País inclusivo? Dois a cada três brasileiros com deficiência sofrem preconceito no trabalho

Levantamento mostrou que um dos principais fatores é a falta de adequação, embora 23,9% da população brasileira tenha algum tipo de deficiência

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Entre brasileiros, é muito difundida informalmente a ideia de que vivemos em um país“cordial”, como escreveram Ribeiro Couto e Sérgio Buarque de Holanda – com definições diferentes entre si – e, indo além, “livre de preconceitos” justamente por isso.

Sem entrar no mérito da cordialidade, a parte da ausência de preconceito é desmentida pelos fatos, em diversos aspectos e ambientações. Um deles é o tratamento recebido pela população com deficiência que busca colocação profissional. Uma pesquisa realizada pela consultoria Santo Caos mostrou que a inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) no mercado de trabalho é muito pequena, embora elas correspondam a 23,9% de toda a população.

O levantamento, realizado com 461 pessoas em 23 estados brasileiros, constatou que 45,3% dos brasileiros sem deficiência estão trabalhando, número muito semelhante ao de pessoas com deficiência realizando atividades ocupacionais: 44,7%. A diferença, porém, está na formalização: apenas 1,8% das PcDs têm registro no Ministério do Trabalho.

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“Proporcionalmente, a PcD é tão ocupada quanto qualquer outra e cerca de três milhões delas têm ensino superior completo, mas nem todas estão em um emprego registrado. Nossa avaliação é que boa parte das empresas ainda enxerga a pessoa com deficiência como alguém que não agrega valor às suas equipes, e, por mais que tenham que cumprir a cota, recusam-se ou dizem não conseguir fazê-lo pela falta de profissionais capacitados, o que não é real”, explica Guilherme Françolin, sócio-diretor do Santo Caos.

Para Alexandre Costa, deficiente visual que trabalha em um grande banco há 8 anos, o preconceito muitas vezes é claro. “Já passei por situações em que com certeza deixaram de me contratar por preconceito”, relata o profissional, “inclusive casos em que tinha amigos trabalhando no local que confirmaram isso por mim”. E de acordo com ele esse nem é o maior dos problemas: como existe o sistema de cotas, existem empresas que contratam funcionários com deficiência só nos registros, mas sem dar de fato trabalho: “eles dizem: ‘nem apareça por aqui, só se for haver fiscalização’, é só fachada”, denuncia Alexandre. A lei estabelece que empresas com 100 ou mais funcionários são obrigadas a preencher de 1% a 5% dos seus postos de trabalho com colaboradores com deficiência.

Quando conseguem de fato assumir cargos, a situação não melhora tanto assim: para as PcDs que foram consultadas no levantamento, apenas 1 em cada 3 colegas de trabalho estão preparados para lidar com parceiros de trabalho com deficiência. “Hoje somente 8% das empresas cumprem as cotas e os funcionários com deficiência se sentem ‘encostados’ dentro das organizações, recebendo salários muito baixos, o que ocasiona um turn over médio de 88%”, afirma Guilherme.

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De acordo com Alexandre, não é raro que pessoas qualificadas com deficiência sejam contratadas para realizar funções inferiores à sua capacidade. “Um amigo meu, por exemplo, era contratado como analista de sistemas júnior, mas sua única função era trocar peças de impressoras”, comenta o entrevistado, que é pós-graduado em tecnologia de software.

Desafios

Quanto aos gestores, muitos deles foram contraditórios em suas respostas: 92% dos gestores se dizem prontos para gerenciar um funcionário com deficiência, mas apenas 32% afirmam não ter “problemas para lidar” com qualquer tipo de deficiência. De todos os entrevistados, 56% consideram a lei de cotas justa.

Questionados sobre os principais desafios de inclusão e engajamento das PcDs em empresas, os grupos de entrevistados tiveram reações diferentes entre si. Para os líderes de equipes a acessibilidade é a principal resposta; para os colaboradores com deficiência o relacionamento com gestores e companheiros é a maior dificuldade e, para a opinião pública, o grande desafio é entender as necessidades.

O consultor Guilherme, por sua vez, acredita que haja solução, e ela deve partir de dentro das empresas. “Para mudar o cenário de turn over alto e falta de integração das PcDs com os demais funcionários, as empresas devem primeiro trabalhar sua cultura e marca empregadora, adequando seus costumes internos e o comportamento das pessoas de suas equipes antes mesmo da acessibilidade de suas instalações”, orienta.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney