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Entendendo os riscos e a segurança do bitcoin

Antes de usar, comprar e investir em criptomoedas, entendam melhor como funciona, investiguem os riscos e aprendam as formas seguras de armazenamento
Por  Fernando Ulrich -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Frequentemente recebo perguntas sobre como usar ou comprar bitcoin. E o interesse vem de pessoas dos mais variados perfis: entusiastas decididos a investir no ativo, especuladores de olho numa oportunidade, gente que precisa enviar dinheiro para fora de forma rápida e barata, turistas que veem na moeda digital uma opção vantajosa para viagens ao exterior, gestores de investimento incumbidos de diversificar a carteira dos clientes.

A todos esses, minha resposta inicial é sempre idêntica: antes de usar, comprar, investir, entendam melhor como funciona, investiguem os riscos de investir em bitcoins e aprendam as formas seguras de armazenamento. É fundamental saber como realizar backups das chaves privadas. Não invistam um centavo antes de ultrapassar essa etapa.

Muito embora já tenha escrito sobre esse tema em diversos textos, nunca dediquei um artigo exclusivo e aprofundado. Hoje retifico essa falha.

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Antes de prosseguir, um alerta importante: existe apenas um sistema bitcoin, e o ativo que nele reside não rende nada e não promete nada. Mas está cheio de Ramsés de fundo de quintal ludibriando incautos, usando os termos “bitcoin” e “moedas digitais” como isca.

Se estiverem lhe propondo algum investimento em bitcoin com retorno alto e garantido, há uma boa chance de ser um esquema de pirâmide. Nem considere, ignore solenemente, para o seu próprio bem.

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Similarmente, se decidir adquirir bitcoins, procure fazê-lo de exchanges conhecidas e com boa reputação. Não tente comprar de um desconhecido oferecendo bitcoins em um fórum de discussão qualquer.

Feitos esses avisos, prossigamos.

Há dois anos, em um post intitulado “Por que investir no bitcoin“, levantei alguns dos riscos subjacentes. Enumerei os principais pontos de atenção para quem considera esse ativo como alternativa ao portfólio. Tenho também diversos artigos dedicados a explicar a segurança do protocolo.

Mas dado o interesse crescente, especialmente relacionado a investimento na moeda em si, é preciso revisitar e atualizar os riscos e aspectos de segurança do sistema.

Vejo três grandes riscos relacionados ao bitcoin: risco de mercado (ou de preço), risco de sistema (ou técnico) e risco de usabilidade. Por vezes, eles estão relacionados e podem ser interdependentes. Mas nem sempre esse é o caso. Entendamos um a um.

Risco de mercado

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Não há nenhuma garantia de valor de mercado do bitcoin. Não há como predizer quanto um bitcoin valerá na semana que vem ou no próximo ano. Não há nenhuma entidade encarregada ou capaz de sustentar a cotação do ativo no mercado internacional.

O preço de uma unidade de bitcoin – ou o poder de compra da moeda – é determinado pelas leis de oferta e procura, pelas “forças de mercado”, nos mercados especializados ao redor do globo.

Há centenas de exchanges, bolsas ou chamadas corretoras de bitcoin no mundo todo que concentram boa parte da liquidez, e, de forma paralela, existe o mercado “peer-to-peer”, no qual indivíduos transacionam diretamente entre si.

Na determinação do preço, parte da equação é sabida de antemão por todos os participantes do sistema, pois a quantidade de bitcoins que podem ser criados foi definida no nascimento do protocolo: 21 milhões de unidades, todas perfeitamente divisíveis. E essa é uma regra pétrea.

Contudo, não podemos prever como se comportará a demanda pela moeda digital. Há uma boa dose de previsibilidade sobre o seu potencial, mas garantia de uma demanda mínima ou estável, simplesmente inexiste.

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Nada nos assegura que os detentores da criptomoeda não acordem amanhã com uma opinião diferente, passando a considerar o bitcoin uma bobagem que deve ser desovada a qualquer custo, despencando a demanda e fazendo desabar seu preço.

Tampouco podemos ter plena segurança de que uma nova moeda digital não surgirá, um novo concorrente apto a suplantar o bitcoin. O chamado efeito rede e a natureza adaptativa do sistema são obstáculos consideráveis a tal cenário, sem dúvidas. Mas o risco de o bitcoin ser ultrapassado não é nulo.

