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Dissimulação, Displicência e Corrupção: o ano a ano de Lula na presidência

A sociedade brasileira está dividida. Apesar de todos lamentarem o ocorrido, alguns acreditam que o ex-presidente é vítima de perseguição, outros enxergam a justiça sendo feita
Por  Terraço Econômico
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

*Por Talitha Speranza, colaboradora do Terraço Econômico

SÃO PAULO – No dia 24, o ex-presidente Lula foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pelo famigerado caso do triplex no Guarujá. No entendimento do Tribunal, Lula ocultou a propriedade do apartamento e o imóvel foi recebido como propina da empreiteira OAS em troca de favores na Petrobras. A sociedade brasileira está dividida. Apesar de todos lamentarem o ocorrido, alguns acreditam que o ex-presidente é vítima de perseguição, outros enxergam a justiça sendo feita.

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Independentemente do que se ache do caráter de Lula, é preciso reconhecer que sua gestão foi, no mínimo, omissa e ineficiente. Há, por parte de muitos, a crença de que o governo Lula foi apoteótico, uma mudança brusca em direção ao sucesso, e de que “nunca na história deste país” o país foi tão próspero. Nada disso é verdade. O ex-presidente foi hábil em construir esta narrativa, valendo-se de sua base de eleitores fiéis, que apostaram nele desde 1989.

Houve, sim, crescimento acelerado sob Lula, superior aos anos de FHC (4% contra 2.3%), mas como inúmeros economistas avisaram na época e como se pôde observar nos últimos anos, o crescimento inicial foi essencialmente involuntário e, depois, insustentável e absolutamente deficiente, além de não ter sido particularmente destacável entre as economias emergentes.

Lula dissimulou esta realidade, além de ter feito boa parte da população, incluindo sua base leal de eleitores, acreditar que seu primeiro governo representava rompimento com a política econômica de FHC. Como pretendemos mostrar, o êxito econômico do primeiro governo Lula deveu-se a três fatores: (i) estabilidade macroeconômica conquistada pelo governo anterior; (ii) ventos externos excepcionalmente favoráveis; e (iii) equipe econômica competente, alinhada ao que se taxa negativamente de neoliberalismo pelos próprios partidários de Lula.

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Aproveitando a sua sorte, expressa pelos dois primeiros fatores, o petista foi displicente. Não assentou quaisquer bases para o futuro e apenas fez o mínimo para garantir que o PT continuasse no poder. O mínimo, em seu primeiro governo, era moderar seu discurso radical e escalar uma equipe econômica independente, que assegurasse a manutenção dos avanços de FHC e evitasse que incertezas provocassem um terremoto nos mercados.

No segundo governo, com os efeitos desestabilizadores do Mensalão ainda se fazendo sentir e por ocasião da crise financeira internacional, Lula apelou ao populismo. Optou pelo caminho mais fácil, apenas para emplacar sua sucessora, Dilma Rousseff.

Nesta segunda fase de Lula, o crescimento de curto prazo, empurrado sob as diretrizes jurássicas do desenvolvimentismo e do dirigismo estatal, reforçou tremendamente a simbiose entre o governo e grandes empresários. O governo passou a dever mais favores e a intervir cada vez mais nos mercados. O resultado, é claro, foi a explosão de casos de corrupção, os quais só tomamos ciência depois, com a Lava-Jato.

Por que dizemos tudo isso? Primeiro, convém lembrar que nas eleições municipais de 2000 alguns setores do PT ainda defendiam que os juros da dívida interna e externa não fossem pagos. Os menos radicais propunham que isso fosse discutido e, no limite, o partido divulgou um documento oficial (Um outro Brasil é possível) em que propunha renegociar a dívida externa e limitar os recursos destinados aos juros da dívida pública interna.

Com razão, o mercado esperava a declaração de uma moratória se Lula chegasse ao poder. Porém, em agosto de 2002, veio a Carta ao Povo Brasileiro, convenientemente lançada para segurar os índices de confiança na economia brasileira, que despencavam. Nela, Lula se comprometeu com o esforço fiscal previsto no acordo com o FMI, instituição que até hoje é um dos grandes espantalhos da esquerda. Para confirmar suas intenções, publicou a Nota sobre o Acordo com o FMI. Tudo isso apesar de ter dito, em 02/05/2000:

“Precisamos, em primeiro lugar, readquirir controle sobre nossa política fiscal e monetária, hoje comandada pelo FMI, a serviço de geração de superávits primários para pagar os credores”

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Mas as resistências internas à drástica mudança na orientação da política econômica foram superadas com o sucesso de Lula na campanha eleitoral. E, por fim, ele venceu as eleições. Dali em diante, teria uma oportunidade de ouro, que certamente anteviu: apenas reafirmando o que já dissera, poderia reduzir o risco-Brasil e encontrar espaço para diminuir a taxa de juros, colhendo os aplausos de seu público.

