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Rússia: 101 anos antes da Copa

Entenda o porquê que o país que sedia a Copa nem sempre esteve em clima de festa, no artigo "O  Planejamento Central e suas inevitáveis consequências" de Yuri Naghirniac de Stefani.
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Ainda em dias atuais, a ideia de que o governo deva aplicar um planejamento central para alocar os recursos da economia é bem recebida. Este pensamento aparentemente se justifica porque transmite uma ideia de que a economia estará sob controle, como se o planejamento de burocratas fosse mais racional do que indivíduos agindo livremente, o que pode ser entendido como uma “bagunça”. Os revolucionários russos foram os primeiros, seguindo o ideal comunista de Karl Marx, a obterem o poder total do estado. Consequentemente, programaram o planejamento central. Mas o que era para ser o primeiro passo contra a opressão do czarismo, se tornou uma acentuação da opressão.

Deve-se lembrar de que a Rússia já vinha de uma situação delicada desde muito tempo antes da revolução de outubro de 1917. O czar Nicolau II teve que enfrentar dificuldades durante seu Regime como a derrota da Rússia na Guerra russo-japonesa em 1904; a reação autoritária dos diligentes ao lidar com a manifestação de 9 de janeiro de 1905, conhecido como Domingo Sangrento; e a Primeira Guerra Mundial, que demandava muitos recursos da Rússia e que ainda estava ocorrendo em 1917. Mas nada disso justifica o caos instaurado pelos bolcheviques após tomarem o poder.

A ideia de um planejamento central foi estudada pelos economistas Ludwig Von Mises e Friedrich Hayek. Muitos dos pontos de suas teorias podem ser confirmados através da experiência russa. Hayek, ao tratar de planificação da economia, aborda principalmente a questão da liberdade individual. Afirma que o controle da economia significa o controle dos meios que os indivíduos utilizam para chegar aos seus fins.

“O controle econômico não é apenas o controle de um setor da vida humana, distinto dos demais. É o controle dos meios que contribuirão para a realização de todos os nossos fins. Pois quem detém o controle exclusivo dos meios também determinará a que fins nos dedicaremos, a que valores atribuiremos maior ou menor importância” (HAYEK, 1944, p. 104)

Nesta ideia, está implícito que o controle da economia deve estar acima de cada indivíduo, poderes ditatoriais são necessários para manter o plano vivo. Ou seja, se for necessário, é ‘legitimo’ cometer atrocidades a quem for uma ameaça para a planificação.

Seguindo esta ideia de que um estado totalitário é necessário para manter o controle da economia, os bolcheviques fundaram a Tcheká (Comissão Extraordinária para Combater a Contrarrevolução e a Sabotagem) em dezembro de 1917, liderada pelo polonês Félix Dzerjinski. Esta polícia política foi o embrião da KGB. Alimentavam o argumento de que para manter o plano comunista vivo, qualquer ameaça aos bolcheviques deveria ser eliminado. Assim, centenas de pessoas ligadas ao czarismo e ao exército Branco, que guerreavam contra o exército Vermelho, foram executadas, incluindo Nicolau II, junto com sua mulher, filhos, que ainda estavam na fase adolescente, e serviçais da família, fato ocorrido em junho de 1918. A perseguição era tão intensa que em 1920 havia 50 mil prisioneiros em campos de concentração. Em 1923, eram 70 mil.

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Hayek ainda afirma a necessidade de se controlar a informação em um estado totalitário:

“Todo o arsenal educativo – as escolas e a imprensa, o rádio e o cinema – será empregado exclusivamente para disseminar as ideias, verdadeiras ou falsas, que fortaleçam a crença na justeza das decisões tomadas pela autoridade; e toda informação que possa causar dúvidas ou hesitações será suprimida.’’ (HAYEK, 1944, p. 158)

Sabendo da importância de controlar a informação e a cultura, os bolcheviques monopolizaram a produção de papel jornal. Apesar da resistência, os jornais não alinhados aos bolcheviques foram fechados. Isto não era algo totalmente novo na Rússia, uma vez que havia censura na época dos czares, quando havia sido abolida em 1906. A cultura também foi regulamentada com a criação do Glavlít (Administração Principal para Assuntos Literários), em 1922, entidade que aprovava ou censurava qualquer área da cultura, principalmente em cinemas e teatros, que atingiam a maior parte da população, que tinha um alto grau de analfabetismo.

No âmbito da educação formal, também houve muito controle por parte dos comunistas. Em maio de 1918, foram nacionalizadas todas as instituições de ensino e o currículo se tornou padrão desde os 8 até os 17 anos de idade. Até mesmo no ensino superior houve o fim da autonomia, tanto que em 1921 Lênin decretou que todos os universitários deveriam frequentar cursos de materialismo histórico e história da Revolução Russa.

Pela analise econômica, Mises argumenta que é impossível haver uma alocação racional dos bens de produção sem um mercado de propriedade privada. Sem ter os bens de produção sujeitos às leis do mercado, não seria possível haver um cálculo econômico racional.

