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Como seria a economia de uma Catalunha independente?

Se considerarmos um ranking hipotético do PIB per capita dos 28 países da União Europeia, a Catalunha ficaria 11º lugar, entre o Reino Unido e a França
Por  Terraço Econômico
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Por Talitha Speranza, editora do Terraço Econômico

Vamos dar continuidade à nossa análise sobre a economia de uma Catalunha independente.

Se considerarmos um ranking hipotético do PIB per capita dos 28 países da União Europeia (UE) mais o novo Estado soberano, a Catalunha ficaria 11º lugar no dias de hoje, entre o Reino Unido e a França. Mas será que a região conseguiria manter tais níveis de riqueza após a separação? Em quanto ficaria o crescimento do novo país? A resposta, como quase sempre em Economia, é: depende.

Primeiro, precisamos situar o horizonte da análise. No curto prazo, é ponto pacífico entre os economistas (pró-independência ou não) que o PIB sofrerá queda, mas a intensidade estimada varia bastante de estudo para estudo. Já no longo prazo, não há projeções confiáveis, apenas especulação. Além disso, é necessário estabelecer quais hipóteses serão usadas. Os economistas têm divergido em, principalmente, cinco pontos:

O tamanho do déficit fiscal
– As consequências de um possível boicote comercial da Espanha
– Efeito-fronteira
– Permanência dentro da UE
– Continuação do uso do euro

Veremos como suposições ligadas a estas questões definem cenários econômicos muito distintos, variando de estagnação temporária a depressão profunda. Mas antes, precisamos entender o porquê de estas suposições serem tão discrepantes entre si.

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O debate sobre o déficit fiscal

Não há consenso sobre como calcular a diferença entre os impostos recolhidos na Catalunha e os gastos públicos que beneficiam os cidadãos da região, isto é, como determinar o famoso déficit fiscal. Você não leu errado – há uma definição clara para o déficit, mas não se sabe exatamente como mensurá-lo. O problema está no critério de imputação: onde os gastos do governo central devem ser contabilizados?

Há duas metodologias possíveis e dentro delas existem variações, o que levou o Instituto de Estudos Fiscais da Espanha (IEF) a divulgar seis diferentes valores para as balanças fiscais das regiões espanholas em 2005. Passados doze anos, ainda não se chegou a uma conclusão sobre qual metodologia utilizar.

De acordo com o método do fluxo monetário, preferido por economistas independentistas, os gastos devem ser contabilizados somente nas regiões onde se realizaram. Já pelo método do fluxo de benefícios, os gastos devem ser imputados por todas as regiões e distribuídos conforme o impacto estimado no bem-estar dos cidadãos residentes em cada território.

Por exemplo, pela primeira metodologia, os custos de uma estação de trem ou de um aeroporto construído em Madrid devem ser contabilizados como um gasto realizado em Madrid, somente. Pelo segundo método, como aeroportos e terminais ferroviários beneficiam praticamente todos os cidadãos da Espanha, os custos devem ser repartidos entre todas as regiões, ou seja, os gastos devem ser contabilizados como realizados por cada território segundo alguma medida de benefício à sua população.

O método de fluxo de benefícios parece mais razoável, mas há muitas dificuldades em estabelecer um critério para a distribuição interregional dos impactos no bem-estar. Por isso, as estimativas do déficit fiscal segundo esta metodologia variam de 3% a 5% do PIB catalão.

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O método do fluxo monetário, no entanto, é mais simples e todas as publicações que o utilizam indicam que o déficit está por volta dos 8% do PIB regional. É essa cifra elevada que membros do movimento separatista evocam quando dizem “España nos roba”.

Efeito-fronteira e boicote da Espanha

Um segundo ponto de discordância entre os economistas que tentam avaliar os impactos da possível emergência de uma Catalunha soberana é a reação dos consumidores espanhóis. Há um fenômeno conhecido como “efeito-fronteira” que poderia limitar a capacidade da Catalunha de exportar para a Espanha. Um provável boicote por parte dos espanhóis também agiria nesse sentido.

O efeito-fronteira é a influência da existência de fronteiras políticas no volume de comércio internacional em oposição ao volume de comércio doméstico. O fenômeno não é o resultado da imposição de barreiras físicas ou alfandegárias, mas simplesmente das demarcações de território: mesmo dentro de uma zona de livre circulação de bens e pessoas, o comércio entre países normalmente é muito inferior ao comércio entre regiões de um mesmo país. Por exemplo, dentro do mercado único europeu, as regiões francesas comercializam 8 vezes mais entre si do que com o resto da UE. As regiões alemãs, 3 vezes mais. Esse padrão se repete mundo a fora.

Isso ocorre por questões culturais e escolhas políticas que afetam a preferência dos consumidores, como o idioma, a rede de contatos dos cidadãos, a regulação econômica e a qualidade da educação, por exemplo. A Catalunha, no curto prazo, não se distanciaria muito da Espanha em alguns destes quesitos, como os contatos e a educação, mas certamente seria afetada por outros, como a língua e a regulação. Esta última, aliás, provavelmente seria a maior fonte de problemas – podemos imaginar o que aconteceria olhando para a agenda intervencionista do partido que governa a região, o Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).

