Executivo revela os bastidores da fusão entre Itaú e Unibanco

Em entrevista para a gestora de recursos Rio Bravo, Israel Vainboim fala como se deu a união entre os dois bancos, assinada na sala de sua casa

Rodrigo Tolotti

Publicidade

* entrevista originalmente publicada em janeiro de 2014

SÃO PAULO – Há pouco mais de 5 anos foi criado o Itaú Unibanco (ITUB4), surgido da fusão entre o Itaú, da família Setúbal, e o Unibanco, dos Moreira Salles.

Apesar dos executivos donos dos dois bancos serem reconhecidos pela criação do maior banco privado do país, outras pessoas sem estes sobrenomes também tiveram grande importância neste processo. É o caso de Israel Vainboim, um dos principais executivos do setor bancário do Brasil.

Continua depois da publicidade

Com mais de 40 anos na história do Unibanco, Vainboim participou da maioria das fusões e aquisições que fizeram o banco crescer. A fusão com o Itaú, em 2008, foi assinada na sala da sua casa. Em entrevista para a gestora de recursos Rio Bravo, o executivo falou um pouco sobre como foi o processo de fusão dos bancos.

Durante a conversa, Vainboim também falou sobre a economia do País e sobre trabalho e estratégia empresarial. Além disso, o executivo conta um pouco mais sobre a criação da Unibanco Holdings, os antecedentes da união com o Itaú, e as tentativas do Unibanco de comprar o Banco Real e o BCN.

Confira abaixo a íntegra da conversa entre Vainboim e a Rio Bravo: 

Rio Bravo – Por que você decidiu fazer o livro e dividir a sua experiência com o mundo?

Israel Vainboim – Há pouco tempo atrás, o nosso banco estava fazendo 80 anos e eu estava fazendo 40 anos de banco. Então me deu um pouco uma sensação de que não tinha sido feito nenhum documento que contasse em detalhes, superficial que fosse, as principais transações pela qual o Unibanco passou.

E, também, eu me dei conta que, com 40 anos de companhia, eu tinha vivido metade da história da companhia. Em diferentes níveis, desde o início, até a fase mais recente, onde eu estava presidindo a holding do grupo e depois continuei no conselho no banco Itaú Unibanco.

E achei que seria justo eu registrar um pouco a minha contribuição nesses 40 anos. Afinal, eu não sou Moreira Salles, não sou Setúbal, não sou Vilela e eu não queria que passados mais 50 anos ninguém lembrasse que existiu uma pessoa que trabalhou, e se dedicou à construção dessa companhia. Isso foi uma das motivações.

A segunda motivação… Eu queria transmitir aos jovens executivos do banco uma característica única da nossa empresa que é o fato dela ser uma empresa com controle definido e permitir a convivência de profissionais que chegam ao topo da organização.

Então tanto Unibanco, como o Itaú, se você for analisar, em certos momentos foram liderados pelos acionistas, e em outros momentos não, foram liderados por profissionais. Quer dizer, tanto no Itaú, como no Unibanco o diretor presidente chegou a ser um profissional.

Eu acho que em uma companhia que tem um controle definido, deixar os profissionais perceberem as oportunidades de carreira e de poder chegar ao topo de uma organização eu acho muito importante uma pessoa como eu transmitir.

Outro ponto que achei que seria muito importante e até no livro procuro me defender de que não fui um pai ausente, mas certamente o tipo de envolvimento de trabalho que eu tive roubou muito tempo da minha família.

Eu queria, de uma forma estruturada, explicar para os meus filhos o que me levou a gastar tanto tempo nesse trabalho, nessa companhia, porque não tive uma relação de trabalho de emprego nesses anos. Eu tive uma paixão que era quase como uma grande amante e que, obviamente, roubou um tempo da minha família. 

Vamos começar do presente e depois a gente fala do passado. A fusão do Unibanco com o Itaú foi assinada aqui na sua casa, em São Paulo. No livro, você diz que muitos ainda não compreendem essa aparente rapidez da operação que resultou no surgimento do maior banco privado na América do Sul. O contexto, em novembro de 2008, era o de uma crise que vai ficar na história do capitalismo. No entanto, você diz no livro que não foi a crise que levou ao casamento, certo?

IV – O interesse de se conversar foi um interesse genuíno de formação de uma grande empresa do setor financeiro que tivesse um controle compartilhado. Quer dizer, acho que todos os principais bancos cresceram, fizeram associações, compraram e tinha chegado um tamanho onde os players não eram players vendedores.

