Brasil, o país da piada pronta
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Pouco acostumada com prazos judiciais por fazer consultoria, perguntei a colegas do contencioso quanto tempo uma rara petição que elaborei demoraria para chegar às mão do juiz. Recebi a surpreendente notícia de que o processo agora era todo digital. Fantástico! Que evolução! Pois bem, quanto tempo então? Resposta: apenas um mês…
Não é piada. É verdade. Foi a resposta que ouvi. Uma petição digitalizada e protocolada eletronicamente leva apenas um mês para ser “juntada” (anexada) ao processo…
Lembrei-me então dos saudosos tempos em que os autos eram literalmente costurados (com agulha e linha), e de uma expressão idiomática muito utilizada em inglês: “red tape”.
Fonte: Eu4real
Sinônimo de exagerada burocracia, nasceu há diversos séculos, quando governos utilizavam uma fita vermelha para amarrar processos e documentos.
Fonte: Wikipedia
Sabemos que o Brasil é campeão em burocracia. Não falta “red tape”. E por mais que o governo diga preocuper-se em simplificar, parece que tudo sempre fica pior.
Atendendo a pedidos (ou melhor, a súplicas), foi adiada para provavelmente o próximo ano a entrada em vigor do E-social, projeto do governo federal que promete unificar o envio de informações pelo empregador em relação aos seus empregados. As diversas obrigações existentes (GFIP, CAGED, RAIS, DIRF, CAT e outras “sopas de letrinhas”) deverão ser substituídas pelo E-social para simplificar a vida do empregador.
Mas já ouvimos esta promessa antes…
Instituído em 2007, o SPED (Sistema Público de Escrituração Digital) tinha a pretensão de promover a integração dos fiscos municipais, estaduais e federal mediante a padronização e compartilhamento das informações contábeis e fiscais.
O site oficial do SPED (http://www1.receita.fazenda.gov.br) coloca como um dos seus objetivos “racionalizar e uniformizar as obrigações acessórias para os contribuintes, com o estabelecimento de transmissão única de distintas obrigações acessórias de diferentes órgãos fiscalizadores”. Novamente, a ideia era simplificar a vida dos contribuintes mediante a substituição de obrigações já existentes por um único sistema/canal de entrega de informações. Muito pouco foi substituído. Quase nada. A grande verdade é que as novas obrigações se somaram às antigas. Mais burocracia…
Agora, com o término do RTT (Regime Tributário de Transição) mediante a conversão da MP nº 627/13 na Lei nº 12.973/14, vê-se que a transição da utilização, para fins fiscais, do antigo padrão contábil (revogado ao final de dezembro de 2007) para o padrão internacional IFRS (adotado desde 2008) deverá gerar mais um absurdo volume de obrigações.
A garantia da não tributação de diferenças que poderão nascer com a adoção do novo padrão contábil para fins fiscais depende de seu controle em “subcontas”.
A Lei nº 12.973/14 – nesta parte inconstitucional e ilegal por pretender tributar rendas inexistentes se não for feito o controle – não esclarece onde e como tais subcontas serão registradas.
Quando a Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76) foi alterada no processo de adoção do novo padrão contábil internacional (IFRS), um dos seus mais importantes propósitos (além de outros mais óbvios[1]) era “descontaminar” nossa contabilidade das indevidas interferências tributárias.
Historicamente, normas tributárias afetaram os registros contábeis das empresas brasileiras, fazendo com que a contabilidade servisse mais ao fisco do que aos seus acionistas, investidores e credores. Por este motivo, foi inserido dispositivo na Lei das S.A. dizendo que registros, lançamentos ou ajustes determinados pela lei tributária deveriam ser observados exclusivamente em livros ou registros auxiliares[2].
A despeito disto, há o risco de que a lei tributária (Lei nº 12.973/14) volte a contaminar a contabilidade, obrigando empresas a controlar as subcontas, para fins fiscais, na escrituração comercial. Que retrocesso… parece até piada.
[1] Como estimular nosso mercado de capitais por permitir a leitura dos registros contábeis elaborados com base em padrões internacionais.
[2] “Art. 177 (…) § 2o A companhia observará exclusivamente em livros ou registros auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração mercantil e das demonstrações reguladas nesta Lei, as disposições da lei tributária, ou de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto, que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.”