Depois de recuar 50% da máxima histórica, chegou a hora da virada para essa ação?

Banco de investimento recomenda compra e acredita na retomada dos resultados a partir deste ano

Rafael Souza Ribeiro

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SÃO PAULO – Logo depois da crise financeira de 2008, que levou a derrocada dos mercados financeiros por todo o mundo, Marcopolo (POMO4) ganhou a atenção dos investidores pela sequência de recuperação engatilhada. De 2009 até 2012, o papel subiu 879% e grande parte deste movimento pode ser relacionado a dois programas de incentivos do governo petista no período: Caminho da Escola e PSI (Programa de Sustentação do Investimento).

Criado em 2007 na gestão de Lula e até hoje em ação, o programa Caminho da Escola tem como objetivo renovar a frota de veículos escolares por todo o Brasil e seu grande atrativo é a opção de financiamento via o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que oferece taxa de juro bem abaixo do praticado pelo mercado e prazos estendidos de pagamento aos estados e municípios para a compra de ônibus e microônibus zero quilômetro. Na mesma linha, o PSI foi criado em 2009 como uma das medidas “anticíclicas” contra a crise financeira de 2008 e consistia em uma linha de crédito do BNDES que subsidiava a taxa de juros menores, mas através de instituições financeiras, a compra de máquinas e veículos novos por empresas de todos os tamanhos, sendo quanto menor, melhor a taxa oferecida. E em meio a tudo isso, estava a Marcopolo.

A companhia, sediada em Caxias do Sul (RS), tem como principal atividade a fabricação de ônibus/microônibus e carrocerias de ônibus, com uma linha de produtos que abrange veículos rodoviários e urbanos. Por conta dos programas do governo, a produção brasileira de ônibus ganhou importante força e foi estabelecido um novo piso de produção enquanto os incentivos estatais estavam de “vento em popa”: 30 mil unidades por ano. Como revela a tabela abaixo, logo no lançamento do Caminho da Escola a produção cresceu 14,6% e já revelava todo o potencial de receita que Marcopolo poderia absorver, como também é possível verificar o efeito positivo do PSI para combater a crise financeira de 2008:

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Produção Brasileira de Ônibus
Ano Produção Total Variação
2003 21.381
2004 25.280 +18,24%
2005 26.983 +6,74%
2006 27.952 +3,59%
2007 32.027 +14,58%
2008 35.410 +10,56%
2009 25.645 -27,58%
2010 33.395 +30,22%
2011 35.989 +7,77%
2012 33.080 -8,08%
2013 33.109 +0,09%

Fonte: Fabus

Esse aumento de produção refletiu diretamente no resultado da empresa, cujo Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) e lucro líquido ajustados mudaram de patamar a partir de 2008, quando os efeitos dos programas de incentivos do governo foram absorvidos pela Marcopolo – vale lembrar que em 2009 os números foram afetados pela crise financeira:

Entretanto, a história mudou drasticamente entre meados de 2013, quando economistas e investidores perceberam que a situação fiscal brasileira estava comprometida e um rombo nas contas públicas era inevitável quando o governo petista não reverteu as políticas monetárias expansionistas adotadas para combater a crise financeira. Foi a partir de outubro de 2013, quando as ações preferenciais da Marcopolo recuaram 12%, que o mercado se deu conta que as alternativas baratas de financiamento iriam “secar” e isso impactaria diretamente nos números da empresa.

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Secou a fonte

Com a crise fiscal “batendo na porta”, o governo precisou alterar as condições de financiamento do PSI em 2014, elevando as taxas cobradas aos bancos – no ritmo do aumento da Selic -, que repassavam automaticamente para os clientes, como também foram reduzidos os prazos de financiamento e o mais importante: o governo não financiava mais 100% do veículo. Ou seja, ocorreu uma mudança drástica de política de um ano para o outro. Até que em 29 de dezembro de 2015 o BNDES anunciou o fim do PSI.