Quer dizer então os Moreira Salles não queriam vender o banco, mesma coisa com relação aos controladores do Bradesco, do Itaú, do Santander e, nessa altura, do HSBC. Então para você conseguir continuar criando uma companhia mais eficiente é a percepção de que uma fusão e o controle compartilhado com alguém seria um caminho importante.

Essa motivação era uma motivação bastante presente no Unibanco, que sendo um banco menor, vivia a necessidade de escala. E, portanto, as conversas nasceram um pouco na oportunidade da privatização do Banespa, que eu conto um pouco no livro, e ali houve a idéia do Itaú de nos propor uma parceria para comprarmos juntos o Banespa. E a minha visão na época de que sim era uma boa idéia, mas seria melhor se nós fizéssemos uma fusão dos dois bancos, por exemplo.

O Unibanco era menor do que o Itaú, então nós precisávamos da escala para baixar os nossos custos unitários. Se nós fizéssemos um negócio com o Banespa e nós integrássemos o “BackOffice” dos dois, nós estaríamos melhorando a nossa situação. Então, comprar sozinho era um bom caminho, com todas as incógnitas que havia em relação ao Banespa.

O Banespa era um banco que tinha sido federalizado, tinha sido limpo em termos de ativos questionáveis, mas tinha um custo de funcionários muito alto então havia muita preocupação se seria viável transformar aquilo numa plataforma rentável.

Então tinha esses riscos todos e eu colocava para o Itaú assim: “Bom se nós fizermos o negócio juntos, para o Unibanco nós preferiríamos integrar o backoffice do Banespa com o do Unibanco. Agora para a sociedade, seria melhor integrar no Itaú. Porque se o Itaú já tem o custo melhor ele ficaria com um custo menor ainda.”

Mas não resolveria o problema do custo do Unibanco. Então, eu achei que seria um bom caminho a gente discutir essa idéia válida, mas quem sabe a gente deve discutir. Então as conversas nasceram ali e elas foram ao longo do tempo… Não havia nenhuma dúvida de criação de riqueza que essa operação traria.

O segredo seria discutir a convivência dos controladores e o processo de harmonia, de divisão de funções, porque nós tínhamos dois executivos principais de dois bancos e estes dois executivos participavam do controle.

Então foi muito importante se pensar, se discutir e eu acho que a criação de riqueza foi a grande motivação, mas eu não tenho dúvida que essas conversas, que ocorreram em momentos diferentes, realmente se intensificaram depois que o Banco Real foi vendido para um banco estrangeiro, porque ali surgiu um certo temor de que o equilíbrio de força entre os bancos privados brasileiros pudesse ser rompida e isso motivou tanto o Itaú como o Unibanco a acelerar essas discussões.

Mas eu também acho que a crise foi um pontapézinho final que fez com que a operação se concretizasse. Porque, em uma operação de duas entidades desse porte, co-controlar uma companhia é bem diferente de controlar a companhia. Co-controlar significa abrir mão de algumas coisas. Então, eu acho que tivemos a sorte do tempo.

Nós éramos sócios na Credicard há muitos anos, 30 anos. As duas companhias se conheciam muito, as duas companhias sempre se policiaram como concorrentes grandes. Nós tivemos a mesma empresa de auditoria auditando os dois bancos, ora um sócio que auditava o banco Unibanco, passou a auditar o Itaú. Tudo isso facilitou muito as conversas dos auditores.

Acho que essas coisas estavam em um caminho e acho que a crise de 2008 deixou uma dúvida muito grande de como é que sairíamos disso. E a certeza é que se nós saíssemos unificados, juntos, nós sairíamos mais fortes. Então, eu acho que não foi a principal razão, mas que foi aquele empurrãozinho que as pessoas acabaram tomando a decisão. 

Pelo que se sabe, o Pedro Moreira Salles e o Roberto Setúbal passaram de concorrentes a sócios de uma forma muito serena e produtiva. Fale um pouco sobre esses seus dois ex-chefes e amigos, e a complementaridade que existe entre eles. Como eles interagem no dia-a-dia?

