Fábrica de Warren Buffetts: ligas de investidores viram febre nas universidades

Enquanto a Bovespa cresce a passos de bebê, faculdades de Economia e Administração estão fomentando cada vez mais o espírito de investidor dos alunos, tornando-se um importante degrau para chegar em bancos e corretoras

Thiago Salomão

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Não é exagero dizer que o mercado financeiro brasileiro tem evoluído a passos lentos. Mesmo com a facilidade de negociar ações e outros ativos pela internet, via home broker, e com diversas oportunidades de investimentos na renda fixa, o número de pessoas que sabem escolher os produtos financeiros mais adequados ao próprio perfil e objetivos e que conseguem montar uma carteira vencedora ainda é pequeno. A caderneta de poupança ainda é a aplicação financeira mais popular do país, o que na prática significa “queimar” dinheiro, já que o rendimento é muito inferior ao de outros investimento com o mesmo grau de risco – em vários anos a poupança não consegue nem bater a inflação. Preocupados em não deixar dinheiro na mesa, alunos de várias universidades têm se mobilizado para preencher a lacuna de conhecimento que faz com que tantos brasileiros invistam tão mal. E suas conquistas estão sendo aproveitadas não apenas pelos alunos, mas também pelos agentes do mercado.

Com o intuito inicial de criarem uma ponte entre o mercado financeiro e as faculdades, grupos foram formados nas principais universidades de Administração e Economia de São Paulo. O que era pra ser um simples elo entre uma contratante e seus potenciais estagiários atingiu dimensões ainda maiores, indo de palestras e eventos voltados para disseminar o conhecimento do mundo das finanças até a realização de processos seletivos exclusivos e a inclusão de grandes instituições financeiras na grade de aula dos alunos.

Um caso emblemático é a Liga de Mercado Financeiro, criada em 2007 na FEA/USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo). Dentro da disciplina de “Valuation”, os alunos têm a opção de participar de uma competição de avaliação de empresas desenvolvida pelo Credit Suisse. Silvio Doria, chefe da diretoria da Liga de Mercado Financeiro, explica que os alunos são divididos em grupos e todos recebem a missão de entregar relatórios de recomendação de investimento em determinadas empresas. Eles contam com a tutoria de um analista do banco suíço para realizarem a avaliação do valor das companhias e depois montam uma apresentação para os diretores e analistas do Credit.

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Com oito anos de vida e atualmente com 30 membros, a liga da USP foi criada dentro dos moldes dos clubes de finanças das universidades americanas. “A diferença é que lá os clubes de finanças são fechados, exclusivos a seus membros, enquanto a Liga de Mercado Financeiro é aberta a toda comunidade da FEA”, explica Doria, estudante de administração na USP e estagiário na área de M&A (sigla em inglês para Fusões & Aquisições) na SolFin Investimentos. A exemplo dos clubes americanos, a liga traz para dentro da USP debates com participantes do mercado e até processos seletivos promovidos por instituições financeiras.

Muito mais recente que a iniciativa da USP, a Liga Mackenzie Finance, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também conseguiu grandes feitos mesmo sem ainda ter completado dois anos de vida. A empresa foi criada com apoio da Fundação Estudar, uma organização sem fins lucrativos criada pelo trio de ferro da Ambev: Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Desde que iniciou as atividades, a liga já firmou importantes parcerias com grandes bancos. É o caso do JPMorgan, que preparou um processo seletivo para vagas de estagiário apenas com alunos do Mackenzie.

A empresa nasceu graças às dúvidas que dois ex-alunos do Mackenzie – que fundaram a liga – tinham sobre o mundo dos investimentos. “Eles adoravam mercado financeiro, mas sentiam falta de apoio da faculdade na época para saber mais. Então começaram a ir atrás por conta própria”, explica Guilherme Oliveira, diretor da Liga Mackenzie Finance. Após as conquistas do grupo de alunos, a universidade começou a atuar de forma mais ativa em prol da liga. “Hoje temos apoio da reitoria, uma sala só nossa na universidade, flexibilidade para realização das palestras e ajuda da gráfica para produzir cartões e materiais impressos”, diz Oliveira.

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Com uma abordagem mais empírica, a Consultoria Júnior de Economia, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), aproveitou a dificuldade dos estudantes em iniciar a carreira profissional – já que eles só podem estagiar no último ano de faculdade – para aproximá-los da realidade do mercado de trabalho. Fundada em 2007 e com cerca de 70 pessoas, a CJE visa agrupar estudantes de Economia e Administração que demonstrem gostar e ter vontade de atuar no mercado financeiro já nos primeiros semestres de faculdade, explica Hermes Sampaio, um dos diretores da consultoria. Recentemente, a CJE lançou um projeto no qual a empresa investirá recursos no mercado financeiro. Atualmente, alguns membros já investem individualmente na Bovespa.

Um pouco mais distante da capital paulista, o GMF Unicamp (Grupo de Mercado Financeiro da Unicamp) comprova que não é necessário estar nos arredores das avenidas Paulista ou Faria Lima para ser lembrado pelo mercado financeiro. O grupo foi criado em 2012 graças ao engajamento dos alunos de Economia e Engenharia Elétrica. “Todos os membros fundadores tinham um desejo em comum: aprender mais sobre o mercado. E fizeram isso tão rápido que em pouco tempo o grupo já tinha tomado dimensões fantásticas”, conta Juliano Bracalente, cofundador e presidente do GMF e também estagiário do Morgan Stanley na área de trader de ações.

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O grupo da universidade de Campinas conta atualmente com 14 colaboradores – a maioria deles já investe em renda fixa, ações ou derivativos. Para Bracalente, a maior conquista do GMF é poder presenciar a gratidão dos universitários após um processo seletivo bem-sucedido. “O rápido crescimento do GMF Unicamp e o sucesso que os alunos estão alcançando no mercado financeiro deixam claro que o capital intelectual de fora de São Paulo é valioso, embora pouco explorado pelas instituições financeiras. Além disso, a proatividade dos alunos em aprender sozinhos mostra que o investimento em ligas como a nossa pode trazer bons frutos em termos de fomento de mercado”, diz o diretor do grupo.

Visão de futuro
O potencial de longo prazo destes grupos deixa evidente o poder que as ligas possuem e como elas podem revolucionar a maneira que o brasileiro encara o mercado financeiro, facilitando o aprendizado do assunto e até mesmo a alocação de profissionais para as diversas áreas que esse universo possui. “À medida que os alunos vão se envolvendo nas atividades oferecidas pela liga e se aprofundando no mercado financeiro, eles acabam ingressando nas instituições financeiras cedo e bem decididos de onde e em que área trabalhar”, diz Doria, da liga da USP. “Este é um grande diferencial da entidade: se você sentar e conversar com algum membro veterano, ele já sabe o que fazer da vida, já conhece muita gente e tem um excelente networking”, complementa.

Assim como uma categoria de base bem montada possibilita a formação de melhores jogadores de futebol para abastecer os clubes no futuro, a iniciativa das ligas financeiras nas universidades irrigará bancos, gestoras de recursos e corretoras com funcionários muito mais bem preparados e certos do que sabem o que querem fazer profissionalmente. Que esses primeiros passos nos tragam cada vez mais “craques” das finanças no futuro. O Brasil – e principalmente as instituições financeiras – agradecem desde já.

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers