PIB dos EUA mais forte que o esperado reforça tese de pouso suave da economia, dizem analistas

Mercado de trabalho continua aquecido, favorecendo o consumo, mas segmentos mais sensíveis aos juros estão desacelerando

Roberto de Lira

(Shutterstock)

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O crescimento de 2,9% do Produto Interno Bruto (PB) dos Estados Unidos no quarto trimestre do ano passado, abaixo da taxa observada no 3° trimestre, mas acima das projeções do mercado, reforça a tese de que a economia americana pode ter um pouso suave neste ano, com uma recessão menos intensa e mais rápida. Para os analistas, a desaceleração tende a se intensificar nos próximos trimestres, mas o mercado de trabalho ainda aquecido vai manter o Federal Reserve atento.

Fábio Fares, especialista em análise macro da Quantzed, destacou não só que o indicador veio mais forte que o esperado, mas que outros dados desta terça-feira reforçaram a percepção da economia aquecida. Entre eles estão os pedidos de bens duráveis, que subiram 5,6% ante uma projeção de 2,5%, e os pedidos de auxílio desemprego, menores que o estimado – o dado foi de 186 mil pedidos, ante os 205 mil previstos. “O pessoal está segurando os funcionários mesmo com a expectativa de uma recessão”, comentou.

Para Fares, a expectativa de que o Fed vai reduzir o ritmo de alta nos juros para 25 pontos-base na semana que vem só vai adiar o problema. Ele lembra que alguns indicadores macroeconômicos, como atividade e emprego, estão extremamente fortes. Mas que mercado imobiliário e outros fatores já estão fracos.

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O analista da Quantzed alertou para uma maior atenção à informações das empresas, que têm divulgado bons resultados referentes a 2022, mas com um guidance mais alarmista. “Quando olham para a frente, falam em lucrar menos, mais desafios, economia recessiva, juros altos e menor margem. E o mercado está ignorando”, afirmou. Ele lembrou que, toda vez que o mercado ignorou o macro, a conta chegou e foi devastadora.

Sobre a decisão do Fed, ele não acredita que o dado do PIB vá mudar a tendência, embora a autoridade monetária sempre comente que “data dependente”, ou seja , olha os dados e reage. “Hoje, ele tem ferramentas de dados suficientes para continuar sendo duro nos juros. Inclusive abrindo chance de dar 50 pontos na próxima, por mais que a gente saiba que ele não vai fazer isso”, comentou

Recessão menos severa

Para Carlos Vaz, CEO da Conti Capital, o PIB anunciado hoje condiz com a leitura de um cenário que considera o mercado de trabalho ainda forte e os gastos dos consumidores mantendo a economia dos EUA, apesar do aumento das taxas de juros. “Com isso, sigo acreditando que há uma possibilidade de que os EUA conquistem o famigerado pouso econômico suave.

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Para a frente, como “já é sabido” que o Fed ainda vai seguir com novos aumentos, ele enxerga uma recessão técnica nos EUA no segundo trimestre de 2023.

Marco Caruso, economista chefe do Banco Original, acredita que a abertura dos dados divulgados hoje permite observar o efeito das taxas de juros mais elevadas. Um exemplo é que, embora o consumo de serviços tenha se mantido ainda forte no quarto trimestre, o consumo de bens sofreu. Outro ponto destacado foi que os dados mais francos de investimentos se concentraram nos bens de maior valor agregado.

“Esse é um ponto interessante porque sugere que a renda de alguma forma ainda está forte, embora sofrendo com a inflação. Só que a parte que depende mais de juros e de crédito, já está sentindo o aumento maior dos juros”, afirmou. Um exemplo são os dados de construção civil e imobiliário, que estão sentindo esse aperto nas condições financeiras.

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Caruso também acredita  que, ao avaliar os dados de atividade com os do seguro-desemprego, é possível estimar que, se vier uma recessão nos EUA, ela está mais longe do que perto. “Se juntar isso com uma inflação mais baixa, entra um pouco naquela ideia de que um ‘soft landing’ poderia ser possível”, analisou.

Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, também acredita que, mesmo com os dados ainda forte de atividade, é pequena a chance de o Fed manter a alta de 50 pontos-base na reunião da próxima semana.

“Dados mais fortes da economia podem pesar para uma alta de 50 bps ao invés dos 25 bps esperado pelo mercado, mas acreditamos que a probabilidade é baixa. A inflação dá sinais de desaceleração como a queda nos preços no setor de moradia e aluguéis, além dos salários. E as expectativas de longo prazo estão ancoradas. Frente aos últimos dados, ainda acreditamos em uma redução no ritmo de alta no juro nas próximas reuniões”, afirmou.

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Ele também vê uma desaceleração não tão severa da economia dos EUA em 2023. “Os juros devem continuar influenciando negativamente a economia norte-americana. Mas, após os dados do quarto trimestre, o pessimismo quanto uma possível recessão mais severa diminuiu. E, vemos um segundo semestre mais animador frente a retomada da economia chinesa, melhora nas cadeias produtivas globais e controle dos preços no país”, disse.

Para o BTG Pactual, a prévia do PIB do 4° trimestre, apesar da surpresa altista do dado agregado, sinaliza um arrefecimento do grupo de consumo, na mesma direção dos dados de alta frequência setorial (varejo e indústria) de novembro e dezembro. “O setor de Serviços segue como destaque positivo para a leitura, mas já mostrando sinais de perda de ímpeto com a desaceleração da economia. O componente de Consumo pode sofrer revisões altistas nas próximas leituras, movimento já observado em outros trimestres”, estimou o banco.

Para os próximos trimestre, O BTG espera a continuidade da perda de ímpeto pelo lado da demanda, o que deve ficar cada vez mais evidente nas leituras do PIB de meados de 2023. “Para a política monetária, entendemos que o resultado de hoje traz poucas novidades para o comitê, contribuindo para a redução do ritmo de elevação da taxa de juros de 50 para 25 bps.”