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Um boicote dos cidadãos espanhóis de fora da Catalunha, que se diferencia do efeito-fronteira por ser uma retaliação, e não uma questão de preferências, é uma possibilidade controversa. Os independentistas acham que os interesses econômicos irão prevalecer sobre as reações emocionais e, portanto, um boicote não ocorreria, pois prejudicaria os espanhóis. Ainda que ocorresse, seu impacto seria reduzido, uma vez que dois terços das “exportações” da Catalunha para a Espanha são de bens intermediários e as empresas espanholas não incorreriam nos custos de trocas de fornecedor.

De fato, nenhuma empresa anunciou que participaria de um eventual boicote até agora, mas uma pesquisa recente mostrou que 23% dos cidadãos espanhóis de fora da Catalunha já deixaram de comprar de empresas catalãs, e 49% dizem que o fariam caso a comunidade autônoma se separe.

O destino da Catalunha na UE

Caso alcance a independência, a Catalunha deverá pedir seu ingresso na UE da mesma forma que qualquer outro país, e não será automaticamente inserida no bloco, como até pouco tempo afirmaram as lideranças secessionistas.

Não há, além disso, nenhuma garantia de que as negociações com a UE teriam sucesso, ao menos não no curto prazo. Um dos membros da Comissão Europeia, o diplomata britânico Graham Avery, simpático à causa separatista da Escócia e por isso admirado pelos independentistas catalães, afirmou em setembro que “nenhum membro da UE vai reconhecer a independência da Catalunha”, jogando um balde de água fria nas esperanças dos separatistas.

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As complicações poderiam ser diversas. Em primeiro lugar, para entrar no bloco europeu, o novo país precisaria ser reconhecido internacionalmente, em especial como membro das Nações Unidas. O processo não seria imediato e passaria pelo questionamento da legitimidade da recém-criada república, cuja declaração unilateral vai de encontro à Constituição espanhola e colocaria em cheque a validade jurídica das novas instituições.

Também é preciso lembrar que vários países europeus lidam com movimentos separatistas e não têm nenhum interesse em passar a mensagem de que não haveria sanções caso seus territórios fossem desmembrados. Como basta que um único membro seja contra a entrada de um novo país na UE, a probabilidade de veto é alta: há a Itália, assombrada pela Lombardia, a Alemanha, pela Baviera, a Bélgica e a França, por diferentes pequenas regiões, e, é claro, a própria Espanha.

Mesmo que nenhum destes países vete a Catalunha e haja reconhecimento pela ONU do novo Estado soberano, as conversas com Bruxelas seriam longas, já que vários tratados comerciais precisariam ser cuidadosamente reavaliados. Essa demora bastaria para derrubar a economia da região, pois sem o euro não haveria chance de sustentação.

Manter o euro é necessário. Mas é possível?

A totalidade dos ativos e passivos da Catalunha é denominada em euros, ou seja, os vencimentos de sua dívida, assim como novas emissões para financiar o déficit fiscal, devem ser pagos na moeda comum europeia.

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Em um cenário de independência com permanência na UE, os empréstimos necessários para rolar a dívida e custear o déficit poderiam ser concedidos da mesma maneira que são hoje, através de bancos garantidos pelo Banco Central Europeu (BCE). Mas isso apenas se a Catalunha conseguir cumprir os requisitos mínimos para aderir ao euro: um déficit máximo de 3% do PIB (já vimos que atualmente não cumpre) e uma dívida externa no limite de 60% do PIB (veremos a seguir que também não é o caso).

Entretanto, explicamos que permanecer na UE após a independência é uma possibilidade muito distante. No mínimo, as negociações levarão tempo e a Catalunha terá que encontrar outros meios de se financiar enquanto elas durarem. Uma das possibilidades apontadas pelos secessionistas é a de utilizar o euro sem pertencer a UE, como Mônaco e o Vaticano, por exemplo. Mas estes territórios não têm acesso aos órgãos da união, ou seja, seus sistemas monetários e financeiros dependem dos países que os tutelam (França, no caso de Mônaco; Itália no caso do Vaticano). Não é difícil imaginar que a Catalunha acabe precisando da Espanha para fazer acordo semelhante com Bruxelas – colaboração de que a região não pode depender.

Uma outra solução muito popular entre os separatistas não está mais disponível. Bancos catalães poderiam estabelecer sucursais na Espanha e, assim, contar com as facilidades do ecossistema bancário europeu para dar cobertura a empréstimos em euro ao governo catalão. Mas já não existem grandes bancos catalães.

Os últimos dois gigantes financeiros da região, CaixaBank e o Sabadell, mudaram suas sedes sociais para a outras comunidades espanholas este ano, isto é, deixaram de pertencer formalmente à Catalunha. Assim o fizeram para evitar uma corrida aos bancos: se muitos correntistas passarem a acreditar na independência, os depósitos começarão a ser retirados em massa, por receios de que a liquidez garantida pelo BCE se perca. Se a sede formal da instituição passa a ser em uma região que não sairá da UE, esse risco desaparece.

