Solitário em princípio, Eduardo Cunha abre a caixa de retaliações a Dilma

O presidente da Câmara, depois do espalhafatoso rompimento com o governo, desengaveta pedidos de CPIs que o Planalto não quer e despacha pedidos de abertura de processo de impeachment contra a presidente, como informa o jornalista Josias de Sousa

José Marcio Mendonça

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SÃO PAULO – Aparentemente, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha sai mais fraco e politicamente baleado pelos tiros da metralhadora giratória que ele mesmo acionou para atacar o governo, a presidente Dilma Rousseff, o juiz Sério Moro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot e quem mais passasse na sua frente na manhã de ontem.

Aparentemente, Cunha ficou falando sozinho – até sua famosa tropa de choque congressual calou. Desta vez, o Palácio do Planalto, ao contrário de outras ocasiões, quando trazia as crises para dentro do governo, agiu com cautela diante do tiroteio do deputado peemedebista e seu rompimento espalhafatoso com o Executivo e conseguiu circunscrever o episódio.

Teve a ajuda do próprio PMDB – ainda que não na forma de uma nota de seu presidente nacional e vice-presidente da República – que confirmou o rompimento como uma posição pessoal do presidente da Câmara em nota do líder da Casa. E até da oposição, que manteve discreta distância do furibundo Eduardo Cunha.

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O que levou à interpretação, como está na reportagem de Marcos Mortari neste site – “Cunha na oposição pode ser bom para Dilma” – de que a vida política vai ficar mais leve para a presidente. Diante de uma crise institucional gravíssima, a presidente poderia conseguir o que até agora nem ela, nem Lula nem Temer lograram alcançar – organizar minimamente a base governista no Congresso.

Com Cunha sem o apoio político que esperava ter, acuado pelas investigações da Operação Lava-Jato que o levaram à reação intempestiva de ontem, a maior pedra no sapato de Dilma no Legislativo estaria removida. Citava-se o recuo de Renan, que costuma jogar em dobradinha com Cunha: na sexta-feira tinha uma coletiva marcada com a imprensa e preferiu recolher seus flaps.

Alguns políticos mais experientes, mais matreiros, doutores em crises políticas reais ou virtuais, aconselham, no entanto, um pouco de cautela com tal interpretação. Ela pode ser verossímil, mas pode também não ser real. É preferível esperar os desdobramentos dos eventos de ontem nas próximas no jogo da vida verdadeira, sem retórica.

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Cunha ainda pode muito
Não se pode esquecer que, como presidente da Câmara, Eduardo Cunha ainda tem o poder de causar extraordinários estragos à presidente e ao governo. Em princípio, ele continuará ainda por um bom tempo neste lugar, embora já se detectasse ontem movimentos para pedir seu afastamento, como um manifesto lançado ontem mesmo pelo Psol.

Cunha, por exemplo, é quem determina, imperialmente, a pauta de votação do plenário. E pode incluir pacotes de medidas de pouco gosto do Palácio, obrigando a uma constante vigilância dos líderes governistas. E nem sempre com sucesso, pois algumas propostas são de grande apelo popular e atraem votos, como já ficou sobejamente demonstrado na derrubada do fator previdenciário e do reajuste igual ao do salário mínimo para todos os benefícios da Previdência Social.

O presidente da Câmara não pode tudo, é claro. Ele prometeu, inclusive agir institucionalmente. Mas o que é institucionalmente para ele? Sem alardes, pode causar empecilhos sim, jogar pedras e cascas de bananas no caminho de Dilma. Imagine-se o que Cunha pode fazer, por exemplo, só seguindo o regimento, com a proposta do governo de repatriação de recursos lícitos de brasileiros no Exterior, com a qual o governo pretende arrecadar até o fim do ano algo entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões? Antes da briga ele já tinha dito que gostaria de estuda mais o projeto. E agora?

Enraivecido, ontem mesmo o presidente da Câmara deu demonstrações claras dos problemas que pode causar para Dilma. Furando a fila de pedidos de CPIs à espera de vaga (só cinco podem funcionar simultaneamente), ele determinou a criação das comissões já protocoladas para investigar o BNDES e os fundos de pensão, das quais o Palácio do Planalto não quer ouvir falar nem em pesadelo.

E, segundo informa o jornalista Josias de Sousa, Cunha desengavetou os 11 pedidos de impeachment protocolados contra Dilma Rousseff na Mesa diretora da Câmara. Um deles é de autoria de Jair Bolsonaro (PP-RJ). Em ofício datado de ontem (17), ele abriu, por exemplo, um prazo de dez dias para Bolsonaro “emendar a denúncia” que formulou contra a presidente da República, “adequando-a aos requisitos da Lei número 1079/1950 e do regimento interno da Câmara dos Deputados.”

Essas ameaças poderão, naturalmente ser contornadas. Porém, cada ação contrária deverá custar caro à presidente, pois o caldo de cultura que até ontem alimentava o prestígio entre os colegas de Eduardo Cunha não foi afastado: a insatisfação da maioria dos aliados com o modo de agir da presidente, muito pouco às relações políticas, e com a falta de atendimento da maioria dos pleitos dos deputados e senadores.

Além disso, há pairando sobre tudo isso a gravidade da situação econômica, que não dá sinais de arrefecer e à qual nenhum político gosta de ser associado.

