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Aula de Economia para Wagner Moura: uma análise mais profunda para a Reforma da Previdência

Este artigo mostra que a reforma da previdência é estritamente necessária para a garantia da sustentabilidade do  sistema previdenciário, independentemente se governo é do FHC, do Lula, da Dilma, do Temer, do Bolsonaro, etc. O artigo  desconstrói também todas as mentiras e falácias de que não há déficit da previdência.
Por  Alan Ghani
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Recentemente, o ator Wagner Moura fez um vídeo (aqui) contra a Reforma da Previdência.  O vídeo traz uma quantidade enorme de desinformação que apenas atrapalha e confunde o debate técnico e racional de um tema crucial para a população brasileira: a sustentabilidade do sistema previdenciário a médio e longo prazo.

É evidente que ninguém gosta de reformas porque atinge o cidadão diretamente. Com a reforma da previdência não será diferente, o trabalhador demorará mais tempo para se aposentar e garantir seu benefício. A questão é que, se nada for feito, o sistema irá colapsar e não haverá previdência para as próximas gerações, conforme abordado no artigo que se tornou viral nas redes sociais, “É contra a reforma da previdência? Então toma aqui uma aula grátis de economia”, publicado pelo InfoMoney.

Os contrários à reforma argumentam que não teria déficit da previdência, caso não existisse a DRU, a qual permite que parte da receita de tributos destinada à previdência migre para demais áreas, diminuindo a receita de previdenciária. No limite, mesmo sem a DRU, a previdência continuaria deficitária e só estaríamos deslocando o déficit de lugar. Sem a DRU, a previdência teria um incremento de receita  de 92 bilhões de reais, valor ainda insuficiente para cobrir o déficit de 150 bilhões de reais por ano. Em segundo lugar, só estaríamos deslocando o déficit de lugar: teríamos um déficit menor da previdência (algo em torno de 58 bilhões, 150 bilhões – 92 bilhões), mas criaríamos um déficit gigantesco do Tesouro.  Nesse caso, o governo teria mais recursos para previdência e faltaria dinheiro para educação, por exemplo.  Trocar o déficit de lugar não ajuda em nada, sabe por quê? Porque no final das contas é a população que financia por meio de impostos e empréstimos os gastos do Governo Central (Tesouro Nacional, BCB, sistema público de previdência para o setor privado (INSS) e resultado da previdência dos servidores públicos federais, o qual está dentro das contas do Tesouro). Assim, diminuir déficit na previdência por meio de aumento de aportes do Tesouro, dá no mesmo. É trocar 6 por meia dúzia, é apenas mudar o buraco de lugar porque, ao final,  quem sustenta as contas do governo é a própria população por meio de impostos.

Outra mentira espalhada por aí é que não existe déficit da Previdência Social porque a Seguridade Social é superavitária. Só para entendermos, a Previdência Social faz parte da Seguridade Social. A Seguridade Social é composta por Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Bom, primeiro que os números da Previdência Social e do Tesouro são públicos. Basta checá-los para comprovar que o rombo de 150 bilhões de reais existe. Como bem observou o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Felipe Derbli, em um ótimo e didático artigo sobre o tema (aqui), “o financiamento das despesas previdenciárias estritamente com as receitas previdenciárias é inviável – se assim não fosse, não seria necessário tributar toda a sociedade.” Aliás, os gastos com a previdência representam 58% dos gastos da Seguridade Social, mostrando o óbvio: a Previdência é altamente deficitária! Como também precisamente observou o economista do IPEA especializado em Previdência, Paulo Tafner, “eles [os contrários à reforma] querem subtrair os recursos da Saúde e da Assistência para fechar as contas da Previdência, em vez de corrigir os problemas da Previdência”.

Infelizmente, a mentira de que não existe déficit da previdência foi endossada por um vídeo produzido por alguns auditores fiscais. O problema é que os cálculos dos auditores inflaram artificialmente a receita e não consideraram algumas despesas, conforme analisou o economista do IPEA. Por exemplo, “eles não consideraram o salário nem a aposentadoria dos servidores públicos”, afirma Tafner. Segundo o economista do IPEA, “só consideraram como despesa previdenciária só os benefícios pagos diretamente”. “Se os gastos com o funcionamento do sistema não são despesas, são o quê?, pergunta o economista (aqui).