Adicionalmente, não devemos menosprezar os impactos oriundos de possíveis leis e regulações nocivas ou até mesmo proibitivas. Caso alguma jurisdição relevante venha a coibir ou banir o uso de bitcoin, não podemos descartar efeitos negativos sobre a cotação do ativo.

A volatilidade é inerente a esse risco de mercado. Dada a demanda imprevisível, o preço do ativo oscila bastante. Hoje em dia, contudo, a volatilidade já é muito menor – e mais aceitável – do que foi três ou quatro anos atrás, quando eram frequentes variações diárias de 20% na cotação.

Isso, hoje, seria algo altamente improvável. Curiosamente, durante algumas horas no dia 5 de julho, a libra esterlina foi mais volátil que o bitcoin, graças aos temores do Brexit.

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Um responsável direto pela menor volatilidade é o volume de negociações nas exchanges. Quanto maior o volume negociado, menor a volatilidade, menor o bid/ask spread. E a quantidade de bitcoins sendo negociados nesses mercados tem crescido consistentemente ano após ano.

A concentração de liquidez em algumas exchanges chinesas como a Huobi e OKCoin, na Bitfinex de Hong Kong e em outros players relevantes da Europa e América do Norte, também traz um componente de risco para o preço do bitcoin, já que a falência de um desses atores pode impactar o preço do ativo de forma drástica.

A história atesta, entretanto, que falhas em corretoras de alta liquidez impactam o preço do ativo de forma temporária, mostrando que a proposta de valor da tecnologia ainda se mantém.

O risco de mercado estará sempre presente. Alguns aspectos podem ser mais mitigados que outros. Mas uma coisa é certa: a cotação será sempre flutuante. Para o bem e para o mal.

Risco de sistema

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Esta é uma das maiores preocupações – e com razão – dos novos usuários: a segurança do sistema. Se não há nenhuma autoridade responsável, como podemos confiar que não roubarão nossas contas? Como podemos ter certeza de que não haverá fraude? Quem garante o funcionamento da rede?

Todas essas questões são preocupações pertinentes. Para entender detalhadamente como a segurança do sistema é mantida, recomendo estes artigos (aqui e aqui). Em síntese, a segurança do sistema depende de três mecanismos principais: a criptografia moderna, a rede peer-to-peer e o conjunto de incentivos contidos no protocolo.

A criptografia moderna provê um elevado nível de segurança por meio de comprovação matemática. No bitcoin, a chamada criptografia de chave-pública possibilita que as transações sejam públicas sem revelar nenhuma informação sensível das partes transacionando.

Também por meio dessa criptografia, qualquer usuário pode comprovar a autenticidade das transações – verificando que quem está transferindo bitcoins realmente tem fundos e possui a chave privada capaz de assinar digitalmente a transação –, embora não se saibam as identidades por trás de cada um.

Todo o processo de mineração também é alicerçado na criptografia. Após a validação das transações, um minerador precisa despender energia e força computacional para resolver uma função criptográfica (hash function) e provar à rede que a solução está correta para poder, então, receber a recompensa de bitcoins. Esse é o conceito da prova-de-trabalho (proof-of-work). Isso é o coração do bitcoin, é o principal mecanismo de segurança da rede, é o que a mantém pulsando.

Como a mineração é um processo competitivo, quanto mais força computacional investida na rede, mais difícil se torna o problema criptográfico – o sistema calibra automaticamente a dificuldade de modo a manter sempre o tempo médio de 10 minutos entre cada bloco minerado.

Depois de quase oito anos de existência, a rede bitcoin conta com força computacional de cerca de 2.000 PH/s (um petahash significa um quatrilhão de tentativas de cálculo da prova-de-trabalho por segundo). Esse é o chamado hashrate, a medida de potência da rede.

Não há nenhum outro projeto de computação distribuída tão potente quanto o bitcoin. Para colocar esse número em perspectiva, essa capacidade de processamento supera em milhares de vezes a dos 200 supercomputadores do planeta somados.

Esse atributo da rede é fundamental, porque torna o blockchain (o livro-contábil no qual estão registradas todas as transações ocorridas desde o início do sistema) computacionalmente impraticável de perverter. Em termos probabilísticos, o blockchain pode ser considerado praticamente imutável, e a criptografia joga um papel-chave nesse processo. Ademais, uma vez que há total transparência no sistema, qualquer tentativa de fraude é rápida e facilmente detectada.

