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Sorte e azar na política são maus sinais

Em artigo, Lucas M. Novaes, do Instituto de Estudos Avançados em Toulouse, na França, analisa como o momento econômico e os choques externos, como recessões globais ou mudanças na taxa de juros de outros países, têm influência na decisão dos eleitores.
Por  Um Brasil
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Por Lucas M. Novaes*

Uma das vítimas em Tubarão (1975) de Steven Spielberg não leva nenhuma mordida, mas mesmo assim tem a vida arruinada. O coitado do prefeito da cidade onde ocorrem os ataques é obrigado a fechar as praias para evitar mais vítimas, arruinando não só o turismo local, como também suas chances nas próximas eleições. Sua prematura morte política parece injusta, pois ele não controla tubarões brancos. Analogamente, prefeitos, governadores e presidentes não definem recessões globais, mudanças na taxa de juros de outros países, ou se a China cresce a 10% ao ano, mas parece que esses choques externos afetam eleições. Por que eleitores recompensam ou punem governantes por esses choques?

Um papel crucial das eleições é avaliar o mandato do político. Fez um bom trabalho? Fique mais quatro anos. Senão, fora. O problema, claro, é que não temos como saber automaticamente se um político fez um bom trabalho, e procurar saber pela mídia pode tomar um tempo que preferiríamos gastar em outras coisas. Entretanto, se queremos bons governantes, precisamos premiar os competentes e mandar corruptos e incapazes embora.

Em geral, eleitores tentam formar uma opinião sobre a qualidade do mandato político por meio de medidas que, direta ou indiretamente, são resultados da ação do político: a quantidade de impostos que pagamos e a qualidade dos serviços oferecidos pelo Poder Público. Desses sinais, nada é mais palpável do que a quantidade de dinheiro que temos. Assim, antes de votar, olhamos para o nosso saldo bancário e decidimos se está maior ou pior por causa da ação do político. Essa ação de olhar a carteira antes de votar é chamada de “voto econômico”, e diversas pesquisas mostram que ela é crucial para entender resultados eleitorais.

Entretanto, não é só o político que faz emprego e renda flutuarem, o que torna muito difícil distinguir o que é competência do político e o que é ruído. De maneira robusta, Daniela Campello e Cesar Zucco mostram que taxa de juros americanas e preço de commodities condicionaram vitórias e derrotas de presidentes na América Latina, embora as decisões do Fed ou as flutuações do preço do aço não sejam causadas pelos líderes da região. Ou seja, é muito provável que o apetite da China por produtos primários facilitou a vida dos presidentes latino-americanos na década de 2000, o que não deveria acontecer. A China cresceria quase da mesma maneira seja lá quem fosse presidente do Brasil.

Já o caso de Dilma Rousseff é mais difícil. Se, por um lado, ela enfrentou um momento desfavorável da economia internacional, por outro, face a essa maré que veio de fora, os governos petistas implementaram uma política fiscal agressiva, que pode ter facilitado a eleição do PT em 2010 e até mesmo em 2014, mas que atrasou a chegada e aprofundou uma recessão. Ou seja, o resultado final de um choque externo é predicado pelas ações subsequentes do governante, que por sua vez são frutos de suas características políticas. Voltando ao exemplo do filme, o prefeito só fechou a praia para banhistas depois que os ataques aumentaram. Fosse um político diferente, menos preocupado em agradar a indústria turística, teria interditado após o primeiro sinal de tubarão. Ou seja, talvez o coitado não seja tão coitado assim.

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Olhando o problema de maneira científica, os exemplos do filme, de Dilma e de tantos outros casos nos deixam sem saber exatamente se eleitores votam mal quando há um choque externo. Isso porque as características do governante afetam os efeitos do choque sobre a economia. Tendo isso em mente, um trabalho meu em conjunto com Luis Schiumerini tenta anular o tipo do governante da equação para calcular o efeito do choque externo sobre o futuro dos governantes de maneira precisa. Para isso, examinamos como aumentos ou quedas nos preços de commodities afetam a reeleição de prefeitos no Brasil. Em nosso trabalho, não importa se é um político do PC do B ou do DEM, competente ou incompetente, somente se o político tenta a reeleição durante um boom ou uma queda de preços.

Encontramos que choques positivos ajudam bastante, enquanto negativos reduzem a chance de reeleição. Ou seja, ou o eleitor não faz o dever de casa antes de votar, ou faz o dever malfeito, ou não tem como distinguir o bom do mau político. O destino dos políticos, e o rumo do País, estão muitas vezes à mercê da sorte.

*Lucas M. Novaes é doutor em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atualmente, é research fellow do Instituto de Estudos Avançados em Toulouse, na França.

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