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Os verdadeiros “motores” da Lava-Jato

O uso de softwares para análise e processamento de dados em larga escala e os mecanismos de cooperação jurídica internacional e de negociação de pena são os verdadeiros "motores" da Operação Lava-Jato.
Por  Rodrigo Fragoso
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A Operação Lava Jato inspirou-se na Mãos Limpas, uma investigação judicial de grande envergadura realizada na Itália no início da década de 90. Talvez por isso haja tanta gente temendo que a operação brasileira tenha o mesmo fim da italiana, isto é, que perca força por conta de mudanças legislativas engendradas pelos próprios parlamentares investigados.

No entanto, passados três anos e meio do início da Lava Jato (hoje em sua 45ª fase), creio ser ínfimo o risco de “implodirem” a operação no Brasil. Por uma razão simples: os verdadeiros motores da Lava Jato não advêm de leis emanadas do Congresso Nacional, mas de mudanças tecnológicas e de cultura judiciária.

Os motores da Lava Jato são, principalmente:

1)  o uso de softwares para análise e processamento de dados em larga escala;

2)  mecanismos de cooperação jurídica internacional e de negociação de pena.

Esses são os fatores que, nos últimos anos, se alinharam em prol da expansão da capacidade investigatória criminal.

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É bem verdade que, nos últimos cinco anos, a legislação penal brasileira recrudesceu o combate contra práticas de corrupção. Em 2012, por exemplo, a lei de lavagem de dinheiro foi alterada de modo a ampliar as hipóteses de incidência, atingindo todo tipo de crime e não mais um rol restrito e taxativo (o que, convenhamos, conduz a muitos exageros, já que a pena da lavagem é bem maior do que a da maioria dos demais crimes – um contrassenso).

Em 2013, a lei anticorrupção passou a punir com rigor as empresas por atos lesivos à administração pública, mesmo se praticados por terceiros, impondo aos empresários novos deveres jurídicos que buscam a mitigação dos riscos de práticas criminosas no âmbito corporativo. No mesmo ano, a lei das organizações criminosas tipificou o crime de pertencimento a organização criminosa e regulou a colaboração premiada.

Nada obstante, olhemos mais de perto os verdadeiros motores da mudança.

Fator 1: o uso de softwares. O juiz criminal sempre teve poder para quebrar sigilos bancários, fiscal, telefônico, etc. O que faltava? Capacidade de processar as informações obtidas! Neste aspecto, o COAF também tem desempenhado papel importante ao trazer os relatórios de inteligência financeira.

Fator 2: a cooperação jurídica internacional. Ficou mais fácil robustecer as provas. Na Lava Jato, foram solicitados 303 pedidos de cooperação, sendo 176 ativos (quando o Brasil pede o auxílio ao país estrangeiro) para 39 países e 127 passivos para 30 países. Os instrumentos de cooperação também incrementaram a capacidade de recuperação de ativos no exterior.

Os números falam por si: entre 2004 e 2014, o Brasil recuperou R$ 14 milhões; apenas em 2015 a 2016, o montante saltou para 438 milhões; e se incluirmos 2017, o número quase dobra, chegando a R$ 756 milhões.  

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Fator 3: E, finalmente, a questão da negociação da pena. A Lava Jato produziu até agora 158 acordos de delação e dez de leniência. Aquilo que o software não processou, que o COAF não entendeu e a Suíça não ajudou, o delator explica…

É claro que o Brasil ainda está engatinhando em matéria de negociar pena, e a JBS é um exemplo disso. Neste aspecto, podemos dizer que, após vivermos a euforia pela descoberta das grandes trapaças e a espetacularização das operações televisionadas, sofremos agora com a “ressaca”, traduzida aqui nos indícios de corrupção de dois procuradores da República auxiliares da PGR. E o MPF se pergunta: como lidar com tanto poder? Como manter-se em equilíbrio?

No Brasil, as empresas e os indivíduos enfrentam um ambiente cada vez mais agressivo, no qual os promotores e as forças policiais estão empenhados em fazer cumprir a lei. Os desafios enfrentados pelas empresas são cada vez maiores, porque o Estado exige condutas mais proativas de combate à corrupção e lavagem, numa espécie de privatização das investigações criminais. Hoje o sucesso de uma empresa depende não apenas de sua perspicácia de negócios, mas também de sua capacidade de se adaptar às mudanças de tendências e incorporá-las a novos modelos de negócios e sucesso.

 

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