A blockchain nasceu com o Bitcoin (BTC) e continua sendo um dos pilares da primeira criptomoeda do mundo. Com o tempo, no entanto, também tomou vida própria e começou a andar sozinha, explorando outros mercados.

Hoje, a tecnologia torna possível não só as transações com moedas digitais, mas abriu caminho para outras aplicações, como a criação de contratos inteligentes.

Neste guia, o InfoMoney explica o que é a blockchain, como ela funciona, quais os tipos disponíveis no mercado, como essa tecnologia surgiu e quais suas aplicações, além de detalhar quais são os riscos envolvidos.

O que é a blockchain?

A blockchain é um grande banco de dados compartilhado que registra as transações dos usuários.

A rede do Bitcoin, a primeira do mercado, guarda informações como quantidade de criptomoedas transferidas entre os usuários; identificação (endereço digital) de quem enviou e quem recebeu os valores; e data e hora das transações.   

A diferença entre uma blockchain como a do BTC e os bancos de dados “tradicionais” é que ela não é controlada por autoridades, como bancos, governos, empresas ou grupos. O sistema foi construído de tal maneira que os participantes (chamados de nós) são os controladores e auditores de tudo – e tomam as decisões sobre a rede.

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Há uma cópia da blockchain nos computadores de todos os envolvidos, espalhados por todo o mundo. Portanto, cada membro, esteja no Brasil, nos Estados Unidos ou no Japão, vê a mesma informação quando acessa o sistema. Nenhuma alteração pode ser feita sem a aprovação da coletividade.

Os dados também são imutáveis – ou seja, se as transferências foram validadas e registradas, são eternas e não podem ser alteradas. Todo esse funcionamento, segundo Rafael Nasser, doutor em Informática e coordenador Técnico do Departamento de Informática da PUC-Rio, é viável por causa de mecanismos de consenso que, na prática, são algoritmos que estabelecem algumas regras.

O algoritmo mais tradicional é o Proof-of-Work (Prova de Trabalho, em português) usado no Bitcoin. Esse protocolo estabelece alguns passos, como o que fazer quando se recebe uma informação, como estruturá-la em determinado formato e como deve ser a validação e a organização. Tudo isso orquestrado por um sistema.

“Eu diria que a blockchain é uma engrenagem que estabelece relações de confiança no ambiente online, e essa confiança, por ser descentralizada, viabiliza relações não só com quem eu confio, mas com qualquer um, pois eu confio na tecnologia e na rede que sustentam essa distribuição”, disse Nasser.

Como funciona a blockchain?

Blockchain, em tradução livre, significa “corrente de blocos”. Hoje, há diversos modelos no mercado, mas a primeira foi proposta junto com o Bitcoin, em 2008. Para imaginar como a rede descentralizada do BTC funciona, pense nela como um livro-razão virtual (ficha onde são registradas transferências) rodando em diversos computadores espalhados pelo mundo, todos trabalhando ao mesmo tempo.

Quando o usuário A envia um Bitcoin para o B, essa transferência fica registrada na blockchain dentro de um bloco de informação. Esse bloco, assim que fica cheio de transações, é “selado”, ganha uma espécie de carimbo com data e hora, chamado de timestamp, e é “empacotado” com um identificador, chamado de hash. Para visualizar essa estrutura, imagine um quadrado cheio de números e letras aleatórias.

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Já a corrente é formada da seguinte forma:

O usuário B, assim que recebeu o Bitcoin, passou metade do valor da criptomoeda para C, e essa transferência foi colocada em um novo bloco criado na sequência do anterior. Esse bloco também vai receber um identificador próprio, mas com um detalhe: ele tem um “pedaço” daquele que foi gerado anteriormente na transação entre A e B.

Na prática, portanto, todo novo bloco criado na blockchain guarda uma informação do anterior, formando uma longa cadeia. Para imaginar essa estrutura, dessa vez pense em vários quadrados – preenchidos com data, hora, números e letras – conectados um ao outro por meio de correntes.

Nessa estrutura toda ainda existem os mineradores, cuja função é validar as transações dos usuários. Para autenticá-las, eles precisam competir um com o outro para resolver problemas matemáticos complexos. Depois que finalizam o cálculo, eles apresentam o resultado para toda a rede, e se os outros membros disserem “ok, está correto”, o novo bloco é adicionado à cadeia, e então começa uma nova competição pela verificação do bloco seguinte, e assim por diante.

