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Como foi a votação da última reforma da previdência

Governo e PT tinham em campo seu dream team, mesmo assim, o projeto demorou para sair
Por  Richard Back
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O ano é 2003.

Lula, recém eleito Presidente, já sabe desde as eleições que uma reforma da previdência teria de ser feita. A transição civilizada entre os auxiliares do então presidente Fernando Henrique Cardoso e do presidente eleito por certo que facilitou com que a proposta fosse entregue ainda no primeiro semestre do novo governo. Civilidade, que sempre ajuda no processo político e não é uma realidade no atual momento político. Não haverá transição entre Dilma e Temer, e isso certamente impactará de alguma maneira para que o novo presidente tire o governo do chão.

O primeiro Ministro da Previdência Social foi Ricardo Berzoini, que se encarregou de negociar a proposta internamente no governo. O esforço político foi grande, e se conseguiu finalizar um texto inicial que foi entregue à Casa Civil no dia 12/02/2003, quase um mês e meio depois da posse.

Após esse período de construção interna no governo, as negociações iniciais com o Congresso, governo e sociedade ainda tomaram mais um mês e meio. A proposta foi entregue ao Congresso Nacional, presidido então por José Sarney em 30/04/2003.Para que se tenha ideia de como o governo falava sério, basta notar que a entrega aconteceu um dia antes do dia 1 de maio, feriado sagrado para a base de Lula, que comemoraria a data pela primeira vez no comando do país. Lula foi acompanhado de líderes políticos, ministros e os 27 governadores até o Congresso entregar a proposta em mãos. Prevendo dificuldades, ele disse ao então presidente da Câmara em seu discurso no Plenário da Câmara:

“Eu vou passar às suas mãos agora, presidente João Paulo, a proposta que foi feita com muito carinho e amor, porque eu não sei se você sabe que eu ainda tô na fase de Lula paz e amor. Cada vez que alguém tiver alguma bronca por favor me chame, que eu estarei disposto a ajudá-lo a resolver essa bronca, conversando com muita tranquilidade”

E emendou,

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“Se não votarmos este ano, o ano que vem tem eleição. E todo mundo sabe que em ano eleitoral tudo fica mais difícil de ser votado”

O governo, comandando a essa altura por José Dirceu, tinha preparado bem o terreno. Havia criado uma justificativa para a votação da reforma, que ia para além do argumento técnico da necessidade de equilibrar o orçamento, e passava pelo “combate aos fraudadores”, como dizia uma bandeira gigante do Comitê Nacional Pró-reformas. Estava aí aberta uma ponte para se comunicar com a população em geral com um mote que todos repudiariam, a fraude na previdência.

Apesar da base enorme e bastante sólida com que contava Lula – na Câmara ele tinha 376 deputados a essa altura – a reforma só saiu no fim de 2003. Mesmo com as declarações de João Paulo Cunha, Presidente da Câmara, de que a reforma seria votada “rapidamente”, e de José Sarney, Presidente do Senado, que afirmava que “ as reformas da previdência e tributária serão votadas em quatro meses”, o Congresso demorou 225 dias para entregar a reforma da previdência.

O governo e PT tinham em campo seu dream team: Antônio Palloci na Fazenda, Henrique Meirelles no Banco Central, Ricardo Berzoini na Previdência, Jaques Wagner no Trabalho, João Paulo Cunha na Presidência da Câmara, Tarso Genro no Conselhão, José Dirceu na Casa Civil e Lula na Presidência da República. E na retaguarda do governo estavam José Genoíno presidindo o PT e Luiz Marinho a CUT.

A reforma, seguindo o processo legislativo da Câmara e Senado, tramitou nestes prazos:

Câmara dos Deputados:

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30/04 – Apresentação da Proposta em Plenário pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

06/05 – Início da tramitação na CCJC da Câmara

05/06 – Aprovação na CCJC da Câmara

11/06 – Início na Comissão Especial (obrigatórias para análises de Proposta de Emenda Constitucional – PEC)

Designado como Relator o deputado José Pimentel (PT-CE)

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23/07 – Aprovação na Comissão Especial

05/08 – Início da discussão em Plenário

13/08 – Aprovação em primeiro turno no Plenário da Câmara

27/08 – Aprovação em segundo turno no Plenário da Câmara

28/08 – Remessa ao Senado Federal

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Senado Federal:

28/08 – Recebimento da matéria no Senado

01/09 – Início da tramitação na CCJ do Senado

Designado relator o senador Tião Viana (PT-AC)

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07/10 – Aprovação na CCJ do Senado

Divergências entre os líderes impedem que a matéria entre na Ordem do Dia do Plenário

29/10 – A reforma entra, após acordo de líderes, na ordem do dia do plenário do Senado

11/11 – Após discussão em Plenário, a matéria volta a CCJ para votação de emendas

19/11 – Aprovação na CCJ

25/11 – A matéria volta para discussão no Plenário do Senado

09/12 – Outra vez volta para a CCJ para a aprovação de emendas

11/12 – Aprovação em segundo turno pelo Plenário do Senado Federal por 51 votos SIM. São necessários 49.

19/12 – Promulgação da Reforma da Previdência pelos Presidentes de Câmara e Senado.

A reforma da previdência, considerada uma votação em tempo “recorde” pelos parlamentares da época, consumiu quase todo o ano legislativo de 2003.

Mesmo se fosse feita com atropelos regimentais, ainda é uma matéria complexa de ser votada em um curto espaço de tempo.

Há que se notar também a pequena oposição a reforma, que contou com apoio das centrais sindicais (apenas o diminuto PSTU foi contra) e parte da oposição no Congresso. Há também o fato de que ela foi uma reforma da previdência do setor público, o que, se comparado com uma reforma da previdência do setor privado, no fim das contas reduz bastante o impacto na opinião da população em geral pois o apelo é muito menor.

Outro dado importante: Um governante que patrocine uma legislação desta natureza, perde apoio popular. Lula aproveitou para fazer campanha pela matéria por ter neste momento, segundo a série histórica, 43% de aprovação pessoal, 47,7% de ótimo/bom, 34,8% de regular e apenas 9,4% de avaliação negativa.

Mesmo o governo tendo ampla maioria no parlamento, na sociedade e sem oposição de movimentos sociais, ainda teve de ceder em vários pontos da reforma. Foram, só na Câmara, 460 emendas ao projeto original.

Ainda há partes desta reforma da previdência que não na prática ainda não valem até hoje, porque os projetos de lei para regulamentação simplesmente foram deixados de lado.

Richard Back É coordenador de macro sales e análise política da XP Investimentos. Acompanha o cenário brasileiro há uma década e especializou-se também em política internacional.

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