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Jim Rickards está errado sobre os pontos positivos do ouro e os negativos do bitcoin

Autor de “Currency Wars” e “Death of Money”, Jim Rickards é famoso por suas visões cataclísmicas sobre o sistema financeiro mundial. Em seu último livro, “The New Case for Gold”, Rickards defende a ideia de que o ouro deva ser adicionado aos portfólios de investidores, especialmente durante cenários de crises financeiras, instabilidade política e volatilidade nos mercados. Um ativo de proteção, um refúgio seguro. Concordo integralmente com sua tese, embora acredite que o ouro tenha perdido  um pouco do seu brilho natural no mundo digital em que vivemos, ainda mais depois do advento do bitcoin. O que nos leva a um recente artigo escrito pelo investidor, intitulado “Crypto-currencies and the fate of the dollar”, no qual Rickards levanta alguns pontos positivos e negativos do dólar e do bitcoin – duas moedas digitais, segundo ele – em relação ao ouro. Como não consigo permanecer em silêncio quando me deparo com gold bugs apontando falhas no bitcoin, quando na verdade se tratam de vantagens, vejamos onde Rickards está errado.
Por  Fernando Ulrich
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Autor de “Currency Wars” e “Death of Money”, Jim Rickards é famoso por suas visões cataclísmicas sobre o sistema financeiro mundial. Em seu último livro, “The New Case for Gold”, Rickards defende a ideia de que o ouro deva ser adicionado aos portfólios de investidores, especialmente durante cenários de crises financeiras, instabilidade política e volatilidade nos mercados. Um ativo de proteção, um refúgio seguro.

Concordo integralmente com sua tese, embora acredite que o ouro tenha perdido  um pouco do seu brilho natural no mundo digital em que vivemos, ainda mais depois do advento do bitcoin.

O que nos leva a um recente artigo escrito pelo investidor, intitulado “Crypto-currencies and the fate of the dollar”, no qual Rickards levanta alguns pontos positivos e negativos do dólar e do bitcoin – duas moedas digitais, segundo ele – em relação ao ouro.

Como não consigo permanecer em silêncio quando me deparo com gold bugs apontando falhas no bitcoin, quando na verdade se tratam de vantagens, vejamos onde Rickards está errado.

Primeiro de tudo, e ao contrário do que alega o autor logo no início do texto, ouro e prata não são dinheiro. Já o foram no passado, mas não mais o são. Hoje ambas as commodities – essencialmente são nada mais que commodities – servem como ativos de proteção nos portfólios de investidores, mas estão longe de funcionarem como moeda, como meio de troca.

Essa tendência, a de classificar ouro e prata como moeda, é recorrente entre os gold bugs, em especial entre os economistas da Escola Austríaca. Estão equivocados, porém, pois há bastante tempo nenhuma dessas duas mercadorias pode ser considerada dinheiro.

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Mas esse é um mero adendo, apenas não queria deixar passar em branco esse ponto. Prossigamos.

Muito embora Rickards demonstre entender relativamente bem como funciona o bitcoin, ele peca ao sugerir que uma solução potencial à volatilidade seria “atrelar o preço da criptomoeda ao ouro, a uma taxa fixa”.

Isso não faz sentido tanto em termos práticos quanto teóricos.

Rickards sugere utilizar um patrocinador (sponsor), um ente responsável pela conversão de bitcoin em ouro. Obviamente, isso requer consenso entre a comunidade toda, o que o autor devidamente reconhece. Mas como lograr isso na prática? Sendo o bitcoin uma moeda ou ativo global, seria necessário haver uma caixa de conversão em diversos pontos do planeta.

Mas, antes disso, teria de ser instituído um responsável – o patrocinador – pela aquisição de ouro para manutenção das reservas metálicas que lastreariam a massa monetária de bitcoin. Como escolher tal entidade? Qual seria sua jurisdição? Nem entrarei na questão quase insolúvel de como definir a paridade correta bitcoin/ouro.

Mas vamos ignorar os pontos acima e assumir, pelo bem da argumentação, que uma instituição tenha sido definida como o patrocinador do esquema. Pergunto: como ela seria capaz de dar cabo das oscilações na cotação do bitcoin, injetando ou removendo liquidez no mercado de modo a manter a paridade acordada? Sendo o bitcoin um sistema em que a criação de novas unidades monetárias se dá de forma descentralizada, um ente central é incapaz de controlar ou regular a oferta de moeda.