Já a rede P2P encarrega-se da tarefa de propagar as transações e os blocos minerados rapidamente. Por meio dela, cedo ou tarde, todos os participantes ficam cientes das novas transações e dos blocos gerados, fazendo com que cada um detenha uma cópia fidedigna e sempre atualizada do blockchain.

Essa arquitetura de redes (P2P) é também uma das fontes da resiliência do sistema. Dado que não há um servidor central ou uma autoridade centralizada, é virtualmente impossível parar o bitcoin. Não há meios para obstruir o seu funcionamento. Tampouco é possível congelar ou confiscar contas, ou impedir usuários de transacionar. Usando a definição de Nassim Taleb, o bitcoin é um sistema antifrágil.

E, por fim, o conjunto de incentivos amarra todos esses elementos, fazendo com que o comportamento honesto seja estimulado e que os participantes cheguem, a cada dez minutos, a um consenso quanto ao estado das transações que ocorreram na rede. Voluntariamente e tacitamente, o consenso distribuído é alcançado. A confiança em atores conhecidos e centralizados é substituída pela confiança na força computacional.

Em termos de teoria dos jogos, o bitcoin é uma verdadeira façanha. Nakamoto conseguiu fazer os custos serem sempre superiores aos benefícios em ações mal-intencionadas. Dito de outra forma, o que um ator mal-intencionado tem a ganhar é sempre menor aos custos que terá de incorrer para tentar corromper o blockchain. É mais rentável seguir as regras do sistema que tentar burlá-las.

Por isso tudo, o blockchain nunca foi violado, nunca foi hackeado, muito embora ele tenha sido alvo de ataques desde seu início. Jamais foi desviado um mísero satoshi (0,00000001 BTC). Nenhum minerador tampouco logrou criar mais bitcoins do que o protocolo estabelece a cada momento. Porque, apesar de não existir um ente centralizado incumbido de assegurar a autenticidade das transações, todos os usuários estão a todo instante monitorando o sistema, fazendo com que as regras sejam cumpridas.

O bitcoin não é controlado por ninguém individualmente, mas sim por todos os participantes coletivamente. Esse modelo de segurança é uma absoluta quebra de paradigma em um sistema financeiro.

Isso não quer dizer que o bitcoin seja perfeito e imune a qualquer falha. Longe disso. Como qualquer software, o bitcoin é um sistema vivo e em constante aprimoramento. Bugs foram encontrados e sanados no passado. Alguns mais vitais que outros.

Vulnerabilidades futuras poderão ser descobertas e, dependendo da relevância, podem minar a confiança no sistema como um todo. O fato de ser um software com código-fonte aberto mitiga esse risco, pois há um número considerável de desenvolvedores, especialistas e voluntários testando continuamente o código do bitcoin em busca de falhas e oportunidades de melhoria.

Mas o fato de ser um software de código-fonte aberto também traz incertezas, especialmente relacionadas à governança do sistema. Os desafios para escalar o bitcoin evidenciam justamente esse ponto. Toda a discussão acerca do tamanho do bloco e como/quanto/quando aumentá-lo gerou um desgaste grande na comunidade e causou divisões no grupo de desenvolvedores líderes do projeto.

Além disso, as atualizações propostas pelos desenvolvedores necessitam de consenso elevado (quase unanimidade) para serem adotadas de fato. Isso faz com que atualizações mais sensíveis, ou que dizem respeito a alterações mais profundas do protocolo, tenham que ser implantadas muito cautelosamente.

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Vulnerabilidades na rede, bugs no software e dificuldades de atualizar o sistema podem todos impactar negativamente no preço do bitcoin no mercado. Atualizações feitas às pressas ou sem as devidas precauções podem elevar o risco de uma bifurcação do blockchain (hardfork), o que pode afetar a própria utilidade dos bitcoins pós-bifurcação.

Risco de usabilidade

Dos três riscos aqui discutidos, este é sem dúvida o que tem a maior probabilidade de trazer prejuízos aos usuários. São inúmeros os casos de perdas de bitcoin por causa de esquecimento de senhas, pendrives extraviados, discos rígidos formatados.

Em 2013, o americano James Howell jogou na lata do lixo um disco rígido que continha a sua carteira com 7.500 bitcoins, cerca de US$ 4,7 milhões. Imagine o tamanho do desgosto.