O programa Caminho da Escola, que até 2014 chegou a ser o segundo maior mercado para as fabricantes de ônibus no Brasil, atrás do segmento urbano, encerrou 2016 com menos de mil veículos emplacados por conta da crise política e econômica que fez o governo federal reduzir os recursos para o projeto. Para se ter uma ideia, de 2008 a 2014, a média de vendas de ônibus escolares no Brasil girava entre 4.000 e 5.000 unidades, atingindo em 2013 (ano recorde da indústria automobilística) um volume de 10 mil unidades.

Todos esses fatores resultaram em uma redução drástica da produção brasileira de ônibus, e, consequentemente, afetou negativamente o balanço da Marcopolo. De 2013 para 2014, o Ebitda ajustado da companhia recuou 34%, enquanto o lucro líquido 23%. Na comparação entre 2014 para 2015, a queda do lucro foi ainda maior e na passagem para 2016 o desempenho não mudou muito: 

Produção Brasileira de Ônibus
Ano Produção Total Variação
2013 33.109
2014 28.429 -14,14%
2015 17.511 -38,40%
2016 14.372 -17,93%

Fonte: Fabus  

Não por acaso, as ações da Marcopolo saíram da máxima histórica cravada abril de 2014 em R$ 6,37 para atingir em setembro de 2015 mínima em R$ 1,52, ou seja, queda de 76%. Porém, a partir da faixa de R$ 1,60 o papel encontrou um piso e em 2016 subiu 54%, favorecido basicamente por dois motivos: i) perspectiva de queda da Selic; ii) estratégia de gestão – antevendo um 2016 difícil, a empresa anunciou três medidas para enfrentar a crise logo no começo do ano: fortalecimento das exportações, redução de despesas e aumento da eficiência na produção e vendas.

Em vista deste cenário, os investidores “ignoraram” os fracos resultados de 2016, já que estava na conta a retração da atividade econômica e as perspectivas negativas para o setor, e desde então estão comprando a expectativa de uma melhora operacional para os números de 2017 e 2018. Neste sentido, fica a pergunta: chegou a hora da virada para as ações da Marcopolo?

Ponto de reversão

Em relatório publicado em 17 de julho, os analistas do BTG Pactual, Renato Mimica e Samuel Alves, elevaram a recomendação para as ações da Marcopolo de neutro para compra, algo inédito no universo de cobertura da empresa desde junho do ano passado: segundo informações do terminal Bloomberg, entre 15 corretoras e bancos de investimento que acompanham a fabricante de ônibus, apenas o BTG possui recomendação de compra para os papéis, sendo 8 vendas e 6 sugestões de manutenção. Além disso, o preço-alvo para 12 meses foi elevado de R$ 2,80 para R$ 4,00, representando um potencial de valorização de 22% frente ao último fechamento.

Toda a recomendação foi estruturada a partir da recuperação das vendas da empresa, justamente o principal receio do mercado. Entre 2008 e 2014, a demanda doméstica por ônibus era de 29.000 unidades em média, atingindo o seu pico em 2011 com 34.500 unidades. Porém, como foi dito, a “seca do governo” resultou em uma queda vertiginosa dos pedidos e a demanda brasileira por ônibus dos últimos dois anos voltou para os níveis do final dos anos 80, como revela o gráfico formulado pelo BTG:


Fonte: BTG Pactual

Porém, esse nível crítico de demanda não deve ser uma realidade nos próximos anos, simplesmente pela demanda natural do mercado. De acordo com o Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), a média para a renovação da frota brasileira de ônibus gira em torno de 10 anos, ou seja, esse seria o “prazo de validade” dos veículos circularem sem comprometerem a qualidade do serviço. Levando em conta que o Brasil possui 385 mil ônibus em circulação – dados de 2016 – e a média de anos, os analistas do banco afirmam que ao menos 19 mil veículos seriam demandados naturalmente, já bem acima do registrado em 2015 e 2016.

A queda acompanhada nos últimos dois anos tem relação com o desaquecimento da economia, com muitos operadores rodoviários “pisando no freio” nas compras, movimento que também foi verificado em diversas prefeituras brasileiras, que optaram por retardar a renovação de frota pela dificuldade em fechar as contas. Entretanto, afirmam os analistas, essa situação já chegou no “fundo do poço” e há urgência pela retomada do plano de mobilidade urbana, o que promete aquecer a demanda por este segmento de ônibus. Além do envelhecimento da frota, outro ponto muito importante favorece a compra de novos veículos: a queda da Selic.