IV – O grande facilitador foi uma decisão que o Pedro tomou de que ele estava satisfeito com a sua experiência de CEO. Ele não estava mais querendo se provar e estava tranquilo que tinha feito mais coisas boas do que erradas, e que, para o bem da sociedade e da construção dessa companhia, era melhor ter o único CEO e ele achou que o Roberto seria um CEO melhor do que ele.

Então disse: “Eu contrataria o Roberto para ser o meu CEO. Ora, se eu tenho oportunidade de tê-lo como CEO do banco conjunto, é o melhor dos mundos, eu nunca conseguiria contratar o Roberto como CEO do banco”.

Então eu acho que esse passo permitiu que o Roberto se tranquilizasse que de fato haveria uma voz uníssona na diretoria executiva e que, portanto, não haveria ambiguidades, e que você teria no conselho, com a presença do Pedro como o chairman da companhia, a oportunidade de dividir e discutir os assuntos estratégicos de modo que a implementação ficasse sobre a responsabilidade do Roberto enquanto o Roberto teria essa função.

O Roberto, por idade, em alguns anos, teria de se aposentar. Portanto, não havia nenhuma carta marcada sobre a sucessão, sabia-se que cinco anos depois, em torno de cinco anos, haveria que os sócios teriam de acordar em um novo CEO, mas inclusive esse ano conseguimos discutir esse assunto e criamos a figura do CEO da companhia aberta holding e dos bancos fechados, de modo que a primeira sucessão do Roberto vai se dar em uma companhia fechada e a presidência da holding teve o seu mandato expirado até 62 anos, então o Roberto tem um horizonte de quatro anos.

(em 2017, Roberto Setúbal foi sucedido por Candido Botelho Bracher, atual presidente do Banco Itaú Unibanco).

Então, eu acho que essa possibilidade de se criar um fórum, primeiro no conselho do banco, depois na formatação da holding de controle compartilhado, essa holding tinha que ser criada e as grandes decisões de acionistas controladores sejam tomados nessa holding. Essa holding teria representantes no conselho do banco, que teria, além disso, conselheiros independentes.

Então eu acho que essa montagem que permitiu que nós fizéssemos e eu acho que um alto grau de confiança, que só é possível pelo fato de você estar falando de famílias de históricos muito parecidos, com tradições muito semelhantes, princípios e tradições e, eu diria, tendo sido sócios tantos anos…

Quer dizer, nós éramos o sócio brasileiro do Itaú e eles eram nosso sócio brasileiro, juntos com o Citibank, que era uma companhia mais impessoal. E a Credicard era muito relevante para todos nós. Quando você olhava a Credicard naqueles anos individualmente para todos os três sócios era uma companhia que ganhava tanto dinheiro quanto o Itaú sozinho.

Então, o terço do Itaú vinha de lá e nós tínhamos um terço também. Eu acho que isso fez com que agente convivesse princípios, ética… E em 30… 35 anos não foram só flores, teve momentos difíceis onde se viu comportamento de cada lado e acho que isso tudo contribuiu muito para facilitar. 

Em 1994, o senhor participou ativamente da criação da Unibanco Holdings, que o senhor chamou de “uma espetacular operação de arquitetura financeira que permitiu o crescimento do Unibanco em patamares impensáveis.” Explica como era essa estrutura de controle alavancado, e fala dos vários ativos que vocês conseguiram comprar por causa disso.

IV – Naquela época, as companhias podiam ter um terço de ações ordinárias e dois terços de ações preferências. Então, o controlador de uma companhia podia controlar a companhia com 17% do equity, do capital, porque 17% … Botava 16 das ordinárias no mercado, tinha 33%. E depois emitia 67% de preferenciais e estava feito o negócio. Então você com 17% do capital ordinário… Com 17% do equity da companhia e 51% do capital ordinário, você conseguia controlar a companhia.

Os bancos tinham uma regra não escrita diferente. Os bancos tinham que ter metade de capital ordinário e metade de capital preferencial. Então você tinha que ter 25% de qualquer coisa mais uma ação para controlar um banco. O banco demandava muito capital. Os bancos cresceram muito, abriram agências, alavancaram com crédito e, portanto, precisavam sempre de capital e os controladores tinham sempre limitações de capital, etc. Nisso nós não fugimos à regra.

Então, a ideia, até foi uma certa inspiração que eu digo no livro do Guilherme Afonso Ferreira, que era um acionista de ações ordinárias do banco, muito próximo do banco, e confiava muito no controlador. E ele uma vez me disse assim: “O dia que vocês quiserem que a gente migre para um outro patamar, nós estamos com vocês. Nós somos acionistas daqui por causa do grupo Moreira Salles e vocês podem contar com as nossas ações”.