Como pagamento por pela prestação de serviços, os mineradores ganham Bitcoin como recompensa. Tudo isso é coordenado pelo algoritmo da plataforma. Esse “trabalho” de mineração, apesar de na teoria parecer tranquilo, é bem disputado.

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Como surgiu a tecnologia blockchain?

A blockchain surgiu junto com o Bitcoin em 31 de outubro de 2008. Naquele dia, Satoshi Nakamoto, pseudônimo da pessoa – ou pessoas – por trás da criptomoeda, publicou o white paper (guia) do BTC, intitulado “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System” (Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Peer-to-Peer).

Cabe ressaltar, no entanto, que Nakamoto não usa exatamente a palavra “blockchain” no documento. Ao longo das nove páginas do material, ele cita apenas os termos “block” e “chain” separados. O termo blockchain, portanto, é um tipo de buzzword (palavra da moda) criado pelo próprio mercado.

Outro adendo é que discussões sobre tecnologias de registro distribuído (DLT, na sigla em inglês), categoria na qual a blockchain se enquadra, ocorrem desde 1991. Naquele ano, o matemático Stuart Haber e o físico W. Scott Stornetta publicaram um artigo sobre o assunto. O trabalho dos dois pesquisadores inclusive é citado por Nakamoto no white paper.

Antes do Bitcoin, portanto, não há registros de casos de uso para a tecnologia. O BTC foi a primeira grande aplicação da blockchain.

O primeiro bloco da cadeia foi minerado no dia 3 de janeiro de 2009. Chamado de Gênese, ele contém uma mensagem criptografada deixada por Nakamoto, que diz o seguinte: “The Times 03/Jan/2009 Chancellor on brink of second bailout for banks” (Chanceler à beira do segundo resgate aos bancos, em tradução livre).

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A mensagem faz alusão à manchete do jornal britânico The Times daquele dia. Naquele período, a economia mundial sofria com a crise financeira dos Estados Unidos, uma das piores da história.

O surgimento dos smart contracts

Cinco anos após o lançamento do BTC, o mercado viu que uma blockchain poderia ser usada em outras frentes, não apenas na criação de moedas digitais.

“As pessoas começaram a perceber o seguinte: caramba, olha quanto dinheiro está sendo resguardado por uma tecnologia, e não tem um banco nem ninguém controlando, e é totalmente descentralizada. Então a tecnologia evoluiu, e surgiu um monte de outros projetos”, disse Nasser.

O primeiro grande projeto depois do Bitcoin foi o Ethereum, lançado pelo programador russo-canadense Vitalik Buterin, em 2015. Essa nova blockchain, apesar de seguir parte dos princípios da rede do BTC, oferecia aos usuários um diferencial: a possibilidade de criar smart contracts (contratos inteligentes).

Na prática, esses contratos são programas guardados na blockchain que se executam conforme regras pré-estabelecidas, sem o envolvimento de um intermediário para controlar.

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Exemplo: quando você quer alugar uma casa, há uma série de etapas que precisam ser cumpridas, como envio de documentação para a imobiliária, análise dessa documentação, pagamento da caução (ou indicação do fiador), depósito do primeiro aluguel e assinatura do contrato. Em um smart contract, todos esses procedimentos estariam programados, e não seria preciso uma imobiliária para intermediar e garantir o negócio. Assim que você incluísse os documentos no smart contract – e tudo estivesse de acordo com o que foi acordado – e fizesse o primeiro pagamento, o contrato da locação seria enviado para assinatura. Você só precisaria buscar a chave. 

Hoje, de acordo com Nasser, há 100 plataformas que implementam os conceitos da blockchain de maneiras distintas. No geral, disse, as principais diferenças estão no algoritmo de consenso usado, na estrutura de dados e no modelo de sustentação de economia estabelecida.

A economia do Bitcoin, por exemplo, é baseada em parte na escassez da criptomoeda. Já a lógica por traz da economia do Ethereum é o valor da plataforma, que permite a criação dos contratos inteligentes.  

Como minerar Bitcoin?

Nos primeiros anos do Bitcoin, bastava pegar um computador (com uma placa de vídeo razoável), conectá-lo à rede do BTC e deixá-lo ligado resolvendo os cálculos matemáticos para minerar a criptomoeda.

Hoje, no entanto, “fabricar” Bitcoin por meio de um PC é praticamente impossível. Por causa da quantidade de participantes na rede, os cálculos ficaram mais difíceis, e a exigência de poder computacional necessário para resolvê-los aumentou drasticamente. Atualmente, é preciso dispor de hardwares específicos para a função, chamados de circuitos integrados de aplicação específica (ASIC).