Os bolcheviques, seguindo a fórmula marxista de eliminar a propriedade privada [2], implementaram o Comunismo de Guerra, medidas econômicas que duraram de 1918 até 1921, durante a Guerra Civil Russa no mesmo período. As medidas incluíam:

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· Planejamento total da economia pelo Conselho Supremo da Economia Nacional, através do conselheiro econômico de Lênin, Iuri Lárin

· Apropriação dos imóveis urbanos

· Nacionalização do transporte

· Fim do comércio privado

· Apropriação da indústria

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· Trabalho compulsório e fim do direito de greves (afinal, não há sentido para existir greves se o estado é proletário)

· Confisco do excedente dos camponeses

· Abolição da moeda

Com a ideia de que o dinheiro trazia apenas problemas como fetichismo e alienação do trabalho, e acabar com a moeda seria como um passo para acabar com o capitalismo. E o método para se acabar com a moeda foi através de uma inflação desenfreada, assim, o dinheiro perderia seu valor. Para se ter uma ideia, em Outubro de 1917 havia em circulação 20 milhões de rublos. Em 1922, eram 2 quatrilhões, um aumento de cerca de 100 milhões de vezes na oferta monetária em apenas cinco anos.

Mises ainda afirma a importância de haver um meio de troca universal (moeda) em uma economia para ser possível realizar o cálculo econômico:

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“Precisamente porque a moeda é o meio de troca universal, porque a maior parte dos bens e serviços pode ser comprada e vendida no mercado pela utilização da moeda, e somente na medida em que assim seja, é que o homem pode utilizar os preços em moeda para efetuar os seus cálculos.” (MISES, 1947, p. 260).

Mises, ao tratar do problema do cálculo econômico, se refere não ao caso da abolição do dinheiro, principalmente, mas ao caso da abolição da propriedade privada dos bens de produção, uma construção imaginária de onde havia apenas comércio de bens de consumo[*]. Os bolcheviques foram além disso, decidindo desvalorizar a moeda de uma vez.

Os resultados econômicos não poderiam ser animadores. De fato, os bolcheviques enfrentaram problemas para o ajuste de contas, e uma baixa na produtividade. Entre 1918 e 1921, o número de trabalhadores industriais caíram 51%. A produção também caiu muito, cerca de 82% entre 1913 e 1920 (deve-se notar que a Primeira Guerra também teve sua contribuição para esta queda). Por causa da perda do valor da moeda, começou-se a utilizar pão e sal como moeda de troca.

A política do confisco dos excedentes provocou revolta entre os camponeses. Os camponeses eram chamados de kulaks, um equivalente a camponês rico, burguês. O confisco forçou os camponeses a esconderem os alimentos da Tcheká para poder comercializar diretamente com o consumidor, sendo responsável de 66% a 80% das calorias no inverno de 1919-1920. O mercado negro impedia a população de morrer de fome. A política do confisco produziu outra reação, a redução da área de cultivo. Bastasse um período da má colheita para causar alguma tragédia, e foi exatamente isso o que aconteceu na chamada fome de 1921-1922. Poder-se-ia argumentar que o a fome foi algo natural que ocorre periodicamente, mas os camponeses sabiam que, para lidar com estas situações, deveriam sempre ter uma reserva. Além disso, na ultima grande fome, a colheita caiu 13% em 1892. Na fome de 1921-1922, foi uma queda de 85% em relação aos anos anteriores.

A solução que os bolcheviques encontraram para amenizar a situação foi a criação do NEP (Nova Política Econômica). Suas medidas foram o afrouxamento da política do Comunismo de Guerra. Isso não significa que o plano comunista foi deixado de lado, até porque o NEP foi dissolvido em 1928. Significa que tiveram que acabar com algumas políticas. A ideia do fim do dinheiro foi abandonada, colocando uma moeda lastreada no ouro como a moeda oficial. O confisco do excedente dos camponeses também foi rejeitado, um remédio tardio para a fome de 1921-1922. Porém a indústria e o transporte ainda eram propriedade do estado, já que permitir um livre mercado nunca foi o desejo dos comunistas.

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Desta forma, apesar de todas as dificuldade enfrentadas pelo estado russo naquela época, desde a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil Russa (além de a Rússia ter um histórico de autoritarismo desde os tempos dos czares), os males econômicos e sociais foram amplificados pelas políticas bolcheviques. Não apenas por uma ideia econômica irreal e fantasiosa, mas também pelo autoritarismo, que é requisito para qualquer estado planificador da economia.

Pior que isso talvez seja o fato de que, diante de todo este cenário, ainda existam pessoas que não apenas defendam a Revolução Russa como virtuosa, mas como modelo a ser seguido.

Obs.: as informações históricas a respeito da Revolução Russa tem como fonte o historiador polonês Richard Pipes, especialista em historiografia russa. Uma das críticas que fazem ao trabalho de Pipes era que ele trabalhou para o serviço de inteligência norte-americano. Porém, Pipes era um professor de história da universidade de Harvard e foi consultado pelos serviços de inteligência, fato que nunca foi escondido. Richard Pipes, inclusive, testemunhou contra os crimes do Partido Comunista no Tribunal Constitucional Russo, em 1992.

Yuri Naghirniac de Stefani é aluno de Engenharia Mecatrônica do Insper e membro do grupo acadêmico Insper Liber.

Nota:

[*] “a significância do dinheiro em uma sociedade em que os meios de produção são controlados pelo estado será diferente daquela em que os meios de produção são propriedade privada. Com efeito, a significância será incomparavelmente menor, uma vez que o material disponível para troca será mais limitado, já que as trocas estarão confinadas apenas aos bens de consumo” (MISES, 1920, p. 18).

Referências:

[1] HAYEK, F. A., O Caminho da Servidão. Instituto Mises Brasil. 2010.

[2] MARX, K., ENGELS, F., Manifesto do Partido Comunista. Editora Escala. 2009.

[3] MISES, L. V., Ação Humana. Instituto Mises Brasil. 2010.

[4] MISES, L. V., O Cálculo Econômico Sob o Socialismo. Instituto Mises Brasil. 2012.

[5] PIPES, R., História Concisa da Revolução Russa. Edições BestBolso. 1995.

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