Então, eu diria que o pulo do gato foi criar uma companhia acima do banco com o lote controlado pela família Moreira Salles, porém com outros acionistas. Nós aumentamos a base dessa companhia, e como ela era uma companhia não financeira, ele podia emitir duas vezes tanto capital preferencial. 

Ela era uma companhia de investimentos?

IV – Um companhia holding. Ela não é um banco. Era uma companhia de investimentos, o que a gente chama de comercial. Era uma empresa holding comercial. Se você imaginar que se eu emitisse preferenciais para ocupar o espaço todo, eu pegaria esse dinheiro e compraria ordinárias do banco em baixa. E como o banco era uma companhia aberta, o banco emitiria preferenciais no mercado 1 para 1, eu poderia crescer o banco com muito pouco ônus.

Primeiro, eu tinha o espaço criado pela nova base de capital ordinário criado na holding, que era duas vezes aquele capital. Então eu tinha um espaço de crescimento monumental. Uma coisa que eu lia muito, e não conseguia entender, é que o segredo do crescimento, às vezes, é você ter uma moeda de aquisição. Na cabeça normal da gente, moeda de aquisição é dinheiro, só que quando você tem uma ação que você consegue entregar para a compra de uma companhia, ela vira uma moeda de aquisição, e um dos entraves de crescimento era sempre o fato de que a ação dos bancos era muito mal cotada.

Em muitos momentos, a ação dos bancos era abaixo do valor patrimonial. Naquela época, as ações tinham valor nominal de uma moeda da época. Você às vezes fazia um movimento de capital que tinha que ser a um, e a ações estava no mercado a 85…90… Então era um sufoco você conseguir fazer o complemento do capital do controlador.

Então, mesmo que nós ocupássemos aquilo, aquele espaço das preferenciais da holding, o volume de capital que o acionista controlador teria que colocar na holding era muito menor do que se ele tivesse só direto no banco. Então, pareceu um negócio muito atraente e eu acho que se você…. Depois dessa ideia ter sido captada, nós olhamos a Itaúsa, e a Itaúsa era isso. Só que a Itaúsa tinha banco e não banco, e a nossa percepção é de que era preciso fazer uma companhia só banco e que fosse um espelho do banco.

Então nós criamos a holding com um número de ações em que o valor patrimonial da ação da holding era o valor patrimonial da ação do banco. O lucro por ação era mais ou menos o mesmo, quer dizer, por imperfeições, porque o dividendo das preferenciais era maior do que das ordinárias, na holding chegava um dividendo um pouco menor do que da preferencial. Então a preferencial da holding tinha um dividendo um pouco menor do que o do banco.

Então, fora essas pequenas distorções, é como se você tivesse uma companhia única com muito menos capital do controlador. Isso permitiu que a gente fizesse várias aquisições criando Units, que era uma ação preferencial do banco e uma ação preferencial da holding. 

A primeira operação foi Nacional. Nós não fizemos a compra, mas sem ativos do Nacional. Mas como nós pegamos o passivo todo do Nacional, nós precisávamos de uma base de capital para não atrapalhar o grau de endividamento do, então, Unibanco. Essa operação foi muito grande, quer dizer, o Nacional era um concorrente muito grande.

Nós, então, incorporamos esses ativos e emitimos ações ordinárias e preferenciais do Unibanco. Em seguida, o Banco Central, que tinha recebido essas ações, aportou as ações e recebeu preferenciais na holding. Então, a estrutura de controle se manteve.

Nós nunca poderíamos conseguir comprar mantendo o controle da família Moreira Salles sem que essa estrutura estivesse em pé e nós fizemos a operação. Só que nós tínhamos o Banco Central com um terço do novo banco, e tanto o Banco Central como nós, queríamos pulverizar esse lote. O Banco Central queria fazer caixa disso, e nós não queríamos ter o Banco Central com um terço do capital do banco.

Então, nós conseguimos desenvolver esse conceito de juntar a preferencial da holding com a preferencial do banco em uma Unit, e nós colocamos essa Unit no mercado. Era uma operação imensa. Era uma operação que passava de um bilhão de dólares. O Brasil estava voltando a se abrir para o mercado internacional e eu, um pouco antes, tentava levantar duzentos milhões de dólares e era um sacrifício. Parecia viagem.