Além dos riscos financeiros incorridos pela saída da UE, há também problemas com as contas públicas da Catalunha. A dívida interna já alcança 35.4% do seu PIB e não se sabe como a dívida externa, assumida pelo governo espanhol para gastar e investir em todas as comunidades, seria repartida. Alguns economistas estimam que a parte que cabe à Catalunha ficaria acima de 100% do PIB regional, um valor muito elevado.

Ainda que, apesar de todos estes riscos, os bancos espanhóis (incluindo ex-catalães) que hoje financiam a Catalunha concordassem em manter seu apoio, captar junto ao BCE não seria tarefa trivial. Teriam que apresentar como colateral ativos que sejam emitidos por países da UE, e dificilmente estes estariam dispostos a apostar no novo país diante de um horizonte fiscal tão frágil.

A conclusão é que a Catalunha não teria saída senão criar sua própria moeda. Obviamente, isso geraria transtornos, começando pela fuga de capitais diante das incertezas que rodeiam uma nova moeda em um país politicamente tumultuado. O governo com toda a probabilidade seria obrigado a desvalorizar sua moeda, o que se refletiria em inflação, retroalimentando ondas sucessivas de fuga de capitais, desvalorização e inflação.

Estimativas dos impactos econômicos da independência

No artigo anterior, mostramos que a Catalunha é uma economia notavelmente aberta. Logo, para estimar o efeito econômico de um processo bem sucedido de independência, temos que examinar o fluxo de vendas para fora da região (que chamaremos de “exportações”), calcular o quanto seria perdido e qual seria o impacto no PIB. Faremos este cálculo para o curto-prazo e a partir de suposições bastante simples. Não vamos incluir a hipótese do provável desligamento da Catalunha da UE e das consequentes troca de moeda e diminuição do comércio com a Europa.

Se os valores atuais se mantivessem após a separação, cerca de 65% do PIB total da Catalunha seria composto por exportações. Desse percentual, um pouco menos da metade (30%) seria de exportações para a Espanha e sua balança com o país que hoje integra seria superavitária, de 6% do PIB regional.

No cenário mais otimista, em que os boicotes e o efeito-fronteira atuam com menor vigor relativo, haveria 26% de queda nas vendas para fora da região (Espanha e resto do mundo), que seria totalmente relativa ao arrefecimento das exportações para Espanha. Este cálculo leva em conta que a maior parte (por volta de dois terços) dos produtos exportados para a Espanha são bens intermediários, cuja comercialização cairia em torno 20%, enquanto que para bens finais, mais suscetíveis a boicotes, a diminuição seria de 40%.

Alterando-se o peso das quedas nas exportações de cada tipo de bem, chegamos a estimativas bastante diferentes. Em um cenário intermediário, considerando perturbações em níveis mais realistas, o impactos nas exportações para a Espanha seriam da ordem de 50%. No pior caso, de 80%.

Para finalmente calcular o quanto sofreria a economia catalã apenas com a queda das exportações para a Espanha, verificamos qual o peso das vendas para o país no PIB da região. Esse peso não de 65%, como alguns poderiam imaginar. Muitos dos produtos que vão para a Espanha e para o resto do mundo são na realidade importados, de modo que sobram 20% do PIB em produtos catalães.

Portanto, no melhor cenário, a queda do PIB regional seria de aproximadamente 5.2% (26% x 20%) menos o déficit fiscal. Como dissemos, não há consenso em relação à estimativa do déficit. Então, neste quadro, os efeitos variam entre queda de 2.2% (3% de déficit fiscal menos 7%) e crescimento de 2.8% (8% de déficit fiscal menos 7%). No caso intermediário, de diminuição no produto exportado de 12.5% (50% x 20%) do PIB regional, as quedas do PIB poderiam ser de 7% a 2%. No cenário mais pessimista, em que as vendas para a Espanha cairiam em 16% (80% x 20%), o PIB desmoronaria em 13%, no máximo, e 8%, no mínimo.

Como se nota, a variação entre as estimativas é bastante alta, mas a grande maioria delas indica um mesmo desfecho: a economia da Catalunha encolheria drasticamente após a independência. Para aprimorar nossas contas, deveríamos incluir a perda de exportações ao resto do mundo devido à saída da UE, além do desastre financeiro que implicaria a troca de moeda. Conclusão: mesmo no melhor cenário, provavelmente não haveria crescimento algum, pelo contrário.

Com relação à performance da economia de uma Catalunha independente no longo prazo, não podemos dizer muito. Mas é claro que quedas tão expressivas no PIB podem deixar traumas difíceis de superar. Um encolhimento acumulado de 7% do PIB espanhol após a crise de 2007, por exemplo, custou 20% a mais de desemprego e três vezes mais dívidas. Só podemos imaginar o que aconteceria com a Catalunha.

Terraço Econômico O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.

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