Como seria se Eike nunca tivesse ido para a Bovespa?

E se o ex-bilionário Eike Batista nunca tivesse feito as ofertas de ações de suas empresas na Bovespa? Como seria o mercado brasileiro?

Lara Rizério

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Em um artigo em que tentou justificar o colapso de suas empresas em julho de 2013, o empresário Eike Batista escreveu que, se pudesse voltar atrás, nunca teria feito ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de suas empresas na Bovespa. “Mais do que ninguém, me pergunto onde errei. O que deveria ter feito de diferente? Uma primeira questão talvez esteja ligada ao modelo de financiamento que escolhi para as empresas. Hoje, se pudesse voltar no tempo, não teria recorrido ao mercado de ações”, escreveu o ex-bilionário. Mas e se Eike tivesse uma máquina do tempo e pudesse reescrever o passado? E se os IPOs do grupo X simplesmente não tivessem existido?

O que mais agrada nessa hipótese é que milhares de brasileiros não estariam mais pobres. Eike foi responsável por uma destruição brutal de riqueza. As empresas em que ele detém ou deteve participações são negociadas hoje por uma fração ínfima do que chegaram a valer no passado. Apenas a OGX teve um prejuízo de R$ 17,4 bilhões em 2013. A companhia, que já teve cerca de 50 mil acionistas, comprou blocos de exploração de petróleo, contratou gente, fez estudos, adquiriu equipamentos e não encontrou jazidas viáveis comercialmente. Na prática, é como se a OGX tivesse investido bilhões de reais em um negócio que hoje só poderia produzir água salgada.

Como especialistas em finanças comportamentais afirmam que as experiências passadas influenciam muito na tomada de decisões futuras, é provável que muitas das pessoas que acreditaram em Eike e se estreparam nunca mais voltem a investir em ações. E não são apenas os minoritários enganados que ficarão fora da Bolsa por um bom tempo. Quem apostou em Eike e só colheu prejuízo provavelmente relatou essa experiência negativa para outras pessoas. O desmoronamento do grupo X, portanto, terá um efeito negativo multiplicador sobre o mercado acionário. Em entrevista à Revista InfoMoney, o próprio diretor-presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, disse que a OGX contribuiu para afastar os pequenos investidores da Bolsa assim como a Petrobras, as empresas do setor elétrico e outras companhias populares que se desvalorizaram muito nos últimos.

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Já para Eike, a decisão de se manter longe da Bolsa teria o efeito positivo de reduzir sua exposição à mídia. Provavelmente ele nunca teria chegado a ocupar a posição de sétimo homem mais rico do mundo e não teria despertado a curiosidade (e a inveja) de milhões de brasileiros. O bilionário também não estaria agora sofrendo pressão de acionistas minoritários e não teria de enfrentar um pente fino dos procuradores do Ministério Público, que tentam entender se ele simplesmente se equivocou ou se houve má-fé e até crime nas divulgações e falsas promessas apresentadas ao mercado.

Por outro lado, se Eike nunca tivesse ido à Bolsa, seus sonhos provavelmente seriam bem menos megalomaníacos. Desde 2006, o empresário captou cerca de R$ 10 bilhões com a abertura de capital da OGX (hoje OGPar), MPX (hoje Eneva), LLX (hoje Prumo), MMX, CCX e OSX. “Claramente as empresas do ‘grupo X’ se aproveitaram de um movimento de maior euforia no mercado para abrir o capital e, assim, conseguir uma boa e barata fonte de financiamento. Eike não conseguiria captar todo esse montante se contasse apenas com um pequeno grupo de investidores privados”, avalia o professor da Trevisan Escola de Negócios e economista da Planning Consult, Claudio Gonçalves.