Outro ponto espalhado por aí é que se não existisse corrupção, a reforma da previdência não seria necessária. Claro, se estivéssemos num mundo perfeito e ideal, nada seria necessário. Não dá para confundir utopia com realidade.  Além disso, conforme expliquei em entrevista sobre Reforma da Previdência para o programa de rádio “Confronto”, do jornalista Guilherme Macalossi (aqui), mesmo com menos corrupção, a Reforma ainda seria necessária. Estima-se que foram roubados 90 bilhões da Petrobras; o rombo da previdência é de 150 bilhões por ano. Ou seja, o combate à corrupção ajudaria a pagar parte do déficit da previdência somente por 1 ano (ainda faltariam 60 bilhões). Evidentemente que se deve combater a corrupção, mas isso não exclui a realização da reforma da previdência. Vale mencionar que países bem menos corruptos do que o Brasil – EUA, França, Alemanha, etc.- fizeram as suas respectivas reformas da previdência.

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Ainda na mesma linha de raciocínio, falam das dívidas das empresas no valor de 403 bilhões de reais com a previdência. É evidente que as empresas devem arcar com as suas dívidas com o governo; mas, novamente, o pagamento resolveria o problema por 3 anos e não garantiria para os próximos anos à sobrevivência do sistema. Parece haver uma confusão enorme entre dívida (variável estoque) e déficit (variável fluxo). O rombo da previdência é de 150 bilhões por ano. Em outras palavras, o governo tributa e pega dinheiro emprestado da sociedade para cobrir o roubo da previdência todo ano. O déficit constante da previdência aumenta anualmente a dívida pública, a qual segue trajetória insustentável (Almeira, Lisboa & Pessoa, 2015 ).

Ainda sobre a questão fiscal, alegam que se não houvesse desonerações fiscais, não haveria déficit da previdência.  Balela! A renúncia fiscal representa 30% do déficit da previdência, ou seja, faltariam ainda 70% para corrigir o rombo anualmente. Como observou Derbli, no limite, acabando com a DRU (60% do déficit) e com as renunciais fiscais (30% do déficit ), a previdência ainda continuaria deficitária em 10%. Sem contar as drásticas consequências que gerariam essas medidas. Atenuaríamos o problema da previdência e geraríamos problemas em outras áreas. O fim da DRU engessaria o orçamento, ocasionado déficits em outras áreas, e o aumento de tributação das empresas poderia ter um efeito negativo sobre o investimento e a geração de empregos. No entanto, ainda assim, a Reforma da Previdência prevê a diminuição as desonerações fiscais.     

Outra desinformação propagada é de que a Reforma da Previdência não está condizente com a expectativa média do brasileiro. Primeiro que a expetativa média do brasileiro é superior (75,2 anos) à idade mínima proposta pelo governo (65 anos). Segundo – e o mais importante – é que não se deve considerar a expectativa de vida média, mas o tempo de sobrevida após o indivíduo chegar aos 50 anos, conforme explicado em vídeo pelo economista e professor Carlos Eduardo Gonçalves da USP (aqui e aqui) . De outro modo, a expectativa de vida média do brasileiro, dado que ele chegou aos 50, é em torno de 80 anos. Cabe ainda ressaltar que a reforma está em linha com a tendência de idade mínima de muitos países (65 anos), inclusive igualando a idade para ambos aos sexos.

Em relação à igualdade de idade para homens e mulheres, alguns alegam que a mulher seria prejudicada por sofrer com a dupla jornada ou porque ganharia menos no mercado de trabalho. Primeiro que a reforma da previdência não deve ser utilizada para corrigir distorções do mercado de trabalho, caso elas existam. As distorções salariais geradas no mercado de trabalho devem ser tratadas no âmbito do mercado de trabalho. Essa questão é consenso entre economistas, inclusive por aqueles de orientação mais progressistas (aqui). Segundo, como a expectativa de vida da mulher é maior do que a do homem, esse efeito seria compensado uma vez que ela teria o benefício por mais tempo, conforme expliquei em entrevista par a GNT (aqui).