Agora, vamos examinar brevemente o ano a ano de Lula na presidência, para fundamentar melhor o que dissemos até então. No final, vamos fazer uma avaliação dos resultados positivos e negativos do governo do petista.

2003: Manutenção da política econômica de FHC
Lula chama Antônio Palocci para ser seu Ministro da Fazenda, a mesma pessoa que, por defender um ajuste fiscal e medidas ditas conservadoras, entraria em um embate tácito com a ex-presidente Dilma Rousseff em 2005. Para presidir o Banco Central, o recém-empossado presidente da República convoca o atual Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, um golpista neoliberal para partidários da ex-presidente.

Outros nomes competentes e que levam atualmente esta mesma alcunha também foram escolhidos por Lula para compor sua equipe econômica. Dois deles estariam na liderança daquilo que lhe foi mais caro junto a seu eleitorado: o Bolsa-Família. Marcos Lisboa e Ricardo Paes de Barros capitanearam a unificação e ampliação dos programas sociais criados no governo FHC. O produto de seus esforços, o Bolsa-Família, foi um programa muito bem executado e o número de famílias beneficiadas saltou dos 3.6 milhões do governo FHC para 12.8 milhões sob Lula.

A meta do superávit primário foi elevada de 3.75% para 4.25%, mesmo que isso não tenha sido exigido pelo FMI, e cortes orçamentários acompanharam a decisão. Não era algo que se esperaria de uma gestão petista, absolutamente. No entanto, foi feito. Lula é esperto e sabia que não poderia desestabilizar o país, pois seu nome agora estava em jogo.

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Para completar, a grande anátema da esquerda, a taxa de juros, continuou subindo bastante até a metade do ano. Era preciso combater a inflação, que começou o ano em 13%, refletindo o efeito-Lula (as expectativas para 2003 subiram de 4.0% para 11% em 2002, e o câmbio se desvalorizou seguindo a escalada do risco-Brasil).

Nesse primeiro ano de governo, a sorte já começa a sorrir para Lula. A demanda por exportações brasileiras aumenta, impulsionada pelo câmbio desvalorizado e pelo boom dos preços das commodities, que pautam as vendas do país para o exterior. Este efeito seria essencial para o sucesso do petista nos anos seguintes.

Agora, com a confiança de que a economia cresceria, Lula poderia ser até mais ousado com questões espinhosas. Em mais um ato inesperado, o governo aprovou emendas constitucionais relacionadas a reformas tributária e previdenciária.

Diante de tudo isso, os mercados se acalmaram e o risco-Brasil caiu. Então, o câmbio acabou se apreciando e a inflação cedeu, possibilitando que a taxa de juros caísse um pouco. Ainda assim, contrariando a crença de que, por questões ideológicas, a taxa de juros sob um governo petista seria mais baixa do que com o PSDB na presidência, a taxa de juros real média foi de 12% em 2003-2006, tendo sido 1% mais baixa entre 1999-2002.

2004: Bonança fortuita
O aperto monetário se fez sentir e a inflação caiu de 9.3% para 7.6%. As taxas de juros começaram a cair mais rapidamente e abriu-se espaço para economia crescer com mais vigor. O crescimento do PIB, que havia sido de apenas 1.2% em 2003, foi de espantosos 5.7% em 2004. E qual foi o papel de Lula? Basicamente, não atrapalhar.

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O primeiro presente dos deuses para Lula foi os termos de troca, isto é, o preço relativo entre as nossas exportações e as nossas importações. O aumento da demanda internacional por commodities, puxado pelo China, fez com que os termos subissem mais de 28% entre 2003 e 2010, um movimento extraordinário. Se olharmos apenas para os preços das exportações, a dinâmica é ainda mais admirável: enquanto que entre 1975 e 2002 eles se mantiveram mais ou menos constantes, subiram cerca de 104% durante o governo Lula.

De fato, os consecutivos superávits comerciais que observamos nestes oito anos poderiam ter sido déficits ou superávits muito menos expressivos se os preços anteriores tivessem sido mantidos. Mas essa não foi a única fonte de melhoria involuntária nas contas externas. Pelo lado do investimento, as condições também eram deslumbrantes: a taxa de juros internacional, já em níveis reduzidos, permaneceu caindo.

Em conjunto, a alta no preço das commodities e os juros baixos alimentaram o apetite ao risco. Nossas altas taxas de juros representavam um retorno relativo elevado aos investidores estrangeiros e, ao mesmo tempo, emprestar dinheiro para economias dependentes de commodities tinha risco reduzido. Foi a época da abundância do crédito internacional. Com a injeção de dólares na economia, a taxa de câmbio se apreciou em mais de 43% entre 2003 e 2010, tornando o controle da inflação algo bem mais simples que em épocas anteriores.

Por último, é preciso lembrar que havia um exército de mão de obra para ocupar, pois Lula assumiu o país no início do ciclo econômico. O índice do número de trabalhadores desempregados caiu em cerca de 40% entre 2003 e 2010. Naturalmente, uma política preguiçosa que atuasse apenas pelo lado da demanda, como a de Lula, iria funcionar em um ambiente como esse.

A economia cresceu vibrante no período não porque a produção no país estava se tornando mais eficiente, moderna e resiliente, mas porque a capacidade ociosa foi sendo ocupada. Em outras palavras, trabalhadores desempregados preencheram vagas, mas em momento algum houve preocupação em criar mais vagas ou aumentar a produtividade destes trabalhadores.

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2005: Mensalão
Com a chegada de 2005, veio a crise política. O escândalo do Mensalão, esquema de compra de votos pelo PT no Congresso Nacional, estoura e expõe as distensões dentro do partido. Com a queda de sua cúpula dirigente, começou a ficar impossível administrar as diferenças em relação à condução da política econômica. Como conta Rogério Werneck em A Ordem do Progresso, uma onda de revisionismo acometeu o PT, e a percepção que se tinha era de que o partido deveria se purgar para restabelecer a ética, renegando também seu novo discurso econômico.

Dilma Rousseff, com sua sanha desenvolvimentista, entra na Casa Civil, substituindo José Dirceu. Ao mesmo tempo, havia pressão para tirar Palocci da Fazenda. Ele estava levando muitos créditos pelo sucesso da economia e, ainda por cima, nem ele, nem ninguém da equipe econômica, foi implicado no Mensalão como tantos outros membros importantes do PT.

A cereja no bolo foi sua proposta de contenção do gasto público no longo prazo, pois este já estava aumentando em uma taxa de duas vezes o crescimento do PIB. A ideia de Palocci era facilitar a queda dos juros (houve um novo ciclo de aperto monetário de setembro/2004 a outubro/2005), aumentar os investimentos e reduzir os impostos. Ninguém no governo o ouviu.

2006: Desenvolvimentismo chega à Fazenda
Em março de 2006, Palocci se demite e a ideia de ajuste fiscal é oficialmente abandonada, com a perspectiva de aumento da arrecadação. Entra mais um desenvolvimentista ferrenho no governo: Guido Mantega vira Ministro da Fazenda.

Naquele mesmo ano, Mantega dá uma entrevista ao Financial Times em que revela como seria sua descompensada gestão. Ele diz que, como o governo não contava com muitos recursos pra investir, então deveria financiar o investimento privado – com seus próprios recursos, claro! Também faz uma segunda afirmação contraditória, de que não havia necessidade de reforma fiscal. Portanto, muito antes de qualquer preocupação com a crise mundial, se delineava a distorciva política de campeões nacionais.

2007: Demagogia que custa caro
No início de 2007, veio o malfadado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apesar de o quadro fiscal não estar com folga suficiente para investimentos pesados em infra-estrutura, o governo mantém sua inação diante da necessidade de se desenhar um arcabouço regulatório para atrair capital privado e tirar o peso de cima do Estado. Lula começa apelar ao populismo dos gastos desmedidos para eleger sua sucessora, anunciada já neste primeiro ano do segundo mandato.

Não se chega sequer a discutir o benefício que agências reguladoras independentes trariam para o setor e para o país – sobrecarregar o Estado e agigantar estatais como a Petrobrás e a Eletrobrás era visto como um caminho mais conveniente. Obviamente, o governo necessitava de financiamento para isso. Luta, sem sucesso, para prolongar a CPMF, um imposto em cascata, o mesmo que Joaquim Levy tentou reviver em 2015, sob duras críticas.

Enquanto isso, o boom das commodities continuava, o câmbio se apreciava, a economia crescia por força dos mesmos fatores já citados, os juros apertavam por conta do risco de inflação, e se inicia a elevação acelerada do salário mínimo com uma nova regra de indexação. Como nada foi feito a respeito da baixa produtividade do trabalhador brasileiro, os salários passaram a subir acima do desejável, e o Brasil perdeu em competitividade externa. Mais uma vez, em nome do populismo, o governo fechou uma porta que conduz ao crescimento no longo prazo.