Juros em queda, resultado em alta

Como ônibus é um produto com alto valor agregado, as condições de financiamento são primordiais para aquecer a demanda, já que 80% dos veículos rodoviários e urbanos vendidos são financiados. Assim, a queda da Selic tende a favorecer muito o setor e as projeções para este ano, segundo o Relatório Focus, apontam que a taxa básica de juro encerrará 2017 em 8% ao ano, uma grande evolução desde o pico de 14,25% ao ano em meados de 2015.

Obviamente, ponderam os analistas, será muito difícil a demanda por ônibus voltar para os níveis de 2011 em pouco tempo, mas já existem sinais de recuperação vindos do primeiro trimestre deste ano que apontam “a luz no fim do túnel” do setor, e, consequentemente, dos números da Marcopolo. Segundo dados da Anfavea (Associação Nacional dos. Fabricantes de Veículos Automotores), a produção interna de chassis de ônibus no segundo trimestre cresceu 29% frente ao mesmo período do ano passado e 9% na primeira metade do ano. Esses dados são importantes, pois, segundo os analistas, servem como um indicador para a carteira de pedidos da Marcopolo ao longo do ano.

 “O mercado de ônibus no Brasil já mostra sinais de recuperação. As perspectivas de demanda, tanto no mercado interno como no mercado externo, mostram um viés positivo, refletindo em uma carteira de pedidos mais consistente, especialmente no segmento de rodoviários. Ainda assim, os resultados apresentados neste primeiro trimestre são reflexo de um mercado ainda abaixo dos níveis históricos e normais de produção de ônibus”, descreveu a Marcopolo no release do resultado do primeiro trimestre deste ano.

Se a operação Brasil está em ritmo de recuperação, o mercado externo segue crescendo e revela como foi certeira a decisão da empresa em aumentar sua exposição ao dólar, a fim de fazer um hedge da receita brasileira. Em 2016, a receita das plantas da África do Sul, Austrália e México (a maior da empresa) somaram R$ 836 milhões, crescimento de 14,6% frente 2015, enquanto a receita de exportação do Brasil somou R$ 950 milhões. Para se ter uma ideia da eficiência da estratégia, a receita da operação doméstica foi de R$ 788,3 milhões no ano passado.

“Apesar da crise que atingiu o setor nos últimos anos, as vantagens competitivas da Marcopolo permanecem intactas e acreditamos que a empresa está preparada para apresentar retornos acima do custo de capital no médio prazo”, avaliam os analistas do BTG, que citam outro fator que abona a empresa: eles estimam que cerca de 50% do Ebitda da empresa é revertido em fluxo de caixa, o que dá segurança quanto ao nível de endividamento e coloca a empresa um lugar acima de seus pares da indústria.

Riscos do negócio

Como em qualquer investimento, os riscos devem ser ponderados pelo investidor, ainda mais tratando-se de um caso de turnaround. No caso de Marcopolo, o principal risco está contido no nível de recuperação da demanda por ônibus, que pode ser inibida pelo fraco crescimento da economia e atraso no cronograma de renovação de frota. Segundo o time do BTG, conversas com operadores rodoviários (principais clientes da empresa no mercado doméstico) revelam que a situação ainda é bastante delicada e que não há tanto apetite para compras, principalmente com as tarifas de ônibus congeladas. Mas um risco, que era ignorado pelo mercado, começou a ganhar relevância nos últimos anos e deve incomodar Marcopolo: o aumento da competição.

Segundo Renato Mimica e Samuel Alves, a concorrência pode se intensificar no médio prazo já que a Caio Induscar (líder do mercado brasileiro no segmento urbano) adquiriu recentemente a Busscar (empresa que parou suas operações há 10 anos e enfrentou um longo processo de recuperação judicial) e pode ganhar market share da Marcopolo no segmento urbano. Para se ter uma ideia, de 2015 para 2016, a participação de mercado da empresa em ônibus urbano caiu de 35,1% para 30,1%.