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Aí jaz uma falha crítica no esquema proposto – que tem a ver com um provável desconhecimento de Rickards quanto ao processo de criação de novos bitcoins. Atrelar uma moeda ao preço de outra ocorre quando há um emissor centralizado – no bitcoin não há –, o qual é o único responsável pelo passivo emitido (moeda).

Historicamente, esse tipo de mecanismo visava proporcionar aos usuários da moeda uma previsibilidade de valor, uma garantia de que não haveria sobre-emissão de passivos monetários, uma maior segurança quanto à disciplina monetária do ente emissor. Em miúdos, uma relativa proteção quanto à inflação de moeda.

Isso significa que o lastro em uma moeda de reserva ou commodity (como o ouro) tem o papel de controlar ou regular a oferta de moeda, a quantidade de moeda. Mas, no caso do bitcoin, esse, definitivamente, não é o problema. A raiz da volatilidade está na demanda, não na oferta.

Dado que é plenamente conhecida a taxa de criação de novas moedas – uma regra pétrea do protocolo do bitcoin –, não há qualquer incerteza quanto à oferta da criptomoeda. Dos fatores determinantes ao preço do bitcoin, pelo menos o lado da oferta está equacionado. A complexidade está em prever a demanda pelo ativo.

Ou Rickards definitivamente desconhece o processo de criação de bitcoins ou não entende a função de um lastro de valor.

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Em termos teóricos, contudo, o esquema proposto é um contrassenso ainda maior. Primeiro porque uma das inovações fundamentais do bitcoin é a de prescindir de um terceiro de confiança, eliminando a dependência de uma única entidade centralizada. Rickards aconselha justamente reintroduzir um terceiro, reinstaurar a necessidade de confiar em uma instituição centralizada incumbida da manutenção do sistema ou de parte dele.

Isso reinstitui o chamado risco da contraparte, inserindo na rede do bitcoin um ponto único de falha (single point of failure), justamente o que hoje inexiste no sistema. Essa característica, em realidade, seria uma debilidade, uma fraqueza, jamais uma virtude. A solução aventada por Rickards carece de praticidade e embasamento teórico.

Além do mais, a volatilidade na cotação da criptomoeda tem diminuído consistentemente, comprovando, empiricamente, que volatilidade atual não é impeditivo para uma maior adoção.

Outro problema apontado pelo investidor é que o bitcoin ainda não sobreviveu a um ciclo econômico e de crédito completo. Em uma eventual recessão, argumenta o autor, investidores têm experiência suficiente para prever como se comportariam classes de ativos como ações, bônus e ouro, mas não saberiam prognosticar o que aconteceria com o bitcoin.

Não disputo a falta de experiência que temos com o bitcoin, afinal de contas, estamos falando de uma tecnologia com nem oito anos de existência, sendo que o histórico de preço de mercado é ainda menos longevo. É natural haver incerteza quanto à demanda futura por esse ativo inédito.

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E não poderia ser diferente. O mundo está recém aprendendo sobre o bitcoin, suas vantagens, desvantagens, riscos, utilidades. Nunca tivemos uma commodity puramente digital com propriedades tão particulares e paradigmáticas. A demanda é volátil porque estamos lidando com algo sem precedentes; ela não é devida a nenhum defeito estrutural, é simplesmente consequência de ser um bem absolutamente novo.

O inegável limbo jurídico, legal e fiscal em que se encontra o bitcoin é fruto também de seu ineditismo. Mas discordo de Rickards quando afirma que isso seria mais um empecilho para os investidores. Na pior das hipóteses, recolhe-se imposto sobre ganho de capital e pronto, situação idêntica à da maior parte das classes de ativos, incluindo aí o metal precioso.

O fato é que, uma vez compreendidos os atributos desse ativo, o que antes era tido como desvantagem passa ser visto como qualidade. O que antes gerava ceticismo se torna a fonte da confiança. E aos poucos a percepção dos investidores acerca desse ativo vai sendo formada, e à medida que o tempo passa, mais investidores reconhecerão por que o bitcoin deve ser encarado como um ativo de proteção, um novo porto seguro, o ouro digital do século XXI.