Outra mentira espalhada por aí é de que a reforma não atingiria os políticos, mas somente o cidadão comum. Balela! O teto de aposentadoria para políticos e não políticos ficaria limitado ao valor de R$ 5331. Vale dizer que a reforma também atinge os servidores públicos federais do poder judiciário.

O ponto que causa confusão e indignação da população é que têm muitos políticos e servidores públicos com aposentadorias e pensões gigantescas que não serão atingidos pela reforma. Verdade, mas infelizmente, a reforma da previdência não pode corrigir distorções geradas no passado. De acordo com as leis brasileiras, não é possível alterar um direito adquirido, por mais que ele seja absurdo. A reforma vale para quem ainda não se aposentou. Isso faz parte das regras do Estado Democrático de Direito.

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Mas se de um lado a reforma não distingue políticos de não políticos; por outro, coloca de fora os militares. Sim. Como na maioria dos países, os militares têm leis diferenciadas da sociedade civil justamente por serem…. militares! No entanto, de acordo com o relator da reforma da previdência, o governo encaminhará um projeto de lei com uma reforma da previdência também para os militares. Tomará, é justo que toda a população arque com o ônus desta reforma.

Mas não são apenas os militares que ficaram de fora especificamente desta reforma; os servidores públicos estaduais e municipais, também. Inicialmente, eles haviam sido incluídos na reforma, mas o governo os excluiu. De acordo com o governo, a exclusão se deu para garantir a autonomia dos estados. No entanto, o Brasil não é uma federação como nos EUA em que os estados gozam de plena autonomia financeira em relação ao governo federal. Na prática, os estados são altamente dependentes dos recursos do governo federal. Por essa razão, o fundamento econômico deveria prevalecer sobre o formalismo jurídico e os servidores municipais e estaduais deveriam ter sido incluídos na reforma previdenciária do governo. Caso aprovada, os governadores terão até 6 meses para realizar uma reforma da previdência para servidores públicos estaduais e municipais. Tomará que o governo federal pressione os estados para realizar uma reforma previdenciária equivalente a do governo federal para que toda a sociedade arque com ônus, sem distinções.   

É claro que o ambiente político (governo fraco), corrupção e a grave crise econômica tornam mais difícil a aceitação da reforma da previdência pela população. No entanto, ela é extremamente necessária para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário no Brasil. Lembre- se que a reforma da previdência é uma escolha entre gerações. Ou negamos a realidade e mantemos a previdência do jeito que está para as próximas gerações arcarem com as consequências da quebradeira do sistema, ou fazemos um sacrifício agora para que nossos filhos e netos possam continuar com o benefício. Além disso, a aprovação da reforma da previdência teria um efeito econômico de curto prazo. Caso aprovada, o mercado entenderia que o governo está comprometido com o ajuste das contas públicas, o que aumentaria a confiança no país podendo trazer investimentos, fundamental para a geração de empregos e retomada do crescimento econômico.

Infelizmente, o debate sobre um tema tão importante é tomado por emoções, pelo  fla x flu e por  automatismos  de opinião (se tal político é contra, sou automaticamente contra, sem reflexão alguma). A reforma da previdência é necessária, independentemente se o governo é do FHC, do Lula, da Dilma, do Temer, do Bolsonaro, etc. Infelizmente alguns formadores de opinião não entendem a complexidade do problema e carregam a discussão de emoções e sentimentalismo, que nada contribui para a sobrevivência da previdência no médio prazo (ano de 2024). Alguns artistas, por exemplo, opinam como se fossem economistas sobre um tema tão sério. Wagner Moura deveria seguir o ótimo conselho se sua conterrânea, Ivete Sangalo. A cantora diz disse que não gosta de opinar sobre política e economia, pois não se sente preparada para defender temas muito complexos, e o artista deveria ter responsabilidade no que fala por influenciar opiniões (entrevista aqui). Ivete Sangalo, por favor, peça para o Wagner Moura seguir a sua lição de humildade e o seu senso de responsabilidade. O Brasil agradece.

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Alan Ghani É economista, mestre e doutor em Finanças pela FEA-USP, com especialização na UTSA (University of Texas at San Antonio). Trabalhou como economista na MCM Consultores e hoje atua como consultor em finanças e economia e também como professor de pós-graduação, MBAs e treinamentos in company.

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