O mais comum, nos dias de hoje, é que fazendas de mineração com milhares de equipamentos se dediquem à tarefa. E por essa atividade ser complexa e demandar alto investimento, esses locais costumam se organizar em pools (conjuntos) de mineradores que trabalham juntos para competir pela validação das transações.

Quando encontram os resultados dos blocos, eles dividem as recompensas. Hoje, o valor para cada bloco minerado é de 6,25 BTC, o que dá pouco mais de R$ 2,1 milhões, conforme a cotação da criptomoeda do dia 28 de outubro de 2021. Esse “prêmio” foi definido pelo protocolo do BTC, e ele é reduzido pela metade a cada 210 mil blocos minerados, em um evento chamado halving. Isso ocorre, em média, a cada quatro anos.

Na prática, esse corte na recompensa, que já aconteceu três vezes desde a criação do BTC, é feito para garantir que a criptomoeda seja emitida de forma estável. Lembrando que só 21 milhões de Bitcoins podem ser minerados. A estimativa é que o último BTC seja minerado só em 2140. 

Como minerar criptomoedas?

Apesar de a mineração de Bitcoin ter se tornado algo praticamente inviável para se fazer em casa, é possível minerar outras criptomoedas com computadores comuns, desde que sejam relativamente potentes, segundo Denny Torres, um dos principais especialistas sobre mineração caseira do Brasil.

“Na prática, o procedimento para minerar criptomoedas é o seguinte: comprar um equipamento compatível com placa de vídeo potente de última geração; verificar qual é a moeda mais rentável em sites como o Whattomine; escolher um pool de mineração em sites como o Miningpoolstats; e, por fim, baixar um aplicativo de mineração da pool escolhida”, falou.

De acordo com Torres, a criptomoeda mais rentável atualmente ainda é o Ethereum (ETH). Segundo ele, com seis placas de vídeo Nvidia RTX 3060 TI, que podem ser encontradas por um preço médio de R$ 6 mil (investimento de R$ 36 mil, portanto), seria possível ter uma rentabilidade bruta de US$ 20 (R$ 112) por dia com a mineração de ETH. Em segundo lugar, no quesito rentabilidade, aparece a criptomoeda FLUX, um fork (atualização) da criptomoeda Zcash, com a expectativa de US$ 19,75 (R$ 110) por dia. Os cálculos são de 28 de outubro de 2021.

Mas, ainda há outro ponto a ser considerado: a energia elétrica.

“A conta de energia é a principal despesa do minerador de criptomoedas, por isso também deve ser levada em consideração. A mineração de Ether com as seis placas de vídeo citadas acima consumiria 780w por mês, considerando uma tarifa média de 1,2 R$/Kwh (de Macaé/RJ, onde moro), o que daria um gasto mensal de energia de R$ 674”, disse Torres.

Valor bruto: R$ 3.360.

Valor líquido (descontado a energia): R$ 2.686.

Retorno do investimento: 14 meses

Quais são os tipos de blockchain

Apesar de existirem centenas de modelos de blockchain, há dois grandes grupos básicos da tecnologia: as públicas e as privadas.

Nas blockchains públicas, qualquer um pode entrar. Além disso, todos podem ver as movimentações, e não há uma entidade central, como empresa, banco ou governo controlando as informações e ditando as regras. As redes do Bitcoin e do Ethereum se enquadram nessa categoria.

Com o boom das criptomoedas, empresas e governos se interessaram pela tecnologia. Eles criaram blockchains privadas, que têm uma entidade central controlando quem pode participar, bem como as informações e as regras. Esse modelo, portanto, faz mais sentido para aqueles que querem utilizar parte dos benefícios da tecnologia, mas precisam de privacidade. Empresas, como IBM e JBS, e entidades públicas, como a Receita Federal do Brasil e os governos do Ceará e do Paraná, utilizam o sistema em seus projetos.  

Blockchain é segura?

A segurança de uma blockchain varia conforme sua força computacional. Ou seja, quanto maior o volume de servidores conectados à rede e quanto mais distribuída ela for, mais difícil fica violar a sequência de blocos registrados.

A blockchain do Bitcoin é formada por blocos, e cada um precisa estar conectado com o anterior, formando uma corrente. Esse mecanismo impede que hackers façam alterações na rede e modifiquem valores, pois uma mudança em qualquer um dos pontos afetaria toda o sistema e não seria aceita pelos participantes.