Por esse motivo, minha resposta imediata àqueles que me procuram para saber como investir no bitcoin é: aprendam como funcionam as carteiras, familiarizem-se com elas, entendam as diversas formas de armazenamento e, acima de tudo, façam os devidos backups antes de direcionar recursos relevantes a essa moeda digital.

Dito isso, vejamos quais são os riscos relacionados ao uso do bitcoin.

Primeiro de tudo, é importante entender que um bitcoin – ou frações de bitcoin – nada mais é que um mero registro no blockchain. Uma unidade de bitcoin é uma moeda escritural digital, ou um bem que reside como simples registro no blockchain.

Não há bitcoins propriamente ditos nas carteiras dos usuários. O que cada um guarda consigo são as chaves privadas (um número de 256-bit que, na prática, funciona como uma espécie de senha) que permitem ao detentor transferir bitcoins associados a um dado endereço, assinando digitalmente a transação e comprovando matematicamente ser o possuidor de dita chave privada.

A função de uma carteira digital é armazenar um conjunto de chaves privadas associadas a endereços aptos a receber e transferir bitcoins. Nesse sistema, portanto, posse significa propriedade. Assim como uma nota de dinheiro ou uma barra de ouro, um bitcoin é um ativo ao portador. Os mesmos cuidados que tomamos ao armazenar papel-moeda devemos ter com o bitcoin.

Se deixarmos cair uma nota de cem reais num bueiro, não há meios de recuperá-la, não há a quem recorrer. Se formatarmos o computador (ou extraviarmos o smartphone) no qual estavam salvas as chaves privadas, perderemos os bitcoins para sempre. Não há nenhuma forma de reaver os fundos perdidos. Repito: nenhuma.

A diferença com relação ao papel-moeda, porém, é que com o bitcoin é possível fazer infinitos backups das chaves privadas, tanto em formato digital quanto físico. Com o backup, pode-se importar a carteira e recuperar os fundos facilmente.

Há diferentes carteiras disponíveis para os usuários. A maioria é gratuita, outras, baseadas em hardware, podem custar algumas dezenas de dólares. A primeira e mais antiga é o próprio software padrão do bitcoin, que pode ser instalado em um desktop. Nesta página podem-se visualizar diversas opções.

Em formato web, a mais popular é a da empresa blockchain.info, que também oferece aplicativo para smartphone. Mycelium, breadwallet, GreenAddress e AirBitz também são carteiras para smartphone amplamente usadas. Embora sejam em ambiente online ou por meio de softwares de terceiros, a geração das chaves privadas ocorre inteiramente no lado do usuário e não nos servidores das empresas.

Existem empresas com serviços avançados – como a Xapo – que oferecem aos clientes cartões de débito (Visa ou Mastercard) capazes de gastar fundos de uma carteira online de bitcoins. A BitGo é outra empresa com serviços de carteira online com possibilidade de assinaturas múltiplas (multisig).

Para quem deseja mais segurança, existem carteiras em hardware como a Ledger e a Trezor. Nesses dispositivos, as chaves privadas são geradas e armazenadas no próprio hardware. Além disso, utilizam assinaturas múltiplas (second-factor authentication), o que provê ainda mais segurança ao usuário.

Recentemente os fundadores da extinta Coinkite desenvolveram a OpenDime, uma carteira em hardware que pode ser passada de mãos em mãos, como se fosse uma barra de ouro. Uma tremenda genialidade, por sinal.

Os mais paranoicos, contudo, não abrem mão da segurança máxima de uma carteira de papel (paper wallet). E, de preferência, gerada por um computador que jamais esteve em um ambiente online. Nesse formato, gera-se uma chave privada com um endereço público que devem ser anotados em papel ou impressos com uma impressora (levemente mais arriscado que simplesmente papel e caneta).

A maioria dessas carteiras possibilita backups que podem ser utilizados em qualquer outro software, não importando, portanto, se uma empresa responsável pela criação e manutenção de uma carteira quebrar.

Cada carteira oferece trade-offs em termos de disponibilidade, acessibilidade e segurança. As que funcionam na web ou em smartphone são consideradas carteiras em “hot storage” ou “hot wallet”, e as de papel são consideradas como “cold storage”, por não estarem online.

