Fed livrou o mundo de uma grande depressão, mas agora enfrentará difícil dilema, diz economista americano

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o economista Richard Duncan diz que a autoridade monetária norte-americana terá de dar continuidade à sua política de elevação dos juros, mas com moderação para evitar uma contração excessiva no crédito

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A lição da Grande de Depressão de 1929 parece ter sido aprendida pelo Federal Reserve, ao menos a julgar pelo comportamento da autoridade monetária norte-americana nos últimos nove anos. Com o estouro da grande bolha global em 2008/2009, maior atenção foi dada à saúde do sistema financeiro, injetou-se dinheiro na economia via compra de títulos públicos e os juros foram levados a zero. Uma bancarrota profunda foi evitada graças aos esforços do BC local. Contudo, passado o momento mais dramático da crise, o Fed se vê em um verdadeiro dilema, que pode ditar os rumos da economia mundial nos próximos anos.

A leitura é do economista norte-americano Richard Duncan, ex-especialista financeiro do Banco Mundial. “De um lado o mercado de ações está valorizado, e de outro o crédito está fraco. Se o governo não fizer a taxa de juros subir, haverá o perigo do mercado de ações subir e subir, e poder estourar. Por outro lado, se o Fed intervir, o crédito pode parar de expandir. E, sem crédito, a economia não cresce”, explica em entrevista ao InfoMoney. Para ele, a autoridade monetária dos Estados Unidos terá de dar continuidade à sua política de elevação dos juros, mas com moderação para evitar uma contração no crédito que possa provocar nova recessão.

Richard Duncan esteve no Brasil em agosto, para palestrar em um evento realizado pela CFA Society Brazil. Confira a íntegra da entrevista a este portal:

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InfoMoney – Como o colapso do sistema de Bretton Woods explica os descontroles nos mercados de crédito norte-americano e global e o simultâneo (até paradoxal) desenvolvimento econômico na era da globalização?

Richard Duncan – Durante o sistema Bretton Woods, o dinheiro era lastreado ao ouro. Nos Estados Unidos, por exemplo, era lei que o banco central teria de manter pelo menos 25% em ouro, mas isso foi revogado pelo congresso em 1968. Com isso, o crédito explodiu, crescendo mais de 50 vezes em 2007, quando a crise econômica global começou a estourar. Isso não aconteceria no Bretton Woods, porque não haveria tanto ouro para uma bolha deste tamanho.

IM – A crise pode se repetir se levarmos em consideração a relação entre um iminente ciclo de alta de juros, economia ainda em ritmo moderado, renda das famílias estagnada e ativos na máxima histórica (caso do S&P500)?

RD – Depende do ponto de vista. A crise começou quando a população não teve mais dinheiro para pagar seus débitos. Neste sentido, não foi possível mais disponibilizar crédito, e, por isso, a economia norte-americana (e do mundo) entrou em uma severa recessão. Contudo, foi o aumento dos débitos do governo norte-americano, em 2008, que preveniu o mundo inteiro de entrar em uma grande depressão econômica.

O limite da oferta de crédito está no quanto a população pode pegar. E isso depende de quanto as pessoas podem pagar. É diferente do governo. No Japão, a dívida está em 260% do PIB, e ainda não atingiram o limite. Nos EUA, a dívida está em 100%. Isso significa que os EUA podem pegar ainda mais dinheiro até atingirem os 260% de dívida que o Japão tem. Claro que o valor não deve ser o mesmo entre todos os países.

IM – Qual foi a grande lição que a Grande Depressão de 1929 trouxe para a crise de 2009 no que diz respeito à atuação dos entes de governo, especialmente o Federal Reserve?

RD – A crise de 1929 foi também uma crise de bolha. A de 2009 foi uma grande bolha global. Em 1929, os EUA não sabiam o que fazer, e, de fato, não fizeram mesmo. Eles acreditaram na força do mercado e deixaram ela atuar, mas não funcionou. Bom, a lição de que governo deve intervir e não deixar o mercado funcionar sozinho foi aprendida. Em 2009, quando a bolha começou a estourar, o governo respondeu colocando dinheiro, política fiscal agressiva e política monetária agressiva. Tudo isso impediu um grande colapso e uma grande depressão. A lição aprendida é que você pode prevenir uma grande depressão pelo menos por nove anos. 

IM – O Fed vive um dilema: de um lado, o balanço está elevado; de outro, faz-se necessário um gradualismo na elevação dos juros para que se evite uma derrocada nos preços dos ativos. Qual tende a ser o caminho?

RD – Certamente. O Fed criou US$ 3,5 trilhões e usou esse dinheiro para comprar bonds. Isso gerou dois efeitos: empurrou o preço dos títulos e puxou para baixo os yields. Reduzir a taxa de juros também derruba o valor das taxas de propriedades e ações no curto prazo (mas no longo prazo elas tendem a subir). Baixando as taxas, é possível para o governo emprestar dinheiro mais barato e ter mais recursos orçamentários. Assim, a economia é estimulada. 

IM – O senhor observa que o crescimento do crédito rege o crescimento econômico e que hoje vivemos uma era da geração de crédito e consumo. Quais são os limites disso?

RD – O Fed está enfrentando um dilema no momento. De um lado o mercado de ações está valorizado, e de outro o crédito está fraco. Se o governo não fizer a taxa de juros subir, haverá o perigo do mercado de ações subir e subir, e poder estourar. Por outro lado, se o Fed intervir, o crédito pode parar de expandir. E, sem crédito, a economia não cresce. É uma difícil escolha. Ele tem que subir os juros, mas não tanto para fazer o crédito contrair e causar uma recessão.

IM – Há movimentos muito fortes críticos à globalização e ao livre-comércio, em uma percepção de que o processo de desigualdade de renda e concentração de mercado por grandes conglomerados se agravou, assim como uma intensificação da guerra fiscal entre as nações. Qual é a sua avaliação sobre esse processo e qual pode ser o desfecho em um futuro próximo?

RD – Se você cortar as taxas e da mesma forma aumentar o gasto do governo, a taxa de juros tende a aumentar.  E, como havia dito, alta taxa de juros tende a contrair o crédito e afeta o mercado de ações. Ao mesmo tempo, Trump eliminou as taxas de comércio para que as transações não sejam tão caras nos EUA e causem inflação – o que também causa inflação. Trump tem um desafio grande em lidar com essas frentes, mas a inflação pode ser um grande problema para a economia.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.