bem como está cerceada por partidos teoricamente da “base aliada” que chantageiam o Executivo diuturnamente com o objetivo de extrair benesses e/ou evitar a contaminação com as denúncias de corrupção que recaem sobre boa parte das lideranças políticas, não se pode cogitar de “normalidade institucional”.

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Da mesma forma, verifica-se que no Congresso Nacional o comando das casas dos representantes (Câmara dos Deputados) e da representação da União (Senado Federal) há um conluio de seus presidentes, líderes e liderados para implementar “pautas-bombas” às custas do Erário e, em última instância, dos pagadores dos tributos. Não há que se imaginar que o Poder Legislativo está em razoável funcionamento institucional. Por fim, o Judiciário vê-se compelido a exercer a Justiça, com rapidez incompatível com a urgência das demandas da opinião pública, para casos gravíssimos de corrupção e desmandos de toda ordem no seio do Estado brasileiro. O que a sociedade quer é “vingança” quando o que prevê o Estado Democrático de Direito é a aplicação da Ordem Jurídica.

Esta breve apreciação e análise lógica do cenário demonstra que não há no Brasil pleno funcionamento institucional. Tem mais: do ponto de vista político, o sistema partidário (e, eventualmente, eleitoral) é absolutamente incompatível com o exercício razoável da governança entre o Executivo e o Legislativo, além de ser causa direta para a corrupção, a ineficiência das políticas públicas e a inapetência da classe política para fazer o tal do Bem Comum. O Estado brasileiro, neste contexto, é área de assalto para boa parte da elite política e econômica o que torna as letras constitucionais mero devaneio para os interesses do povo.

Os donos do poder já não exercem apenas o patrimonialismo que nossa história denuncia. De fato, o Estado não é “fonte” de suas benesses, mas “objeto” do exercício dos mais vis atos atentatórios à res publica. A Lava Jato é assombrosa mostra disso e sabemos que há muito mais por aí.

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O segundo aspecto que saliento em relação à crise diz respeito à governabilidade. Aqui o chamamento de atenção diz respeito ao fato de que a classe política se movimenta celeremente para apontar saídas à falta de governabilidade do governo da Presidente Dilma Rousseff, que produzam dois efeitos: (i) o colapso da administração de sorte fique cristalino que “com esta presidente não dá” e (ii) que permitam que os grupos políticos “formais” dos principais partidos políticos, a saber, PMDB, PSDB e PT possam jogar em novos campos políticos. Há duas conformações que ganham musculatura neste momento. Vejamos.

O primeiro é a pressão para que a presidente da República abandone o Palácio e deixe o Poder para o vice-presidente Michel Temer. Isso poderia ser obtido pela renúncia de Dilma Rousseff, diante de um cenário cada vez mais incontrolável do ponto de vista da governabilidade, ou por meio de um processo de impeachment que tem a desvantagem de ser doloroso do ponto de vista da repercussão, forma e, sobretudo, tempo gasto. Somente neste cenário o PMDB põe a “mão na taça” e passa a governar e influenciar o cenário eleitoral no médio prazo.

O segundo campo político no qual o PSDB e, em muito menor medida, o PT (leia-se Lula), desejam jogar é o das “novas eleições”. Nesta hipótese atira-se uma vez e se atinge dois alvos: Dilma Rousseff e Michel Temer. Aqui a coisa é mais complicada, pois a melhor forma de se fazer isso seria via um processo de impeachment baseado em “fraudes no financiamento da campanha eleitoral”. Imaginar que Dilma e Temer renunciem conjuntamente parece ser caudaloso delírio.

A questão aqui é que o PSDB, perdedor das últimas eleições e maior “vítima” das mentiras eleitorais da campanha petista, tem condições de arregimentar apoio nas ruas, perante a silenciosa maioria da população urbana dos estados mais ricos. De outro lado, o PT reacenderá a fogueira de seu falacioso discurso ideológico vocalizado por Lula da Silva. Não vale subestimar o papel de Lula e, muito menos, sua capacidade de “falar com o povo”, qualidade que os tucanos engravatados não tem em abundância. O “golpe” será a denúncia do ex-metalúrgico.

Ocorre que quando analiticamente confrontamos a crise institucional que verdadeiramente vivemos (embora as elites prefiram escamotear) e a crise de governabilidade que as forças políticas formais estão forjando para dar saída à crise econômica e política no qual o país está atolado, as coisas não fecham estruturalmente. Vejamos.

A saída do Poder, seja a forma que for, da presidente da República, esconderá por algum tempo – talvez até as próximas eleições gerais – as verdadeiras mazelas que assolam o Estado brasileiro. Além disso, permitirá que personagens corruptos, perniciosos ao país e seu povo, tais como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, possam escapar, pois a “vingança” popular terá recaído sobre o pescoço da Presidente e, talvez, sobre o seu vice. Ou será que o Judiciário fará Justiça aos corruptos de toda espécie que povoam o país? Difícil prever, pois até o passado é incerto neste país abaixo do Equador.

Creio que a crise institucional brasileira, caso seja sublimada pela queda de Dilma Rousseff persistirá até que a sociedade brasileira perceba que sem reformas profundas no Estado brasileiro, nem a política e nem a economia serão estruturalmente estáveis.

Certo é que a crise de governabilidade será aguçada cada vez mais, doravante. A classe política “formal” assim decidiu. A história brasileira nos ensina que mudanças radicais no país que passem pela construção de melhores e mais sólidos paradigmas institucionais nunca aconteceram.

A República foi criada por um assalto político a um velho imperador. A Nova República de Getúlio Vargas acabou fazendo um largo e produtivo acordo para as elites agrárias e, assim, construiu um Estado corporativista. A queda de Getúlio veio por uma quartelada de seu Ministro da Guerra que o traiu, depois de servi-lo ardentemente. O golpe de 1964 foi feito sem mínima resistência daqueles dos quais se dizia fossem poderosos esquerdistas e comunistas. A Nova República da redemocratização acabou nas mãos de José Sarney, este imortal que era líder do partido da ditadura militar que ali acabava.

O primeiro presidente eleito diretamente pelo povo depois de 1964 caiu por denúncias de corrupção, e até hoje coleciona carros esportivos de última geração, segundo se acusa, às custas de corrupção. Por fim, o Partido dos Trabalhadores, partido com raízes proletárias, está sendo destruído pela associação de seus membros com empreiteiras corruptas que assaltam o Estado desde sempre. Tudo muito estranho, não?

Como se vê a tradição política brasileira conspira contra um país renovado verdadeiramente. A passividade do capital e do trabalho que não se organizam para combater os malfeitos da “política formal” é a grande responsável por tudo isso. Não nos enganemos.