Imaginando um espectro de “hot e cold storage”, carteiras web seriam as mais “quentes”, e as de papel, as mais “geladas”. Hardware wallets como Ledger Nano e Trezor também seriam enquadradas dentro de “cold storage”, mas não tão “geladas” quanto as de papel.

Hot wallets permitem ampla disponibilidade e acessibilidade, mas menos segurança que cold wallets. Estas últimas, porém, são mais trabalhosas para ser utilizadas – não têm a mesma disponibilidade de uso que uma hot wallet.

Quanto depositar em cada carteira depende de cada um. Para o dinheiro do cotidiano – equivalente à soma de papel-moeda que carregamos no bolso –, uma carteira de smartphone é suficiente. Mas para somas mais consideráveis, é mais prudente utilizar hardware wallets e paper wallets. E mais de uma de cada. Tudo depende do volume de capital investido e do perfil de risco de cada um.

Decididas as carteiras a utilizar e realizados os devidos backups (seja em pendrives, seja em papel), guarde tudo em local seguro. E, por favor, não se esqueça desse lugar.

Segurança de bitcoin requer uma mudança cultural. Não estamos acostumados a guardar informação digital com segurança. Temos milênios de experiência com a segurança física (chaves, cadeados, baús, cofres), mas apenas alguns anos ou décadas com a digital. Felizmente, com o bitcoin é possível realizar backups e guardá-los tanto digitalmente quanto fisicamente.

A lição fundamental é que no bitcoin a responsabilidade de custódia recai integralmente sobre o usuário. Posse implica propriedade. Nunca se esqueça da máxima: suas chaves, seus bitcoins. Sempre tenha isso em mente para estar seguro de que você é o único que detém posse das chaves privadas.

Essa máxima deve ser lembrada especialmente quando se utiliza uma corretora para comprar bitcoins. Enquanto seu saldo de bitcoin não for retirado da corretora, isso significa que a posse das chaves permanece com ela e que você está numa relação credora. Lembrando: posse é propriedade. Se a corretora detém as chaves privadas, os bitcoins a ela pertencem.

Não mantenha saldos em corretoras por mais tempo que o estritamente necessário para fazer trades. Corra o risco da corretora pelo mínimo tempo possível, sacando os bitcoins para uma carteira que só você controle o quanto antes.

Esse aviso tem dois aspectos. O primeiro é o óbvio já mencionado: enquanto o saldo estiver na corretora, as chaves privadas estarão em posse dela e, portanto, a propriedade será dela. O cliente é apenas mais um credor nesse momento. Segundo, por mais que se adotem boas práticas de segurança – hot e cold wallets, multisig, etc. –, corretoras são os principais alvos para hackers. Como diz Rodolfo Novak, da OpenDime: “Exchanges são piñatas para hackers”.

A breve história do bitcoin está repleta de roubos de corretoras que resultaram em perdas aos clientes. Desde o espetacular colapso da MtGox, em 2013, até o mais recente hack da Bitfinex, não faltam episódios de corretoras que sofreram algum tipo de ataque – muitas vezes fatais.

Como qualquer empresa devidamente estabelecida, uma corretora está sujeita às penas da lei e pode ser acionada na justiça por seus clientes. Mas para aqueles que usam corretoras em outras jurisdições, essa nem sempre é uma via factível. Na dúvida, adote a prudência como a melhor prática: não delegue a responsabilidade de custódia a terceiros quando isso não é preciso.

Alguns podem estar lendo este artigo e concluindo que usar o bitcoin é muito complicado. Outros acreditam que a interface do usuário precisa ser melhorada para ser mais amigável de usar (more user-friendly). Em parte, concordo com essas visões. Mas a verdade é que estamos diante de algo realmente inédito, que exigirá mudança cultural e de atitude.

Por mais que se desenvolvam aplicativos incrivelmente amigáveis para usar o bitcoin, não será possível alterar o fato de que um bitcoin tem valor de mercado, de que não se trata de mera informação digital cuja preservação é desimportante. Todos usamos e armazenamos os mais variados arquivos digitais, como fotos, planilhas, vídeos, textos, mas a perda desses – ou o uso não autorizado por terceiros – nos traz prejuízos pouco relevantes.

Com um ativo digital, com uma criptomoeda, a situação é absolutamente distinta, e isso requer cuidados especiais. Por exemplo, para quem já possui um patrimônio não desprezível em bitcoin, é imprescindível definir um protocolo de recuperação no caso de morte. Os testamentos futuros poderão conter um valor considerável denominado na criptomoeda, mas se os herdeiros não tiverem meios de utilizar as carteiras, o patrimônio terá seu valor reduzido a zero para todos os fins práticos.

