A polêmica está de volta: afinal, por que não devemos corrigir o dólar pela inflação?

Debate sobre "atualização" do valor da moeda e poder de compra voltou a agitar a internet após matéria do Estadão

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – A discussão não é nova, mas no fim da última semana voltou a ganhar destaque o debate sobre a máxima do dólar e uma correção que o câmbio deveria ter pela inflação dos últimos anos para que a comparação possa ser válida. Em momento de dólar alto ganham destaques as análises sobre o assunto, mas é importante ponderar que não está correta este uso de um indexador na moeda – a não ser em um caso específico que comentaremos abaixo.

Em julho o apresentador Rodolpho Gamberini, do Jornal da Gazeta, afirmou que a imprensa estava errada ao afirmar que o dólar estava no maior patamar em 12 anos (na época não tínhamos atingido os R$ 4,00). Para aumentar a discussão, o jornal O Estado de S. Paulo fez uma matéria nos últimos dias voltando a destacar que “corrigido pela inflação, o dólar está longe do pico de 2002”.

“Para atualizar os valores, é preciso levar em conta a inflação brasileira e a dos EUA. Por essa conta, o dólar teria de valer cerca de R$ 6,88 hoje para ser comparável com o valor de outubro de 2002. Na prática, isso indica que a pressão no câmbio lá atrás era muito maior”, diz o texto. Porém, como foi possível ver nos comentários da própria matéria, não é correto aplicar um indexador para corrigir a cotação de algo que é flutuante como o câmbio.

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“Se nós fizermos esta correção pela inflação seria a mesma coisa que aplicar a antiga ‘correção monetária’ e é exatamente para acabar com isso que surgiu o Plano Real”, explica Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora. Ou seja, caso a moeda precisasse sofrer algum tipo de correção o câmbio deixaria de ser “flutuante” para ser “fixo”, em um cenário parecido com o que foi visto em 1999, quando o dólar era fixado pelo governo e sofria correções inflacionárias.

“Hoje temos a taxa real da moeda considerando a crise política e outros eventos internacionais. Temos uma moeda que se ajusta ao cenário interno e externo”, explica o gerente. A base do mercado cambial se deve ao princípio básico de oferta e demanda e por isso mesmo, a própria inflação afeta a quantidade de dólares que entram e saem do País, o que afeta diretamente a cotação da moeda, não tendo assim motivo para se corrigir os valores.

A economista Renata Barreto lembra ainda, em um vídeo para o canal Breaking Goods, que a própria cotação do dólar afeta a inflação, ou seja, no atual cenário de câmbio nas alturas, a pressão inflacionária também é maior. Imagine então corrigir o dólar pela inflação que ele mesmo ajudou a aumentar.

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Valor nominal x poder de compra
Um dos motivos que pode estar causando a confusão é a diferença entre falar da atual cotação do dólar (valor nominal) e do poder de compra do real. Neste segundo caso, uma forma simplista de analisar seria realmente aplicar uma correção inflacionária para se estudar as diferenças sobre o que você pode comprar hoje e o que você comprava em 2002 com o mesmo dinheiro.

Mesmo assim, existem indicadores que já realizam este tipo de comparação, sendo um dos maios conhecidos o índice de Paridade de Poder de Compra medido pelo Banco Mundial, como destaca Renata.

“Esse índice de conversão mede, basicamente, o número de unidades monetárias que são necessárias para comprar os mesmos bens domésticos com 1 Dólar nos EUA. Ao final de 2014 esse índice era de US$ 1,69 para cada Real. Com a recente piora da economia do Brasil, provavelmente, esse índice está próximo dos 2. Ou seja, isso anula o potencial efeito da inflação”, explica.

Em geral, atualizar o dólar pela inflação não é correto, sendo que este tipo de cálculo só é válido em situações específicas, sendo que nem mesmo para comparar o poder de compra seria tão simples apenas atualizar pela inflação. Vivemos em uma economia bem diferente de 2002, mas o dólar realmente está em seu maior nível da história.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.