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Tributação e a Cultura dos “Puxadinhos”

Ninguém nega que o nosso sistema tributário se esgotou e que deve ser reformado. Será que a reforma virá? Ou faremos mais vários "puxadinhos"?
Por  Ana Carolina Monguilod
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Após longos meses sem escrever, reinauguro o blog “O Tributo Nosso de Cada Dia” com algumas provocações:

 

(i) Precisamos de uma reforma tributária?

(ii) Qual a reforma tributária ideal?

(iii) Essa reforma tributária ideal é possível?

(iv) O que está sendo feito e o que esperar?

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Precisamos de uma reforma tributária?

É óbvio que sim. O nosso sistema tributário esgotou-se. E está acabando com o País.

É irracional. A carga tributária é insuportável. Tributa-se pesadamente todos, inclusive empresas deficitárias. Massacra-se quem está começando um negócio ou passando por um momento difícil.

A burocracia e os custos de conformidade (compliance) consomem recursos preciosos com atividades não produtivas (e.g., contadores, auditores, advogados etc.).

A insegurança jurídica é total e leva os contribuintes mais cuidadosos e corretos a enfrentar infindáveis contenciosos administrativos e judiciais.

Resultado: investidores não investem por conta dessas incertezas. O Brasil não cresce.

Detalharemos as irracionalidades do nosso sistema em outros posts.

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Qual a reforma tributária ideal?

Conforme frase atribuída ao jornalista americano Henry Louis Mencken, “para todo problema complexo, há sempre uma solução elegante, simples e completamente errada”[1].

Assim, não há resposta correta e simples para nossa pergunta.

O que não deixa dúvida é a necessidade de uma reforma profunda, inclusive envolvendo uma completa revisão constitucional.

Desafios: fazer revisão que simplifique e desburocratize o sistema, fazendo com que a inevitável, mas dolorida tarefa de pagar tributos se dê da maneira mais justa e, se possível, neutra de um ponto de vista negocial (isto é, sem afetar como os contribuintes estruturam seus negócios).

Posteriormente, detalharemos alguns projetos.

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Essa reforma tributária ideal é possível?

Hoje, de jeito nenhum. Temos debatido projetos diversos há décadas. Aparentemente, teremos mais alguns anos de debates.

Uma reforma eficiente demandaria que, primeiramente, discutamos o tamanho do Estado que queremos e quanto estamos dispostos a gastar para sustentá-lo. O nosso País, muitos de nossos Estados e Municípios estão quebrados, afundados em dívidas, mas ninguém aceita falar em cortes de custos e privilégios. Estado grande demanda alta arrecadação. Segundo economistas, atualmente temos muito pouco espaço para reduzi-la. Já será, em verdade, um grande desafio repensar o Estado de modo a evitar que tenha que ser aumentada.

Teríamos que também revisitar a repartição de receitas entre os entes da Federação. Novamente, o País, os Estados e os Municípios estão quebrados. Quem serão os ganhadores e os perdedores nesta revisão da repartição das receitas? Quem aceitará ceder? Quem irá compensar quem aceitar ceder?

A situação é crítica e a necessidade de uma reforma é urgente, mas provavelmente o ambiente político e econômico não é propício.

O que está sendo feito e o que esperar?

“Puxadinhos”.

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Sim, verdadeiros “puxadinhos”.

Isto parece fazer parte da nossa cultura.

Vamos enfrentar o problema de frente e resolvê-lo definitivamente, inclusive para o nosso bem e de nossos filhos? Lógico que não! Façamos “puxadinhos”. Adotemos soluções provisórias, tampemos o Sol com a peneira, esperançosos de que o problema irá embora sozinho ou explodirá nas mãos do próximo responsável de plantão.

Nosso aeroporto ficou pequeno? Façamos um “puxadinho”.

Vamos resolver a guerra fiscal dos Estados pelo ICMS, que tanto distorce as operações? Não! Melhor editar uma norma que postergará o problema por 15 anos. (vejam o Projeto de Lei Complementar (PLP) 54/15)

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Problemas políticos e de popularidade? Embora estejamos acumulando um imenso déficit público, vamos alterar as alíquotas da tabela de Imposto de Renda da Pessoa Física para beneficiar pequena parcela da população (menos de 14% da população apresentou Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física em 2015[2] – volume muito menor efetivamente paga Imposto de Renda). E o melhor! Vamos usar isto como desculpa para tributar os dividendos distribuídos pelas empresas. Plano perfeito! Só que não…

Analisaremos tudo isto em maior profundida em textos futuros.

[1] Há quem questione esta versão da frase, dizendo que o correto seria “sempre há uma solução conhecida para qualquer problema da humanidade – elegante, razoável e errada.”.
[2] http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/relatorio-gn-irpf-2015.pdf

Ana Carolina Monguilod Ana Carolina Monguilod, sócia do i2a Advogados, Mestre em Direito Tributário Internacional (LL.M) pela Universidade de Leiden, na Holanda, coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), co-Chair do WIN (Women of IFA Network) Brasil e professora de direito tributário do Insper.

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