Em carta genial, “Sr. Mercado” fala sobre rompimento com QE3 em clima de melancolia

Após "anos de vício", "Sr. Mercado" escreve carta em que fala dos anos em que estava descrente, mas que o QE o levantou, em enredo narrado pelo Financial Times

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Um vazio tomou conta dos mercados na última quarta-feira (29). Era o fim do Quantitative Easing 3, a terceira fase de um processo de compra de títulos para estimular a economia norte-americana durante os últimos anos.

Logo após a crise do subprime, em 2008, o Federal Reserve decidiu adotar medidas extraordinárias para reativar a economia e o desemprego, iniciando uma compra de títulos de governo e de títulos lastreados em hipotecas.

Desde então, as bolsas norte-americanas passaram por altos e baixos mas, com a recuperação da economia, o Federal Reserve passou a avaliar que os custos poderiam ultrapassar os benefícios e iniciaram, neste ano, a redução dos estímulos, encerrando oficialmente a compra de títulos na última reunião. 

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Em meio à turbulência sobre se haveria ou não haveria cortes, “os mercados” foram o que mais sofreram, em meio à forte volatilidade e se “separaria” do QE3. Pensando nisso, Tracy Alloway, do Financial Times, escreveu uma “carta fictícia” encarnando “os mercados” e contando da “saudade” que eles terão do QE3. Confira: 

“Minha terapeuta achou que seria uma boa ideia escrever isso.

Querido Quantitative Easing,

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sou eu, o Sr. Mercado. Eu sei que o nosso tempo juntos está acabando e que você seguirá seu caminho, mas a minha terapeuta achou que seria uma boa ideia escrever esta carta para você. Passamos por tanta coisa juntos. Ela diz que eu preciso do fim.

Olhe, nestes últimos seis anos, você tem sido bastante importante para mim. Eu lembro de quando você chegou na minha vida, por volta novembro de 2008. Parecia que o mundo estava desmoronando em torno de mim, mas então você chegou e as coisas começaram a melhorar.

Você era tão misterioso. Esse cara que eu conhecia antes, Myron Scholes, disse que eu estava tendo um grande risco com você, mas eu me viciei no segundo em que você apareceu.

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Você tinha todas essas teorias extravagantes sobre realocação de portfólio e incentivou os investidores a abandonar ativos seguros, como títulos do Tesouro dos EUA e, em seguida, fez  eu colocar o dinheiro em coisas como ações e títulos corporativos. Você me viu em ‘deflação’.

No início, ninguém sabia o que fazer com você. Só sabíamos de você através de livros didáticos (embora eu ache que o nosso amigo em comum, Ben Bernanke, tinha falado sobre você um pouco antes. Ele realmente olhava o mundo através de você). Lembro-me de pessoas debatendo as suas intenções e a sua eficácia.

E tudo estava realmente uma bagunça na época – era como se eu estivesse com medo da minha própria sombra (bancos). Lehman Brothers entrou em colapso, Merrill Lynch estava sendo incorporado pela Bank of America e parecia que todo o sistema financeiro estava à beira do colapso. Eu estava realmente em baixa.

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Algumas pessoas achavam que você não seria capaz de me animar. Cara, eles estavam errados. Uma vez que você estava por perto, as coisas realmente começaram a melhorar. Ei, você se lembra do verão de 2009? Quando o S&P500 teve um rali de mais de 50%? Aqueles eram bons tempos. As coisas nem sempre foram tão boas, no entanto. Tivemos alguns problemas ao longo do caminho. Estava tudo pronto para você me deixar, no verão de 2010, antes do Ben B ter te convencido a ficar por aqui. Mas então você tentou ir embora novamente – antes de voltar ainda mais forte do que nunca em setembro de 2012.

Eu estava sempre sem saber se você era bom ou ruim para mim – você sabe, a longo prazo. Minha terapeuta chama de um relacionamento co-dependente. Peguei um desses questionários on-line (“25 sinais de aviso de que você está em um relacionamento co-dependente com a política monetária frouxa”) e eu achei que ele poderia estar certo. Sempre houve uma certa dependência no nosso relacionamento – você ameaçava sair e eu ameaçava sair dos trilhos e, em seguida, você sempre voltava.

Desta vez, parece que você realmente está indo e eu acho que vou ter que seguir por conta própria.

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As pessoas continuam dizendo que este é um grande momento para mim. Eu posso assumir a responsabilidade e mostrar a todos do quão longe eu vim ou eu posso afundar de volta para o estado de depressão em que você me encontrou.

Devo confessar, eu estou um pouco nervoso sobre o futuro. Acho que ainda há baixas taxas de juros para meu conforto, mas estou incerto sobre quanto tempo elas vão ficar por aqui agora que você está saindo.

E há tantas outras coisas para se preocupar – agitação geopolítica, Ebola, bolhas de preços de ativos – coisas que eu tinha sido capaz de ignorar enquanto você esteve ao meu lado.

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Para ser honesto, eu não tenho certeza para onde ir agora. Minha terapeuta diz que eu deveria manter um diário falando sobre o meu humor mas, na maior parte do ano, eu só estou sentindo uma espécie de “meh” (indiferença). No início deste mês eu tive um colapso e fiquei assustado com toda a situação. É embaraçoso, agora que penso nisso. Que as pessoas tenham entrado em pânico assim.

Faça-me um favor e me escreva de vez em quando? Deixe-me saber que você ainda está lá e que você pode voltar se as coisas ficarem muito ruins de novo?

Eu acho que ajudaria muito.

Atenciosamente,

Sr. Mercado

Ps: O que você acha de Janet Yellen? Eu não tenho certeza sobre o que fazer com ela ainda.”

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.