Essa precaução é essencial para gestores de investimento interessados em montar posições em bitcoin para diversificar o portfólio. Seja por meio de um fundo específico, seja por meio da tesouraria de uma empresa, definir um protocolo de uso e recuperação da carteira é mais importante que adquirir o ativo em si.

Quem terá acesso à carteira e autoridade para assinar transações? Um diretor, um sócio e um tesoureiro? Quantas assinaturas serão necessárias para efetuar uma transação? Quem será(ão) o(s) responsável(is) pela custódia das chaves privadas? Quanto alocar em cada tipo de carteira considerando os trade-offs acessibilidade e segurança? Tudo isso depende dos valores alocados e da estrutura de cada fundo/empresa.

Ser o fiduciário em investimento de bitcoins requer outros cuidados. Por exemplo, em caso de sequestro de um dos custodiantes, qual o protocolo? E caso um sócio fuja com as chaves privadas? E se o tesoureiro alegar que os servidores foram hackeados? É imprescindível realizar uma avaliação rigorosa de risco e estabelecer planos de contingência para todos os cenários.

Se você, gestor de recursos, está incumbido da tarefa de investir em bitcoins em nome dos seus clientes, pense que os cuidados necessários são equivalentes aos que seriam em caso de investimento em barras de ouro ou dólares em espécie. Onde você guardaria esse numerário? Em um cofre na sede da empresa? Em um cofre num banco? Quem teria acesso às chaves do cofre? Quem teria poderes para resgatar no banco? Quantos procuradores?

Enfim, essas considerações são fundamentais até para um gestor refletir e decidir se a melhor forma de investimento na criptomoeda é utilizando um fundo – assumindo para si a responsabilidade plena de custódia – ou recomendando a cada cliente que adquira e custodie por própria conta e risco.

Conclusão 

A ideia por trás do bitcoin é replicar as propriedades do dinheiro físico (cash) num ambiente digital (digital cash). Daí o nome dado por Satoshi Nakamoto, “Bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system” (um sistema de dinheiro eletrônico P2P). Por isso, também, são chamadas de carteiras (wallets), e não contas bancárias, os dispositivos para armazenamento desse dinheiro digital (digital cash).

Mas, ao contrário de carteiras físicas – em que não conseguiríamos guardar mais do que poucos milhares de reais ou dólares –, uma carteira de bitcoin é capaz de armazenar qualquer soma de dinheiro, equivalente a dezenas de dólares ou milhões, e tudo com a mesma funcionalidade. Isso implica em cuidados especiais e em uma mudança de atitude, inevitavelmente.

Quando é possível custodiar por conta própria commodities digitais com alto grau de liquidez e transferibilidade e em qualquer quantidade – sendo o bitcoin o pioneiro dessa nova classe de ativos –, precisamos adotar uma nova abordagem.

Com o papel-moeda tradicional, não costumamos manter boa parte da nossa liquidez em espécie – embora haja grandes fundos europeus querendo sacar dinheiro físico para guardá-lo em cofres e escapar dos juros negativos. Quando, porém, mantemos uma soma elevada, normalmente ela fica na forma de depósitos bancários (digitais) em poder dos bancos.

Também investimos milhões de reais em ações, título de renda fixa, títulos públicos, cotas de fundos, mas sempre delegamos a responsabilidade de custódia a inúmeros terceiros. Se algo der errado e porventura um sistema for hackeado, há maneiras de recorrer à Justiça, provar a titularidade de um dado ativo e reavê-lo (sejam depósitos, sejam ações). No bitcoin, se você está custodiando seu próprio saldo, esse recurso não existe.

O ineditismo do bitcoin traz benefícios e desafios, e resulta em riscos inusitados como o da usabilidade. Procurei sintetizar os principais riscos associados a essa inovação revolucionária. Mas lembrem-se: o bitcoin é um sistema vivo em constante evolução; pode ser que algumas das soluções ou aplicativos aqui elencados nem existam no futuro ou estejam já obsoletos. Talvez em alguns meses, ou anos, precisarei atualizar o que aqui foi dito.

Espero que este artigo possa servir como fonte de referência a todos aqueles que desejam usar e comprar o bitcoin.

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Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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