O tamanho grande da operação facilitou a colocação da operação. Por que, como nós tínhamos nos preparado com a contabilidade em US Gaap, já… Porque o Unibanco tinha esse plano, nós sabíamos que nós íamos precisar do mercado, nós nos adaptamos.

E quando nós fomos ao mercado, nós éramos uma companhia com contabilidade em US Gaap, e aquele bilhão de dólares era uma valor tão grande, que o investidor não dedicado ao Brasil, se interessou, porque ele começou a dizer assim: “Poxa, eu tenho uma companhia e um bilhão de dólares…”

A operação foi um bilhão e trezentos, quer dizer, o Banco Central ganhou uns quinhentos milhões de dólares em dois anos entre o preço que ele pagou e o preço que ele vendeu. Mas esse lote tão grande dava uma perspectiva de liquidez para esse papel que nenhum outro papel brasileiro tinha. E o fato de ter uma contabilidade em US Gaap e o fato da ação ser negociada em Nova York, não no Brasil, permitia que muitos fundos globais entrassem na operação.

Então a operação foi “over subscribed”, nós tivemos que emitir ações adicionais, o famoso “greenshoe”. O Banco Central vendeu o lote todo. Nós fizemos uma emissão primária para o “greenshoe”, e nós criamos um instrumento. Daí para frente, sempre que a gente queria fazer uma aquisição, ela era uma alternativa. Então nós fizemos o Bandeirantes assim.

Quer dizer, nós compramos o Banco Bandeirantes pelo Unibanco. Emitimos ordinárias e preferenciais, depois trouxemos esse lote de ordinárias para a holding, demos um espaço para a caixa geral de depósitos nas ordinárias. Quer dizer, nós éramos flexíveis. Eu emitia um pouco ao gosto do freguês.

Foi uma estrutura que resolveu muito problema.

IV – Depois nós tivemos operações que foram integralmente aquisições com Units, que o vendedor não ficou no capital e depois colocou no mercado. 

Algumas operações que vocês quiseram fazer no Unibanco e não funcionaram: a fusão com o BCN, a compra do Banespa, e uma fusão com o Banco Real de Aloysio Faria. Que reflexões o senhor faz, em termos de estratégia empresarial, sobre essas tentativas que não deram certo, com o benefício do hindsight?

IV – Eu acho que a operação com o BCN era uma operação que nasceu com uma fusão. Ou seja, o BCN receberia ações… Os acionistas da BCN receberiam ações do Unibanco e o Pedro Conde, que tinha sido o principal mentor do BCN e grande acionista, mas não o único, porque a família dele, os irmãos eram acionistas. O banco tinha sido fundado pelo pai dele e ele queria continuar, e nós queríamos que ele continuasse no conselho do banco, portanto ele iria participar do processo. Eu acho que o entusiasmava.

Mas, ao longo do tempo, a gente começou a perceber que tinha gente na família que preferia receber caixa. Tinha gente que achava que imóveis era uma boa, então agências do BCN ficavam com a família. E essa operação foi demandando… Na verdade, nós começamos a perceber que se a gente colocasse na mesa uns duzentos milhões de dólares…. Só para você ter uma ideia de que números estamos falando… E era muito difícil levantar duzentos milhões de dólares naquela época.

Eu acho que o Bradesco, pelo seu tamanho, sua capacidade financeira e pela boa relação que tinha com o BCN, quer dizer, o Pedro Conde e o Lázaro Brandão eram muito próximos, tinham sido ambos muito ativos na Federação de Bancos e no Sindicato de Bancos e tinham um caixa…Quer dizer, duzentos milhões de dólares podiam aparecer e duzentos milhões de dólares era para comprar, em caixa, um pedaço, o grosso seria em ações.

Nós não tínhamos capacidade de pagar tudo em dinheiro. E o Bradesco fez uma oferta em um fim de semana de comprar tudo em dinheiro. E eu acho que, não sei se era a intenção ou se de fato balanceou. Quer dizer, na hora que os acionistas viram que era tanto dinheiro e que tinha capacidade de ter liquidez e o Bradesco pagou um preço muito justo, quer dizer, muito gordo, não foi uma pechincha, e eu acho que eles viram que era uma oportunidade extraordinária. Aí nós fazemos o Nacional.

