Infanta, governante e Presidente da República

As demonstrações deste domingo, dia 15 de março de 2015, trinta anos após a posse do primeiro presidente civil pós-1964, não deixam dúvidas que o país está exaurido em três dimensões: (i) não há mais confiança no governo atual, (ii) não há mais confiança no sistema político e (iii) não há mais tolerância mais as práticas políticas no trato da coisa pública.

Francisco Petros

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As demonstrações deste domingo, dia 15 de março de 2015, trinta anos após a posse do primeiro presidente civil pós-1964, não deixam dúvidas que o país está exaurido em três dimensões: (i) não há mais confiança no governo atual, (ii) não há mais funcionalidade do sistema político e (iii) não há mais tolerância mais as práticas políticas no trato da coisa pública.

Esta agenda difusa de inconformismo pode se tornar um processo que irradiará consequências não necessariamente “racionais” para a solução da “agenda das ruas”. De fato, não há percepção clara do que exatamente a multidão almeja dada a ausência de liderança que possa intermediar as relações sociais e políticas. O sistema político, de fato, faliu no que tange a sua representatividade, mesmo que formalmente persista a exercer os seus poderes emanados da Constituição.

Informa a Folha de S.Paulo de ontem que dentre dos participantes da passeata da Av. Paulista, 47% protestavam “contra a corrupção”, 27% “em favor do impeachment da Presidente Dilma”, 20% “contra o PT e 14% “contra os políticos”. Vê-se cristalina aversão aos desmandos contra o interesse público e aversão ao principal partido que exerce o Poder central. 

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Vê-se que os protestos na Paulista foram essencialmente da classe média da maior cidade brasileira (68% ganham mais de cinco salários mínimos, sendo 41% mais de dez salários). Observadas as manifestações em todo o país, as maiores concentrações foram no sudeste e no sul, enquanto no norte e nordeste os protestos foram sonoros, mas pequenos. Neste sentido, muito semelhante ao que ocorreu nas eleições do ano passado. 

Hoje o DataFolha informa que 62% desaprovam Dilma, no terceiro mês de seu segundo mandato. Dilma se aproxima de Collor neste item e os mais pobres começam a migrar para a seara dos que desaprovam o governo.

Vê-se um país descrente na representação e dividido entre os ricos e pobres em meio aos protestos contra “tudo que está aí”.

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A reação governamental tem sido muito ruim a todo esse processo. Falta-lhe visão estratégica, não propriamente em relação aos protestantes em si, mas em relação a vasta e secular agenda política, econômica e social, cujas soluções são desarticuladas e carecem de prontidão ao interesse mais republicano.

Uma análise isenta sugere enormes dificuldades de qualquer Poder incumbente em agir face à agenda difusa desta hora e a ausência de interlocutores. Resta agir sobre a agenda real do país. Ouve-se ao fundo as panelas, mas o que fazer? Pergunta sem resposta.

A presidente Dilma está há menos de três meses da inauguração de seu segundo mandato e o ambiente é quase eleitoral – só faltam os comícios e a dinheirama a financiar os partidos.

De repente, vê-se a ação do sempre atento ex-presidente Lula da Silva. Ele continua a tutelar de perto as ações da atual primeira mandatária do país. Um fato perfeitamente racional do ex-presidente, postos os seus interesses eleitorais no próximo pleito, além do evidente medo de que as denúncias de corrupção possam abarcá-lo o que não seria uma completa surpresa. Todavia, a presidente tem de abandonar o rei – aquele que reina e, de alguma forma, quer governar. Não pode a presidente se comportar como uma infanta ibérica que espera a toda hora conselhos do seu paternal rei. A hora é de libertar-se.

A presidente Dilma precisa voltar a ser uma governante de fato. Para isto tem de recuperar a iniciativa e ir de encontro ao povo e suas ansiedades. Neste momento grave, o ministério não pode apenas ser construído com vistas à capacidade de atuar junto às forças políticas “formais”, localizadas no outro lado da Praça dos Três Poderes, mais exatamente no Congresso Nacional. Será preciso ampliar a ligação “direta” com a sociedade incorporando o que chamei em artigo recente os “sábios da aldeia”, os representantes da sociedade civil que possam fazer o bem à República e não apenas ao Poder incumbente.

Somente assim, a Presidente Dilma recuperará a mínima credibilidade política para poder agir e exercer o papel que lhe cabe. Dilma não é a presidente do PT e do governo. Ela é legitimamente a Presidente da República e o povo espera que ela exerça o seu papel. A perda de sua credibilidade foi construída por uma desastrosa política econômica, pela leniência com os fatos que fazem tremer os pilares da administração pública, pela falta de articulação política para construir soluções e realizar as obras tremer os pilares da administração pública, pela falta de articulação política para construir soluções e realizar as obras de um governo, pela arrogância de não escutar e apenas se fixar em uma estreita visão (a sua!) e, finalmente, pelo acanhamento em relação ao próprio papel. 

Não pode o país ficar sem a Presidente da República, mas o dever político de se reconciliar com a nação cabe a Dilma. Não basta humildade. Será preciso ação de larga envergadura.

Alguém poderia perguntar se isso tudo não é exigir demais de Dilma Rousseff. Sim, é! Ela terá de responder a esta hora sob pena de ver o país num processo que leva a incerteza e a inquietude. As multidões estão impacientes. Com razão.

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