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Lei Rouanet e Lei de Incentivo Audiovisual: trata-se de dinheiro público?

O R$ 1,6 bilhão arrecadados por produtores culturais com esses incentivos fiscais trata-se, sim, de dinheiro público. Tanto é que o seu mau uso pode importar na devolução do imposto abatido, acrescido de multas e juros - além de condenações criminais. O direcionamento da produção cultural para projetos com inclinações ideológicas, ademais, deixa mais claro ainda que o Governo não nos permite esquecer que se trata de dinheiro controlado pelo Estado - sem beijar a mão do burocrata da vez, não tem jogo.
Por  Alexandre Pacheco
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São frequentes as polêmicas nas redes sociais sobre se os recursos captados pela Lei Rouanet e pela Lei de Incentivo à Atividade Audiovisual seriam dinheiro público.

A Lei Rouanet, sempre a mais lembrada, consiste na Lei nº 8.313/91, sancionada pelo ex-presidente Fernando Collor – veja aqui. Para utilizar a lei, é necessária a aprovação prévia do projeto cultural no Ministério da Cultura.

Resumidamente, admite, a lei, a captação de recursos junto a pessoas físicas e jurídicas, mediante a dedução do valor da doação ou do patrocínio em até: (i) 6% do Imposto de Renda devido, quando se tratar de pessoa física doadora ou patrocinadora; (ii) 4% do Imposto de Renda devido, no caso de pessoa jurídica doadora ou patrocinadora, havendo, ainda, a possibilidade de dedução da despesa na apuração do Lucro Real.

A Lei de Incentivo à Atividade Audiovisual trata-se da Lei nº 8.685/93, sancionada pelo ex-presidente Itamar Franco – veja aqui. É necessária a prévia aprovação dos projetos pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema) para a utilização da lei.

Em grandes linhas, também admite a captação de recursos junto a pessoas físicas e jurídicas mediante a dedução do Imposto de Renda devido pelos doadores e patrocinadores. Os benefícios fiscais pela aplicação nos projetos estão limitados a (i) 6% do Imposto Renda devido para pessoas físicas; e a (ii) 3% a 4% para pessoas jurídicas, podendo ou não, ainda, ser deduzida a despesa na apuração do Lucro Real, conforme o caso.

Tecnicamente, em Finanças Públicas, esses dois incentivos fiscais consistem em “Desonerações Tributárias” – mais especificamente, são “Gastos Tributários”, por serem gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário. São usados como alternativas às ações diretas do Estado, quando este se vale da iniciativa privada para alcançar indiretamente objetivos de políticas públicas.

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Estima-se que, em 2017, a Lei Rouanet, no caso que tratamos, importará em gastos tributários de R$ 1.357 milhões, sendo que a Lei de Incentivo à Atividade Audiovisual custará R$ 282 milhões – veja aqui.

É claro que Desonerações Tributárias como essas atribuem maior “liberdade” para o contribuinte usar o dinheiro que deixou de pagar a título de tributos. Ele poderá manifestar essa liberdade decidindo se prefere pagar o imposto e não doar nada para ninguém, ou, então, escolher o projeto cultural ou audiovisual que mais lhe agradar para destinar parte do imposto, o que ainda lhe trará o benefício de gerar alguma publicidade vinculada à obra artística.

Como na perspectiva do contribuinte é muito remoto o “benefício” de pagar o imposto para o Governo, a decisão pelo incentivo é sempre mais vantajosa (desde que não haja dano de imagem na escolha do projeto e do produtor cultural, claro). A alternativa do incentivo fiscal, então, será uma espécie de “liberdade” controlada pelo Estado, pois haverá “direcionamento” dos recursos para “políticas públicas”, critério que é avaliado pelo Ministério da Cultura e pela ANCINE, com larga margem para subjetividades.

Esse “direcionamento”, então, será previamente definido pela burocracia, com todos os problemas que isso é capaz de gerar – tendências a favorecimento de amigos por idiossincrasia, preferências partidárias ou corrupção, escolhas ineficientes, desperdícios, etc. Fato notório, inclusive, é que quem não contrata despachantes especializados nesses benefícios arrisca-se a não ter êxito nesse “mercado cultural”.

Seria menos pior que não fosse necessária a aprovação do Ministério da Cultura ou da ANCINE, como condição para a aplicação dos recursos financeiros. Claro que o céu seria eliminar o incentivo e reduzir a carga tributária em montante equivalente, para que cada contribuinte tivesse sobras para decidir sozinho onde aplicar o seu dinheiro (eventualmente em atividades culturais), e de quebra eliminar o Ministério da Cultura e a ANCINE, cuja utilidade ainda está por ser demonstrada, apesar de serem evidentes os bilhões que custam à Sociedade.

De qualquer modo, o R$ 1,6 bilhão arrecadados por produtores culturais com esses incentivos fiscais trata-se, sim, de dinheiro público. Tanto é que o seu mau uso pode importar na devolução do imposto abatido, acrescido de multas e juros – além de condenações criminais. O direcionamento da produção cultural para projetos com inclinações ideológicas, ademais, deixa mais claro ainda que o Governo não nos permite esquecer que se trata de dinheiro controlado pelo Estado – sem beijar a mão do burocrata da vez, não tem jogo.

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O chato é que, enquanto durarem esses incentivos fiscais, assim como o Ministério da Cultura e a ANCINE, teremos farta oferta de produções culturais com temas ideológicos e chapa-branca. São a razão do largo sucesso no Brasil das provedoras de filmes e séries de televisão via streaming, que por essas razões nem precisam investir em publicidade – e também são a razão da forte desmoralização da classe artística e cultural brasileiras.

Alexandre Pacheco é Advogado, Professor de Direito Empresarial e Tributário da Fundação Getúlio Vargas, da FIA, do Mackenzie e da Saint Paul e Doutorando/Mestre em Direito pela PUC.

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Alexandre Pacheco Professor de Direito Empresarial e Tributário da FGV/SP, da FIA e do Mackenzie, Doutor em Direito pela PUC/SP e Consultor Empresarial em São Paulo.

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