Quando nós fizemos o Nacional, eu fui nos mesmos bancos de investimento que a gente discutia emitir preferenciais da holding para levantar dinheiro… “Olha, vocês não me ajudaram e eu já fiz a operação. Agora eu tenho no meu cangote, um acionista, que é o Banco Central, que tem um terço do banco. Vocês viram só a dificuldade… Não sei o que…. Quer dizer, teve alguém que aceitou as minhas ações preferenciais da holding, agora eu preciso dar liquidez para eles.”

Então, em cima da existência das ações é que nós abrimos o capital e fizemos uma venda de um lote secundário de ações. Mas uma vez que isso foi feito e a estrutura estava pronta, quer dizer, a gente ter feito… Então eu acho que… lições: Você tem que pensar as coisas antes. Você tem que se preparar antes do fato aparecer e você tem que ter uma estrutura flexível.

Eu acho que se nós não tivéssemos feito a holding e, até conto no livro: por sorte, nós fizemos ela aberta desde o nascedouro, porque a Sul América era a nossa acionista e pediu para a gente fazer. Mas aquele passinho foi fundamental, porque na hora que eu discutia com o Banco Central… “Eu vou lhe entregar as ações da holding, você pega as ordinárias do banco e vem para a Holding” a reação do Banco Central era: ” O que? Uma Holding fechada? “

Eu dizia: “Não, uma Holding aberta. “E a Holding tinha uma cotação pequena, mas a Sul América, de vez em quando, vendia… alguém comprava… Por que eles tinha isso em reservas técnicas e precisavam ter uma cotação.

Então, ali, quer dizer, foi um pouco preparação e um pouco de sorte, porque se a Sul América não pede para ser, não teríamos feito aberta desde o início. Aí vamos para o Banespa. Quer dizer, eu acho que a gente não conseguia enxergar como baixar o custo do Banespa, então a gente tinha muito receio dessa operação, porque o Banespa era um banco muito bom, tinha uma boa qualidade de mão de obra, mas muito cara.

E eu acho que nesse lado, os espanhóis operaram muito bem. Eles trouxeram para dentro do banco um homem da indústria, que foi Miguel Jorge, e colocaram a área de recursos humanos na mão do Miguel Jorge. E como a indústria automobilística tinha passado crises, foi a única indústria que tinha conseguido convencer os sindicatos que em alguns momentos era preciso flexibilizar os contratos de trabalho para viabilizar a companhia.

Então, eles fizeram um desbaste de uns 10% do quadro do Banespa, e depois fizeram uma negociação em que eles se comprometeram a não demitir por uns anos, mas congelaram os salários por uns anos. Então, como houve inflação, os salários que eram fora de mercado, vieram para mercado. Acho que nós não pensamos nisso e não sei se algum outro banco brasileiro imaginou que fosse possível fazer um ajuste de custo sem ter que demitir todo mundo. 

Parabéns para Miguel Jorge.

IV – Parabéns para Miguel Jorge e parabéns para os espanhóis que contrataram ele. Quer dizer, a minha sensação é que você teria que demitir todo mundo para readmitir gente mais barata, e isso criaria um tumulto dentro do banco. Então você… toda aquela qualidade de mão de obra, a retenção de clientes, os hábitos dos clientes com as pessoas das agências, aquilo ia tudo para o brejo. Então quanto valia aquilo? E eu acho que o caso do ABN, do Real, não é? Que é ABN levou… A lição foi a seguinte: nós estávamos comprando uma instituição muito boa. Nós íamos criar uma sinergia muito grande.

Só para ficar claro, o Aloísio Faria estava em conversa exclusiva com vocês, ou estava conversando com a (ABN)?

IV – Não, o Aloísio Faria estava conversando seriamente com a ABN e havia, isso demorou um tempo, rumores no mercado de que tinha gente fazendo (Se sabia que era o ABN) duo diligente dentro do banco e ele não falava com ninguém. Ele chegou ao entendimento com a ABN e levou o assunto para o Banco Central.

O Banco Central ficou muito preocupado com a presença de um banco estrangeiro em um banco brasileiro tão grande. Então o Banco Central disse para ele o seguinte: “Você conversou com os bancos brasileiros? Eu queria que você conversasse, porque se tiver uma oferta assemelhada eu vou pedir para vocês darem preferência a um banco brasileiro.” Então foi esse o processo.

