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Reforma trabalhista: ou você está dentro ou está fora da festa

Os direitos trabalhistas são bons para os 33,3 milhões de trabalhadores que estão na festa – ao menos pelo tempo em que a festa durar, porque, no caso de demissão, servirão como barreiras para o trabalhador voltar para a festa. Por essa razão, são bons "relativamente" até mesmo para quem defende a sua existência.
Por  Alexandre Pacheco
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

A discussão sobre direitos sociais é sempre contaminada por emoções orientadas por ideologias. E não foge dessa regra a Reforma Trabalhista, que entrará em vigor amanhã, 11/11/2017 – veja aqui.

Vamos tentar extrair as emoções desse tema, para evidenciarmos os efeitos reais dos direitos trabalhistas sobre as vidas dos trabalhadores, usando uma imagem sempre adotada pelos economistas em discussões similares.

Imaginemos que o mercado do trabalho seja uma “festa” paga, realizada em um espaço fechado. O dono do prédio e organizador da festa seria o “empregador”, sendo que os convidados seriam os “empregados” da iniciativa privada com carteira de trabalho assinada (CLT).

A festa funciona do seguinte modo: o dono da festa oferece utilidades aos convidados (comidas e bebidas, por exemplo); mas ao invés dos convidados pagarem em dinheiro para entrar na festa, oferecem sua força de trabalho, que será trocada pelas utilidades prometidas pelo dono da festa – eles irão preparar a comida e servir as bebidas, por exemplo.

Importante: entra e sai da festa quem quer. E não menos importante: somente podem participar da festa os convidados com carteira assinada que foram convidados pelo dono da festa.

Do lado de fora, há uma multidão muito maior de pessoas, que não consegue entrar na festa por uma simples razão: os estoques de bebidas e comidas são limitados. E, para piorar, alguns trabalhadores, depois que entraram na festa, organizaram-se em grupos, afirmando para o dono da festa que o cardápio combinado, e que até mesmo constou no convite por escrito, é insuficiente – e exigem, assim, que seja servido whisky 12 anos ao invés de 8 anos, e caviar, ao invés de patê de sardinha.

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Traduzindo essa festa em números, temos, no Brasil, 4,2 milhões de empregadores e 33,3 milhões de empregados na iniciativa privada com carteira assinada, que estão na festa. Fora da festa, há 13 milhões de desempregados procurando emprego desesperadamente, mais 64,5 milhões de pessoas em idade para trabalhar que não estão procurando emprego – veja aqui. Ou seja, assombrosos 77,5 milhões de pessoas (mais do que o dobro, portanto) estão fora da festa, em um país de 207,7 milhões de pessoas – veja aqui.

Somando-se 13 milhões de desempregados, com 91,3 de pessoas ocupadas, mais os 64,5 milhões que estão fora da força de trabalho, temos 168,8 milhões de pessoas em condições de trabalhar no Brasil, que representam o total da nossa força de trabalho em potencial. Os 33,3 milhões de empregados com carteira de trabalho assinada representam 19,7% – e é esse o contingente de pessoas que, em princípio, será afetado pela Reforma Trabalhista.

Comentário à parte merecem os 11,5 milhões de funcionários públicos, que representam 6,8% dos trabalhadores do Brasil, para os quais não existe crise, risco de demissão e até mesmo Reforma Trabalhista. Trocamos uma diminuta nobreza hereditária que existia na Monarquia por uma imensa nobreza concursada e comissionada da República – o que evidentemente foi um mal negócio, em termos financeiros. Mas isso merece outro texto.

Os direitos trabalhistas são bons para os 33,3 milhões de trabalhadores que estão na festa – ao menos pelo tempo em que a festa durar, porque, no caso de demissão, servirão como barreiras para o trabalhador voltar para a festa. Por essa razão, são bons “relativamente” até mesmo para quem defende a sua existência.

É disso que se trata quando se é contra a Reforma Trabalhista – acreditar inocentemente que se está defendendo 33,3 milhões, ignorar os privilégios de 11,5 milhões e fingir que 77,5 milhões de pessoas não existem.

E você, está defendendo quem? Deixe o seu comentário e vamos ver se o que você acredita faz sentido.

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Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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