Assim, para confirmar sua vitória inicial (ou aparente vitória) no primeiro embate na guerra declarada por Eduardo Cunha, Dilma vai ter de mudar certos procedimentos e coisas no governo. Por mais que ela se esforce para mostrar que não, os rumos da política econômica, contestados interna e externa, terão de ser repostos na mesa. E a Lava-Jato continua, o TCU continua, o TSE continua, todos com suas imprevisíveis investigações e decisões.

Uma passagem pelas ruas ontem e consultas a interlocutores de vários estratos sociais e formação política, depois que o episódio foi exaustivamente exibido o dia todo, mostram uma população perplexa, meio assustada, inconformada. Não aplaude Eduardo Cunha, pode até recebê-lo com panelaços ainda que tímidos, mas também não aplaude o governo nem se entusiasma com a oposição.

Outros destaques
dos jornais do dia
 

– EMPREGOS E RENDA DIMINUEM – O Brasil cortou 111.199 vagas de trabalho com carteira assinada em junho, segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Na série ajustada, que usa as informações declaradas fora do prazo, no acumulado do ano o país teve uma perda de 345.417 empregos. Em maio, tinham sido fechadas 115.599 vagas de trabalho com carteira assinada, o pior resultado para um mês de maio desde 1992. O resultado superou a expectativa de analistas. Pesquisa da Reuters mostrou que a mediana das expectativas era de fechamento de 98 mil empregos.

A Pesquisa Industrial Mensal – Emprego e Salários (Pimes) de maio, do IBGE, mostra uma redução de 1% no total de vagas formais no setor produtivo na comparação com o mês anterior. Essa foi a quinta taxa negativa seguida, acumulando uma perda de 3,1% no período. Além disso, o recuo no mês foi o mais intenso desde fevereiro de 2009 (-1,3%). Frente ao mesmo mês de 2014, a queda foi ainda mais expressiva, de 5,8%. No ano, o recuo é de 5% e em 12 meses, de 4,46%. O número de horas pagas também registrou queda. Frente a abril, o recuo foi de 1,3% — a queda mais intensa desde janeiro de 2009, quando também ficou em -1,3%. Em comparação com maio do ano passado, a diminuição foi bem significativa, de 6,6%. No ano, a queda é de 5,6% e em 12 meses, de 5,1%. Acompanhando os outros dois dados, o valor da folha de pagamento real também caiu. Em relação a abril, a queda foi de 3,7%. Frente a maio de 2014, a baixa é de 9,7%. Em 2015, a queda acumulada é de 5,9%, enquanto em 12 meses é de 4,2%.

– A ECONOMIA ESTAGNADA – O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma espécie de prévia do Produto Interno Bruto (PIB), avançou 0,03% em maio em relação ao mês anterior. Isso significa que o nível da atividade econômica ficou praticamente estagnado nesse período. Sem dar sinais de recuperação da contração de 0,2% verificada no primeiro trimestre, o PIB caminha, assim, para um quadro de recessão técnica, quando o desempenho da economia cai por dois trimestres seguidos. A leitura ficou abaixo da expectativa de analistas ouvidos pela agência Reuters, que previam alta de 0,20% de acordo com a mediana de vinte projeções que variaram de recuo de 0,70% a alta de 0,92%. Apesar disso, o indicador teve relativa melhora, levando em conta que ele ficou no negativo nos dois meses anteriores: em abril, recuou 0,88%; e em março, 1,53%. 

– PESSIMISMO EMPRESARIAL EM ALTA – Sem sinais de recuperação da economia, o pessimismo da indústria nacional já é o maior em 16 anos. Após três meses sem quedas, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) voltou a cair em julho e chegou ao pior nível desde 1999, de acordo com dados divulgados ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O indicador recuou 1,7 ponto em relação ao mês passado e chegou a 37,2 pontos, o menor patamar desde que a pesquisa começou a ser feita pela instituição.

 

E MAIS: 

– “Dilma defende a flexibilização do Mercosul para acordo comercial” (Globo)

– “Parlamento alemão aprova termos de resgate à Grécia” (Globo)

– “Procuradora decreta sigilo em investigação que apura se Lula trabalhou para beneficiar a Odebrecht” (Globo)

– “Para Renan, economia alimenta crise” (Estadão)

– “Não há espaço para a aventura, diz Dilma” (Estado)

– “Economia passa por uma transição um pouco difícil, diz Levy” (Estadão)

– [Ministério da] Fazenda intensifica alternativas para levantar R$ 50 bilhões” (Folha)

– “Petrobrás põe à venda plataforma e terrenos” (Folha)

– “Chinesa State Gride terá linhão de Belo Monte (Globo)

  

LEITURAS SUGERIDAS

1. Celso Ming – “Recessão anunciada” (comenta o IBC-Br e diz que ninguém consegue enxergar o fundo do poço. Há quem espere recuperação somente em 2018) – Estadão

2. José Paulo Kupfer – “IBC-Br confirma recessão e mostra economia sem força” (diz que com o emprego em baixa e os juros elevados, o consumo não terá força para ajudar a elevar o PIB) – Estadão

3. Natuza Néri – “Cunha pode perder aliados ao radicalizar” (diz que se Cunha erra na mão contra o governo corre o risco de ficar sozinho) – Folha

4. Artigo – “Pouca gente com vontade de entrar no barco” (diz que é improvável que os leilões de concessões na área de transporte estimulem a economia) – Estadão/The Economist