Eu procurei o Banco Real, quer dizer, com esses rumores todos, eu acho que o Banco Real procurou o Itaú e o Bradesco. Acho que o Bradesco não se interessou e o Itaú se interessou e, portanto, o Aloísio tinha na mão mais de uma proposta.

E o que aconteceu é que as nossas propostas eram menores que a do ABN e quando ele levou ao Banco Central, agora feito o dever de casa de conversar com os bancos brasileiros, eu acho que o Banco Central percebeu que não seria justo impor ao Aloísio uma perda só para dar preferência a um banco brasileiro. Nós tínhamos um preço muito competitivo com a ABN, mas em uma estrutura diferente, que era uma estrutura que agente comprava tudo e o Aloísio queria que, no processo, surgisse um conglomerado menor para ele, que é o atual Banco Alfa.

Então, para fazer o que o Aloísio Faria queria, a gente perdia muitas economias, então nós tínhamos uma proposta com dois valores, em uma proposta seguíamos com o que ele queria (e nessa alternativa tinha uma diferença enorme entre a nossa proposta e a do ABN) e na alternativa de preço total, venda total, nós éramos competitivos.

E o Aloísio dizia: “Eu prefiro fazer desse jeito. Eu não quero fazer a venda de tudo.” Ele dizia: “Eu quero me operar, eu quero trabalhar, eu não quero me aposentar e para mim é muito importante estar no mercado financeiro.” Não havia como tirar esse direito dele. A operação foi muito “fair” eu acho que ele agiu muito bem, o Banco Central agiu muito bem nos interesses brasileiros, mas acho que também respeitaram uma diferença de quase um bilhão de dólares.

Bom, qual a lição que ficou para nós? Nós estávamos engatinhando nisso e as sinergias que foram criadas…. Nós usamos um princípio salomônico: vamos dividir entre comprador e vendedor, só que em um processo competitivo, você tem que ser mais agressivo. Então, o preço que nós pagamos era um preço que permitia que, dá criação de riqueza que a fusão traria, ele ficasse com a metade e nós ficássemos com metade e nós deveríamos ter sido mais agressivos.

Então, na verdade, nós fomos nocauteados no ringue, nos levantamos no final de semana, era uma sexta-feira quando a gente soube que a gente não ganhou, nós tínhamos parceiros porque o banco precisaria de aumento de capital então nós tínhamos alguns acionistas do banco que estavam dispostas a participar do aumento de capital e nós tínhamos feito uma negociação em 30 dias com o Bank of America, que eram um pequeno acionista nosso, via security pacific que eles incorporaram e eles nos garantiram um bilhão de dólares de capital para serem minoritários no novo banco, se houvesse a compra.

Nós entramos alinhavados e nós fomos ao Banco Central com eles para o Banco Central saber que atrás da nossa proposta tinha: 250 milhões de dólares do Commerce Bank, 300 milhões de dólares da IG e um bilhão de dólares do Bank of America. No fim de semana, eu levantei do ringue e fiz as contas e vi que dava para oferecer o mesmo preço.

Então eu consegui alinhavar com os parceiros a subida do preço e nós fomos segunda-feira em cima do Aloísio Faria e ele disse: “Olha eu já me comprometi, já dei a minha palavra para o ABN e, portanto não vou voltar atrás.” Então a lição é que você não pode ser muito ganancioso, quando você olha uma transação e ela é muito estratégica, você tem que estar disposto a entregar bastante da criação de riqueza para quem está vendendo, especialmente se é um processo competitivo. N

ós sabíamos que o custo de capital do ABN era menor que o nosso, naquela época o ABN concomitante a operação que ele fez, ele emitiu uma debênture de 30 anos com juros razoavelmente baixo e financiou uma aquisição toda. Nós nunca podíamos ter feito uma emissão desse tipo. Então, mas eu acho que se nós não tivéssemos ter tido no início esse raciocínio simplista – “Não tenho um ganho aqui e vamos dividir o ganho entre comprador e vendedor” – se agente tivesse percebido que tem competição a gente devia ter ido mais agressivo no preço e talvez tivéssemos feito a operação. 

A indústria bancária no Brasil passou pela queda estrutural dos juros, o aumento de concorrência, o aumento de regulação, o “ROI”, return on investment dos bancos caiu de cerca de 25% para abaixo de 20%. O senhor acha que essa mudança é estrutural ou conjuntural?

