O que fez o mercado “quebrar a cara” e trazer o dólar abaixo de R$ 3,00?

Enquanto muitos esperavam pela volta ao topo dos R$ 3,30, dólar caminha para encerrar uma semana de desvalorização; especialistas, porém, alertam para uma retomada das altas em breve

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Uma das primeiras lições que investidores iniciantes normalmente aprendem logo que ingressam no mercado de renda variável é manter uma distância minimamente segura do dólar. Isso mesmo, evitar negociações que envolvam a compra e venda de cédulas que estampem a enigmática fisionomia de Benjamin Franklin. Quem nunca, na sede por novos desafios e aventuras no mercado financeiro, ouviu o conselho de um guru qualquer: “aconteça o que acontecer, fique longe do câmbio”? O mantra, recomendado para qualquer investidor inexperiente ou mais conservador, deu novos sinais de sua força nas últimas semanas, quando o dólar driblou todas as expectativas e rompeu para baixo a barreira dos R$ 3,00. O imprevisível e arenoso mercado cambial não admite certezas.

Enquanto muitos esperavam pela volta ao topo dos R$ 3,30 de cerca de um mês atrás, em direção aos patamares de R$ 3,60, R$ 3,75 ou até elevados R$ 4,00, a moeda americana caminha para encerrar uma importante semana de desvalorização ante a divisa brasileira nesta sexta-feira (24). Só na última quinta-feira, o dólar fechou em queda de 0,89%, cotado a R$ 2,9816 na venda, acumulando retração mensal superior a 6,5%. Um pequeno alívio para quem planejava uma viagem ao exterior e ainda procurava encontrar uma brecha para trocar reais a valores mais palatáveis.

“Havia um cenário bastante adverso no começo do ano, com as contas públicas cheias de problemas, caixa do governo vazio por conta das desonerações, além de um forte embate com o Congresso, no intuito de desconstruir o governo reeleito e mostrar sua força. A casa tinha que ser colocada em ordem”, contextualiza o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo. Na avaliação dele, existia uma combinação de aversão a riscos, instabilidade política (concentrada na apuração de escândalos de corrupção e dificuldades no Parlamento), deterioração econômica e credibilidade significativamente debilitada.

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Mas o que explica esse momento de ajuste do dólar? Segundo Galhardo, apesar de o momento ainda ser complicado, algumas sinalizações recentes alimentaram a onda vendedora superior da divisa americana, dentre elas o balanço da Petrobras (PETR3; PETR4) e a percepção de melhora na articulação política do governo. “Com o embate entre governo e Congresso, Levy acabou assumindo a articulação das suas próprias medidas. Uma das coisas que ele colocou em xeque foi que, se o Congresso mantivesse seu atual comportamento, o governo seria prejudicado, mas também o seria todo o País”, observou. Isso, diz o especialista levou o risco político por água abaixo. “Já não há mais o mesmo enfrentamento, a gente vê uma melhora no cenário interno”, argumenta Galhardo.

No que diz respeito à Petrobras, o especialista defende que houve expressivas melhoras, com a estatal caminhando para voltar a ser o que era antes dos escândalos apurados pela Lava Jato, onde a leitura era de uma companhia menos presa às amarras da política de coalizão. “Pode não ter sido o melhor balanço do mundo, mas ele conseguiu acalmar os ânimos do mercado”, diz Galhardo. A apresentação dos prejuízos por conta do impairment e da própria corrupção foi entendida como positiva, como um empenho da petrolífera em recuperar sua imagem em prol da transparência corporativa. Tal melhora de percepção contaminou diversos segmentos da economia brasileira, culminando inclusive em uma apreciação do real. Tudo isso provocou uma pontual saída do especulador que esperava uma taxa de câmbio explodindo a R$ 3,40 do mercado.

O que esperar para o futuro?
Apesar desse lapso de otimismo, novas dificuldades são esperadas pelos analistas. Em relatório assinado por João Pedro Ribeiro e Benito Berber, a corretora Nomura, por exemplo, afirma que os fatores domésticos positivos que impulsionaram a desvalorização do dólar recentemente já estão precificados e a tendência de longo prazo de valorização da divisa dos EUA deve continuar. Para a instituição asiática, seria mais um caso clássico de “sobe no boato, cai no fato”.

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Na mesma linha o economista Sidnei Moura Nehme, da corretora de câmbio NGO, em relatório, exalta o trabalho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em influenciar as expectativas, mas lembra que o ajuste fiscal ainda depende do Congresso e da contenção de uma possível rebelião da base do PT. A corretora aposta em um preço de equilíbrio da moeda americana em R$ 3,10, levando em consideração também uma queda dos preços das commodities.

No mesmo sentido, apesar de ressaltar a melhora no cenário interno, Reginaldo Galhardo, da Treviso, aposta em um dólar próximo a R$ 3,25 em 2015. “A gente sabe que não serão momentos fáceis daqui para frente. Em um mês, não vamos resolver nossos problemas de 4 anos”, explica o gerente de câmbio. Segundo ele, também deverão pesar bastante sobre o desempenho do dólar a atuação do Banco Central, que ultimamente tem intervindo menos, apenas com a administração de rolagens.

Quanto ao setor externo, o especialista atenua seus efeitos, alegando que o momento do mercado de câmbio seria muito mais “egocêntrico” no Brasil atualmente. “Ainda estamos olhando muito para o nosso umbigo”, argumenta, lembrando os diversos descolamentos do exterior verificados por aqui recentemente. Com isso, uma boa dica para entender um pouco mais dos recentes movimentos do dólar ante o real é verificar os efeitos do noticiário doméstico brasileiro na percepção global. De qualquer forma, vale lembrar o conselho do guru: se você é iniciante, fique longe do dólar.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.