É preciso salientar que esta pressão adicional nos salários não tinha nenhuma justificativa racional: a migração dos trabalhadores do campo para a cidade havia se esgotado e o nível de escolaridade aumentava, de forma que a mão-de-obra menos qualificada ficou mais escassa. Isso já estava incrementando mais seu rendimento em relação ao do trabalhador de maior nível de instrução. A desigualdade cairia de qualquer maneira, ainda mais levando em conta os programas sociais que atuavam.

2008: Uma desculpa para continuar errando
Neste ano, o governo ainda gerava superávits primários e a inflação estava controlada. O tripé do governo FHC continuava a ser sustentado enquanto o cenário externo permanecia amplamente favorável e havia abundância de liquidez internacional.

A S&P, agência de rating, deu o título de grau de investimento ao Brasil – o país entrou no grupo de nações consideradas de pouca possibilidade de inadimplência. Dessa vez, Lula deu bastante importância à S&P, à revelia do que faria em 2015, quando o Brasil perdeu o grau de investimento. Nessa ocasião, Lula disse o seguinte sobre o rebaixamento:

“Não significa nada”.

Mas a crise financeira internacional abriu as portas do inferno fiscal. A deterioração das contas públicas nas economias de ponta fez o Brasil parecer relativamente muito bem. Agora, o governo estaria plenamente confortável para intensificar, e muito, o que já havia começado. O caminho estava aberto para o aprofundamento da problemática capitalização do BNDES.

2009/2010: Irresponsabilidade
Em 2009, a queda da economia foi bastante suave, de apenas 0.3%. Não era necessário manter o expansionismo fiscal nos níveis em que estavam, tanto que no ano seguinte cresceu-se a insustentáveis 7.5%. Mas Lula seguia chamando o descontrole de simples “política contracíclica” e mantendo a sangria fiscal. Por que? Porque ele não podia arriscar. Precisava assegurar a vitória de Dilma, já que no final de 2009 ainda não estava claro quem venceria. E despesas correntes ganham votos.

Grande parte da dívida emitida em 2009 e 2010 foi destinada a capitalizar o BNDES. Os recursos eram repassados ao banco de forma serem emprestados a poderosos grupos industriais a taxas de juros reduzidas. Era a política de campeões nacionais. Além de ter sido uma fábrica de corrupção, esta política provocou perdas irreparáveis aos cofres públicos, uma vez que a taxa cobrada dos empresários, a TJLP, era sensivelmente mais baixa que a taxa de captação do dinheiro, a SELIC.

Os problemas não param por aí. A vertiginosa expansão do crédito estatal, que chegou a injetar nada menos que 230 bilhões de reais no BNDES (quase o tamanho do ajuste fiscal que o governo tem que fazer atualmente), começou a solapar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta instituição, que havia consolidado a estabilização do país, estava se desmantelando sob a perigosa reaproximação entre bancos públicos e o setor público não financeiro. Para piorar, entra em cena a contabilidade criativa.

A gastança do final do segundo governo Lula foi muito bem disfarçada sob o questionável superávit primário de 1.9% do PIB em 2009. Os aportes ao BNDES naquele ano foram da ordem de 2.9% do PIB, mas não foram contabilizados na dívida líquida, com a justificativa de que seriam ativos do governo. Por outro lado, os dividendos devolvidos do BNDES ao Tesouro eram adicionados ao resultado primário. Esta assimetria não permite avaliar a solidez dos superávits dos últimos anos de Lula.. As contas públicas já haviam perdido a credibilidade antes mesmo das pedaladas de Dilma Rousseff.

Progressos
Houve redução da desigualdade de distribuição de renda? É claro que sim. Como dissemos, políticas de curto prazo orientadas ao consumo funcionam quando há um enorme contingente de desempregados, como havia no início do governo Lula. Assim, houve uma redução de 50.6% da pobreza extrema.

Mas redução da pobreza extrema não foi uma exclusividade da gestão petista, como Lula gosta de afirmar. 32% das pessoas nesta situação subiram de nível de renda durante o governo FHC. Nada mais natural que esse percentual tenha subido em anos de crescimento mais elevado e sob a condução eficaz de políticas redistributivas (que, como dissemos, estavam nas mãos de economistas afinados com o tal do neoliberalismo).

Ademais, o gasto social subiu 5.5% com FHC, o que enterra de vez o mito de que não houve preocupação social no governo do tucano. A bem da verdade, o gasto social cresceu em 8.2% a mais sob Lula, 2.7% acima da gestão anterior, mas isso era natural em um contexto de mais crescimento.