Outro fator de incerteza, segundo o autor, é que, desde a invenção do bitcoin, em 2009, a economia mundial teve parco crescimento, mas nenhum pânico financeiro ou recessão técnica. A criptomoeda, portanto, ainda não foi devidamente testada em momentos de turbulência.

Ora, o mundo está imerso, desde 2008, em uma crise financeira cujos desequilíbrios seguem sendo estancados artificialmente pelos principais bancos centrais do planeta.

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O bitcoin surgiu justamente como uma resposta à instabilidade financeira mundial e, não surpreendentemente, tem sido bastante demandado nos episódios de tensões econômicas e políticas desde então. Foi assim com a crise bancária no Chipre em 2013, na Grécia em 2015 e, neste ano, na Inglaterra, com os temores do Brexit. Nem precisamos mencionar a Venezuela e a Argentina.

Contrariando Rickards, creio ser precisamente nas crises que os investidores terão ainda mais segurança em um ativo como o bitcoin.

Mas a crítica essencial do investidor é outra e diz respeito à intangibilidade do bitcoin. No parágrafo final, Rickards diz claramente o que o inquieta:

“Uma das coisas que eu gosto sobre o ouro é que ele não é digital, não depende da internet, não depende da rede elétrica. Ele tem valor intrínseco independente dessas coisas. Se cair a rede elétrica, os seus bitcoins são inúteis, imprestáveis. Eu não sou anti-bitcoin, mas o ouro físico não tem as deficiências do bitcoin e de outras moedas digitais como o dólar.”

Há dois elementos importantes a serem abordados nessa argumentação: um tem a ver com o valor intrínseco do ouro; outro, com a materialidade, mas deixarei este último para um próximo artigo, pois é uma questão que merece ser aprofundada com esmero.

Todo economista sensato sabe que não existe valor intrínseco, dado que a valoração de algo é sempre subjetiva. Sempre. Existem, contudo, propriedades intrínsecas, mas não valor. O que Rickards na verdade quer dizer é que, se a internet e a rede elétrica caírem, uma barra de ouro não irá desaparecer, mas o bitcoin, sim – pelo menos enquanto ambas as tecnologias estiverem fora do ar.

Mas se der alguma pane na internet e na rede elétrica, o Google também não valerá quase nada. Assim como a Amazon, a Microsoft, a GE, enfim, a economia moderna no estágio atual não funcionaria na ausência dessas tecnologias. Tal cenário é não apenas altamente improvável, como inútil do ponto de vista prático de investimento. Por quê?

Porque se a decisão de investir se justifica em cenários catastróficos como esse, o percentual a ser alocado no ativo deveria ser bastante baixo, quase irrelevante. Não apenas devido à baixíssima probabilidade de ocorrência desses eventos, como também porque, mesmo em um cenário insólito, a utilidade de uma barra (ou moedas) de ouro seria seriamente limitada.

Outro aspecto relevante, e que Rickards parece não perceber, é que o metal precioso não é nada independente de tecnologias. Afinal de contas, ouro precisa ser encontrado, extraído, separado, refinado, cunhado, transportado, estocado. Isso requer muita tecnologia, ainda mais se considerarmos o ouro como reserva em sistemas de pagamentos, por meio dos quais se poderia transacionar em longas distâncias.

Jim Rickards considera ainda cedo para investidores incluírem bitcoin nos seus portfólios. Francamente, discordo em absoluto; já passou da hora de os investidores considerarem o bitcoin como uma diversificação extraordinária nas suas carteiras.

Uma das coisas que gosto do bitcoin é que ele é digital, não depende de transportadoras ou bancos. Eu não sou “antiouro”, longe disso, mas o metal, mesmo com a internet, a rede elétrica e todos os avanços da modernidade, não serve lá para muita coisa. E se o seu ouro estiver custodiado por um terceiro, há o risco de essa contraparte sumir com ele, tornando-o completamente inútil ou imprestável.

O bitcoin não tem as deficiências do ouro físico, mas tem todas as suas qualidades. É o ouro digital. Um ativo simplesmente brilhante, na forma mais abstrata possível.

Fernando Ulrich Fernando Ulrich é Analista-chefe da XDEX, mestre em Economia pela URJC de Madri, com passagem por multinacionais, como o grupo ThyssenKrupp, e instituições financeiras, como o Banco Indusval & Partners. É autor do livro “Bitcoin – a Moeda na Era Digital” e Conselheiro do Instituto Mises Brasil

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