IV – Eu acho que é conjuntural. Eu acho que nada significa dizer que a rentabilidade vai ser 25, eu não estou dizendo isso, mas eu diria o seguinte: Os bancos prestam um serviço à economia, os bancos existem porque eles são úteis e os bancos são administrados por profissionais que entendem as exigências dos mercados.

Os bancos não são companhias fechadas que tem um único acionista que pode dizer: “Estou satisfeito com 18%. Para mim está bom e então vou fazer isso.” Os bancos são um conjunto de empresas de capital aberto que competem entre si por tudo que é escasso, inclusive o capital, e agente vive em um mundo com mais e mais exigências em cima dos bancos. Basiléia 3 começa a ser implantada e ela vai aumentar muito a exigência de capital dos bancos.

Então, os bancos são administrados por pessoas racionais, que procuram entender como elas sobrevivem sobre no tempo, e quem não faz isso não sobrevive. Isso vai ser verdade em qualquer setor, mas no setor bancário é assim a história: os bancos que não prestaram a atenção para as exigências dos mercados sucumbiram e foram engolidos por bancos mais fortes.

Então, a leitura que eu faço é que vai haver racionalidade para que os bancos consigam remunerar o seu capital de uma forma adequada às exigências do mercado de capitais e como as exigências de capital são crescentes, os bancos sabem que não podem descuidar, então eles vão ser muito cuidadosos na contabilização de operações, ou seja, eles vão ter cuidado para não contabilizarem operações que não criam valor, operações longas, com taxas inadequadas que comprometem o capital, e vão zelar cada vez mais para sua eficiência, por que a sua capacidade de não diluir os acionistas está na sua retenção.

Se você tem mais exigências de capital pela imposição das regras do jogo, para você continuar crescendo a sua presença do mercado, você tem que reter mais resultados, você tem que ter resultados melhores, e como é que você obtém resultados melhores? Cuidando de eficiência, cuidando de custos e evitando erros na aplicação do dinheiro.

Então acho que esse processo como eu vejo o mercado brasileiro bem competitivo e bem racional, os players internacionais que vieram são companhias enormes que têm compromissos com mercados capitais, quer dizer, não dá para olhar o Brasil e dizer: “Não vou ganhar dinheiro no Brasil.”

O Brasil é relevante para o HSBC, é relevante para o Santander, ele é relevante para todos os players, então não tem nenhum agente com quem nós competimos fazendo bobagem. As vezes a gente percebe, por exemplo, os bancos estatais com a orientação em fazer o crescimento muito grande de ativos.

Não sei se o governo não entendeu que naquele momento os bancos estavam se retraindo por problemas de inadimplência e não por problemas de ser contra qualquer política do governo, quer dizer, o banco está aqui para ganhar dinheiro, esse banco ganhando dinheiro emprestando dinheiro, emprestando serviço o banco quer fazer o máximo, mas quando o banco começa a perceber que está emprestando dinheiro e não está recebendo ele começa a rever. “Tem algum erro no processo de crédito, o que nós estamos fazendo de errado?”

E coincidiu com uma retração e uma vontade do governo que a economia andasse na base de novo na base consumo então o governo usou os bancos oficiais para crescer ativos. Já estamos vendo os bancos menos ativos, ou seja, aquela euforia dos bancos públicos, eu acho que talvez o banco que mais avançou extraordinariamente é a Caixa Econômica Federal, se olhar a fatia do mercado que ela ganhou é inacreditável, agora não se consegue isso impunemente, todo o crescimento anormal.

A natureza não dá saltos, então quando você ver alguém saltando, em algum momento isso terá de ser alterado.

Então eu acho que temos players racionais, mesmo quando você tem um player estatal e ele tem momentos de racionalidade e logo ele descobre que falta capital, que o tesouro não consegue colocar todo o capital que ele precisa, que ele precisa ter uma margem dentro do banco e desde que haja competição no setor, que não seja um setor cartelizado eu acho que vai ter racionalidade e portanto eu acho que se os retornos caíram eu acho que por acaso nós já tivemos os primeiros resultados aparecendo de uma maior política mais cautelosa no crédito e de fruto das sinergias que agente conseguiu, já tivemos alguns trimestres uma melhoria sistemática e rentabilidade do Itaú/Unibanco que foi acima de 20% a taxa do trimestre, nós estamos no todo em torno de 20%, ou seja, nós estamos em um nível de rentabilidade muito, muito bom.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.