Por fim, sejamos justos: o índice Gini, que mede a desigualdade de renda, vem caindo continuamente desde 1993, quando era 0.6. Em 2002, já tinha passado para 0.56. Ao final do governo Lula, em 2010, estava em 0.53. A queda na desigualdade, portanto, foi até um pouco maior durante a gestão de FHC, certamente um efeito da estabilização monetária e da adoção do tripé macroeconômico.

Erros e Oportunidades Perdidas
Na contramão de suas frágeis conquistas, Lula concedia uma miríade de benesses e privilégios a produtores nacionais de bens de capital, criando exigências absurdas de conteúdo local. Essas decisões prejudicaram especialmente a Petrobrás, impactando em seus custos e criando um ambiente fértil para corrupção. Lula apenas aprofundou as consequências nefastas do nosso antigo sistema econômico, o capitalismo de compadrio. No Brasil, as empresas competem para conseguir proteção e incentivos governamentais, e não para inovarem e aumentarem sua produtividade.

A inflação legada por Lula foi alta, de 5.9% (já muito próxima do teto da meta de 6.5%), na esteira dos gastos descontrolados de seu segundo governo. A demanda foi excessivamente pressionada e isso aumentou o nível dos preços em uma economia com a capacidade já em vias de se esgotar (o desemprego foi de 6.7% em 2010). Foi o prenúncio do desmonte do regime de metas de inflação protagonizado pelo governo Dilma.

Praticamente nada foi feito para aumentar a capacidade produtiva do país e, assim, assegurar o progresso da economia brasileira no futuro: a agenda microeconômica foi abandonada, a produtividade decresceu, o nível de investimentos se manteve insuficiente, a competitividade em relação a empresas estrangeiras piorou, a carga tributária aumentou e a infra-estrutura continuou precária, principalmente porque muito pouca atenção foi dada a setores de base, como saneamento e transporte.

A poupança total, a contrapartida necessária para investimentos produtivos, aumentou em um percentual ínfimo (foi de 17.3% do PIB em 1995-2002 a 17.6% em 2003-2010), mesmo com a contribuição positiva da poupança externa. Pudera. A poupança interna, soma da poupança pública com a privada, foi pressionada para baixo pelo aumento do consumo do governo e das famílias. Por isso, o investimento ficou estagnado nos mesmos níveis obtidos por FHC (durante ambos os governos, a formação bruta de capital fixo foi, em média, de 17% do PIB).

O baixo nível de investimentos, somado à falta de atitude para fazer reformas necessárias e aos incentivos incorretos ao setor produtivo, refletiu negativamente na produtividade, como era de se esperar. O crescimento nos anos Lula, pautado no emprego e na utilização de capacidade produtiva ociosa, tinha um limite – não há como criar mais emprego quando já não existem desempregados em número suficiente, nem como sobreutilizar o capital quando este já está desgastado.

Há, no entanto, duas opções: ampliar a capacidade instalada via investimentos e/ou aumentar a produtividade do trabalhador, com uma agenda que passa necessariamente pela abertura comercial e melhoria do ambiente de negócios. Lula não tratou destes problemas de oferta, que ficam evidentes por qualquer ótica de medida da produtividade do brasileiro.

Um trabalho do pesquisador Renato Fonseca, por exemplo, avalia que enquanto a produtividade por homem ocupado na indústria de transformação na década de 1990 foi de 6.5%, na média, na década seguinte despencou para 0.3%. Já um estudo do Boston Consulting Group estima que a taxa de crescimento da produtividade (em todos os setores) entre 2001 e 2011 foi de apenas 1%, perdendo para Chile, México e Rússia.

Conclusão
Lula mudou de convicções conforme lhe convinha eleitoralmente. Suas ações frequentemente contraditórias colocam em dúvida se possuía qualquer projeto de país. Mas não teria o ex-presidente acertado ao se adaptar a diferentes situações, dando para elas respostas distintas e assegurando quase sempre um elevado crescimento?

Não. Um sonoro não. Como vimos, nenhum dos fundamentos para um crescimento duradouro foi prioridade em seu governo. Muitos erros estratégicos foram cometidos, erros que só seriam sentidos no médio prazo, durante a atrapalhada (para dizer o mínimo) gestão de Dilma.

Quando Lula assumiu, o Brasil estava em plena condição de expandir seu potencial. O presidente nada fez, mas vendeu como se tivesse feito. Foi dissimulado. Entregou o país essencialmente como o encontrou, senão pior. Foi displicente. Entrou no governo como paladino da honestidade. Mas, segundo o entendimento da justiça, na realidade foi corrupto.

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