Exemplo: a blockchain do Bitcoin tem pouco mais de 700 mil blocos, segundo o explorador de blockchain Blockchain.com. Se alguém entrar na rede e mudar as informações do 60º bloco da fila, os hashs de todos os blocos a partir do 61º também mudariam. Mas essa alteração não teria efeito algum, pois a blockchain é descentralizada e há uma cópia da cadeia verdadeira nos computadores de todos os participantes. Portanto, se surgir uma versão diferente daquela que está nos computadores dos outros participantes, ela é desconsiderada, visto que não coincide com as outras cópias.

“Para você hackear um computador centralizado é uma dificuldade. Agora, conseguir hackear milhares ou milhões de computadores ao mesmo tempo, como é o caso da blockchain do Bitcoin, é praticamente impossível. Portanto, elas são altamente seguras”, explicou José Artur Ribeiro, CEO da corretora Coinext.

Nasser concorda com Ribeiro. Segundo ele, a maioria dos ecossistemas existentes hoje em dia têm segurança robusta. No caso do BTC, falou, uma prova da solidez do sistema é que até hoje ninguém conseguiu atacá-lo. “Quanto essas redes são a prova de ataques? Pega como exemplo o Bitcoin: temos um valor muito grande de dinheiro que ninguém nunca conseguiu burlar o algoritmo”.

Riscos da blockchain

A estrutura descentralizada de uma blockchain como a do Bitcoin dificulta o trabalho de hackers. No entanto, existe uma forma de o sistema ser burlado: o ataque 51%. Esse tipo de investida virtual ocorre quando alguma organização – seja um grupo de pessoas, empresas ou governos – consegue o controle de mais da metade do sistema.

Na prática, se isso ocorresse, os invasores conseguiram modificar as transações deles próprios. Poderiam gastar duas vezes o mesmo recurso (gasto duplo), algo que o algoritmo do BTC, funcionando da forma como foi planejado, não permite. Apesar disso, os malfeitores não teriam poder suficiente para modificar as transações de outras pessoas, ou mesmo criar novas criptomoedas.

Portanto, embora exista essa possibilidade, a chance de isso ocorrer é mínima, segundo Ribeiro. “Esse tipo de ataque demandaria muito dinheiro para pessoa fazer, e não seria economicamente viável. É muito mais caro você tentar agir mal do que usar do mesmo recurso para o bem validando a rede e ganhando com isso uma recompensa, que é o Bitcoin”, falou.

O BTC, por causa de sua robustez, está mais protegido, mas a realidade pode ser diferente para outras criptomoedas. O Bitcoin SV (BSV), que é um fork do Bitcoin Cash (BCH), sofreu um ataque 51% em agosto deste ano. Na ocasião, outras versões da blockchain da moeda foram criadas. No final, a própria rede conseguiu se reorganizar, marcando as cadeias de blocos fraudulentas e reconhecendo apenas uma como verdadeira. O ataque, no entanto, mostrou que alguns sistemas não são infalíveis.

Diferenças entre blockchain, token e criptomoeda

A blockchain é o nome da tecnologia que registra as transações dos usuários. Os tokens, por sua vez, são representações de ativos “reais”, como dinheiro, contratos e propriedades, que rodam nessa rede. Já as criptomoedas são um tipo específico de token. Na prática, portanto, toda criptomoeda é um token, mas nem todo token é uma criptomoeda.

Conheça os tipos de tokens

  • Payment tokens (tokens de pagamento): são utilizados para transferência de capital, funcionando como dinheiro eletrônico. O Bitcoin, o Ethereum e boa parte das mais de 10 mil criptomoedas existentes no mercado se enquadram nessa categoria.
  • Security tokens (tokens mobiliários): representam algum ativo imobiliário, como uma ação negociada na Bolsa de Valores. Como estão “ligados” a algo regulamentado, eles precisam atender às regras de supervisores do mercado de capitais.
  • Utility tokens (tokens utilitários): oferecem alguma utilidade, como desconto em um produto específico ou acesso a um serviço exclusivo. Os fan tokens, ativos digitais de clubes de futebol, são exemplos. Alguns times dão aos detentores o direito de votar em enquetes, como a escolha da frase a ser escrita em alguma dependência do estádio, participar de promoções ou ter acessos exclusivos.
  • Non-fungible tokens (tokens não-fungíveis), ou NFTs: são tokens que representam algo único. Eles podem “espelhar” obras de arte, músicas, capas históricas de revistas e até tweets. Ao adquirir um NFT, a pessoa basicamente compra um código de computador que contém o registro do objeto.