O professor lembra que em meados da década passada, países emergentes como a China e o Brasil estavam na “moda”, o que deu a Eike a oportunidade de vender a brasileiros e estrangeiros participações em empresas pré-operacionais e sem geração de caixa por valores bastante atrativos. O empresário já tinha uma boa experiência no setor de mineração, mas depois espalhou seu império por outros setores que, à época, pareciam promissores, como logística, petróleo e construção de plataformas. “Se o empresário não tivesse levantado o dinheiro no mercado de capitais, talvez não haveria uma ramificação tão grande de companhias. Eike não sonharia tão alto”, diz o professor.

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Sem a abertura de capital do grupo X, até o governo brasileiro poderia ter agido de forma distinta. O ex-presidente Lula embarcou de cabeça nos sonhos de Eike porque havia um interesse mútuo na parceria. Eike era a personificação do Brasil que dava certo, que crescia muito com inflação baixa, que deixaria de ser emergente para ser desenvolvido. Lula percebeu que poderia faturar politicamente se posicionando ao lado de alguém assim. O próprio Eike entendia a si próprio como alguém importante para os governos. Em entrevistas, ele chegou a se apresentar como um “soldado do Brasil”, alguém que queria gerar empregos para a nação e desenvolver a infraestrutura. Esse discurso nacionalista soava como música no Palácio do Planalto.

De qualquer forma, se a política governamental em relação ao empresário se resumisse a fotografias públicas, trocas de elogios e discursos vazios, não haveria nenhum problema. Mas não foi isso que ocorreu, e a conta (salgada) chegará aos brasileiros. Apenas o BNDES aprovou empréstimos de R$ 10,4 bilhões às empresas de Eike. O banco diz que só uma parcela de R$ 6 bilhões chegou a ser liberada e que há garantias reais para os empréstimos. Boa parte dos projetos do empresário foram vendidos e deverão ser concluídos, aumentando as chances de que o banco receba esse dinheiro de volta. O BNDES também tem a seu favor o fato de não ter errado sozinho. O Banco Votorantim, que tem o Banco do Brasil como grande acionista, é outro que se meteu em maus lençóis por um empréstimo de R$ 550 milhões à OSX, empresa de construção de plataformas que se encontra em recuperação judicial. Até os maiores bancos privados do país, como Itaú e Bradesco, liberaram bilhões de reais ao grupo X.

Quando a maré baixou e o grupo entrou em colapso, as preocupações com a saúde do setor bancário contribuíram para aumentar ainda mais o pessimismo com a economia brasileira no exterior. Talvez mais ciente do que o grande público sobre as dificuldades do empresário, a presidente Dilma teve cautela e se manteve mais distante do empresário que o antecessor. Nos bastidores, entretanto, Eike chegou a negociar a instalação de uma sede da Petrobras no porto de Açu, da antiga LLX. Felizmente as conversas não prosperaram. Quando o colapso era iminente, o governo, na verdade, mudou de lado. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse abertamente que a crise de Eike afetou a imagem do Brasil no exterior. Já o BNDES jogou a toalha e admitiu que era hora de abandonar a política de financiar “campeões nacionais”, como Eike, e que a rentabilidade dos projetos voltaria a ser o critério para a liberação de empréstimos do banco.

Já que não é possível voltar no tempo e evitar que os “micos” de Eike tivessem chegado à Bovespa, o pequeno acionista que perdeu dinheiro também deveria aproveitar para fazer seu mea-culpa. De certa forma, os riscos das empresas X já haviam sido explicados aos investidores nos prospectos de abertura de capital de suas empresas, diz o professor de ciências contábeis da Faculdade Santa Marcelina, Reginaldo Gonçalves. Ok, prospectos são aqueles documentos com centenas de páginas que ninguém lê mesmo. Mas, nesse caso, não era preciso ser nenhum expert para entender que as empresas de Eike demorariam muitos anos para gerar caixa – e que, por isso, embutiam alto risco ao investidor. Mas, olhando pelo retrovisor, fica a sensação de que o melhor para todo mundo seria que o grupo X tivesse desaparecido antes de ter aparecido.

Essa matéria foi publicada na edição 50 da revista InfoMoney, referente ao bimestre maio/junho de 2014. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.