“Mercado não entendeu que China só vai crescer 5% a partir de agora”, diz economista

Para Roberto Dumas Damas, a necessidade de mudar o método de crescimento na China vai mudar a realidade das commodities, mas nem todo mundo perde com isso

Equipe InfoMoney

Roberto Dumas Damas (Crédito: Divulgação)

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SÃO PAULO – Os investidores do mundo inteiro entraram em pânico com diversas bolsas caindo mais de 4% no último pregão por conta da China, que frustrou os mercados ao não anunciar estímulos à sua economia. Nesta terça-feira (25), o cenário foi o oposto, com a China anunciando cortes nos compulsórios e taxas de empréstimos, o que trouxe uma forte alta para as bolsas internacionais. No entanto, para o professor de economia do Insper, Roberto Dumas Damas, não havia sequer um motivo para os investidores esperarem pelos estímulos em um primeiro lugar.

Ele explica que a China passa por um período de remodelação do seu crescimento econômico para passar a desenvolver o consumo da sua população, mas o mercado insiste em não acreditar nisso e criar expectativas. 

Autor do livro “Economia Chinesa – transformações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico da China” e um dos maiores especialistas no gigante asiático, Dumas falou em entrevista ao InfoMoney como fica o mundo das finanças após o “sell-off” da segunda-feira:

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InfoMoney: A China trouxe uma forte queda ao mercado desde o início das depreciações do yuan que trouxeram o risco de uma guerra cambial. Agora com a volatilidade do mercado a situação acaba gerando ainda mais preocupações. Como fica o cenário para a China diante disso? 

Roberto Dumas: Neste ponto do yuan a realidade é que não vai ter nenhuma guerra cambial. Mesmo se a depreciação for de até 10% não vai impactar as exportações do Brasil. O que mais preocupa o mercado é a desaceleração econômica. 

A prévia do PMI (Índice Gerente de Compras, na sigla em inglês) da indústria da China já está em 47 pontos, sendo que abaixo de 50 pontos vemos uma retração na atividade. Então está claro que a China deve crescer entre 5% e 5,5% no futuro. Os investidores esperavam um estímulo fiscal como um possível corte de compulsórios depois da queda de sexta, mas ele não veio imediatamente. E isso faz sentido. A China precisa parar de investir tanto e começar a consumir. Este processo de rebalanceamento já está ocorrendo. Você precisa pegar os subsídios dados às empresas nos últimos anos e devolver à população.

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Parece que no mercado uns querem aproveitar e outros ainda não atinaram que o “soft landing” veio para ficar. A tendência não é de retomada das taxas de crescimento de 8%, 9%, e sim que vá para 5% ou 5,5%, o que bate em commodities e moedas da América Latina, como no Chile por causa do cobre e até em países mais desenvolvidos como a Austrália por causa do minério de ferro. Com relação às bolsas da China mainland, excetuando-se Hong Kong, por elas serem muito fechadas ao investidor estrangeiro não há tanto impacto. O que o fato de Xangai cair mostra mesmo é que a expectativa de “soft landing” veio para ficar.

IM: E como fica o mercado neste cenário?

RD: Para quem sabe o que está acontecendo na China a falta de estímulos já era esperada. Se você precifica commodities e câmbio esperando mais do que 5% e 5,5% de expansão do PIB (Produto Interno Bruto) chinês nos próximos anos já pode rever as suas projeções. O governo falou que vai reajustar a economia para dar mais peso ao consumo e menos ao investimento, já que não faz sentindo continuar onerando a população para fazer crescer o nível de investimento se isso for gerar um impacto cada vez menor no avanço do PIB. E como se aumenta o consumo? O consumo se aumenta elevando a renda do trabalhador, o que prejudica a lucratividade das empresas, porque é mais custo para elas.

E fazendo isso o governo chinês está no caminho certo. Isso vai trazer danos a economias que se acostumaram com as taxas de crescimento chinesas antigas? Vai. Por outro lado, o PCC (Partido Comunista Chinês) tem que pensar como se estivesse navegando um transatlântico, porque a ditadura de partido único do país não pode remodelar a economia de uma maneira muito radical para não gerar tensão social. Então a mudança ocorrerá, mas não de maneira brusca e sem medir as consequências. 

IM: Você acha que o corte dos compulsórios e das taxas de depósitos e empréstimos anunciados pelo Banco do Povo da China hoje muda alguma coisa no plano geral ou foi apenas a China se rendendo à pressão dos mercados momentaneamente para se manter no rumo do rebalanceamento de modo menos brusco?

RD: Não muda nada. É uma medida paliativa que o governo chinês utiliza apenas para administrar o transatlântico rumo ao rebalanceamento de seu modelo de crescimento econômico.

IM: Você acha que em 2015 a China já vai começar a crescer 5,5%?

RD: Não, este ano provavelmente serão uns 6,8% e a partir daí será 5,5%. 

IM: E com relação à reprecificação do mercado de juros com relação à queda das expectativas de que o Federal Reserve eleve os juros ainda este ano, com analistas falando em aumento só em 2016 por conta das preocupações com a China? O que isso fará ao mercado? 

RD: Claro que esta questão do Fed é importante, mas eu tenho muito mais receio de que grande parte dos agentes do mercado não tenha atinado ainda para o fato de que a China vai crescer bem menos. Ela vai crescer simplesmente um terço do que crescia antes. Dentro deste quadro eu acho que os juros nos Estados Unidos não vão impactar tanto.

IM: E você acha que depois de ontem a ficha do mercado já caiu?

RD: Não, e este é o meu medo. Ainda não caiu a ficha. O pessoal precisa perceber que a renda do trabalhador chinês já está subindo. Outra medição desta remodelação está no aumento do setor terciário (serviços) em detrimento do secundário (indústria). Isso é bom porque é sustentável no longo prazo. E para o agrobusiness em geral será positivo, porque a população vai consumir mais como consequência do aumento da renda, então exportadoras de carne e soja tendem a se beneficiar deste processo.  

IM: E como a China fará para aumentar os salários?

RD: Existem três maneiras. A primeira é fazer com que o salário do trabalhador comece a crescer além da produtividade, depois de todos estes anos em que ele subiu sim, mas aquém da produtividade. Isso o governo já está fazendo, com o aumento do salário mínimo. 

A segunda maneira é aumentar a taxa de juros para trazer um maior retorno do capital, só que isso vai bater forte nas estatais chinesas que dependem de juros mais baixos para manter suas lucratividades. 

A terceira é com a apreciação cambial, que aumenta o poder de compra da população, mas neste ponto o governo deu sinais contraditórios ao permitir as maxi-depreciações dos últimos tempos no yuan. 

Todas estas questões vão acabar beneficiando México e Paraguai, porque a China vai continuar barata, mas não tanto quanto era. As empresas norte-americanas vão ter menos incentivos para se mudar para tão longe e as maquiladoras mexicanas vão começar a tomar o terreno do outsourcing chinês. 

IM: Fechando esta questão, no Brasil o setor que terá melhores oportunidades neste cenário acaba sendo mesmo o agronegócio.

RD: Sim, tanto ele quanto a pecuária, com um provável aumento da demanda por proteína animal e também não podemos nos esquecer da infraestrutura, uma vez que o chinês vai querer melhorar o escoamento dos alimentos para lá e provavelmente vai trazer mais investimentos nesta parte.