Não explica que é pior: o call “surpresa” da Sanepar que piorou sua imagem com mercado

O que era pra ser uma conferência para esclarecer a alguns investidores o parecer preliminar do reajuste tarifário tornou-se um "show de horrores" com trocas de hostilidade entre grandes gestores e a empresa paranaense de saneamento; ações chegaram a cair 20% após o call

Thiago Salomão

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SÃO PAULO – Uma pequena ação da Bovespa roubou a cena nesta quinta-feira (9): após o anúncio da decepcionante revisão tarifária preliminar, a Sanepar (SAPR4) viu suas ações caírem até 12% durante a manhã. Os dois pontos que mais frustraram o mercado na decisão da Agepar (Agência Reguladora do Paraná) ficaram com o diferimento de oito anos para o reajuste de 25,63% – o que aumenta o risco político da empresa – e o reajuste inicial, de 5,7%. 

Diante disso, a Sanepar tomou uma decisão a princípio inteligente: convocou uma “call” com os principais investidores que participam da sua estrutura societária para esclarecer tais dúvidas e acalmar os ânimos do mercado. Se a ideia parecia boa, a conclusão não foi tanto assim…

A call feito às pressas teve início às 16h (horário de Brasília) e durou quase 1 hora. Muitos investidores não conseguiram entrar por conta das linhas cheias (o InfoMoney participou da teleconferência, mas sem enviar perguntas). Aos participantes, ficou a impressão de que era melhor a empresa ter ficado calada: minutos depois da call, os papéis SAPR4 chegaram a cair 19,5%, atingindo R$ 10,91. Ao final do dia, a queda foi de 17,71%, a R$ 11,15.

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Destaque ainda para o volume financeiro negociado em Bolsa: R$ 343,9 milhões, muito acima da média diária dos 21 pregões anteriores – de R$ 63,8 milhões. Apesar da queda, as ações da empresa ainda acumulam ganhos de 6,30% em 2017, bem abaixo dos 43,3% que chegaram a registrar neste ano.

“Empresa + Mercado” ou “Empresa vs Mercado”?

Quem acompanhou a call viu um cenário de bastante tensão entre a representante da companhia paranaense e os analistas e gestores de mercado. “A empresa tirou totalmente o dela na reta, achei bem ruim por parte da companhia, era melhor nem ter feito o call”, destacou um gestor de mercado que possui ações da Sanepar na carteira.

Tal tensão foi percebida logo na primeira pergunta: quando questionada sobre os motivos para a Agepar ter feito tal revisão tarifária preliminar, a resposta da direta foi atravessada: “pergunte para o regulador, eles decidiram que deveriam acatar dessa forma”. Isso deu a entender, por parte de muitos agentes, que a empresa não estaria disposta a reverter esse cenário negativo para a companhia. 

As contestações foram fortes especialmente porque, durante os roadshows para a oferta de ações (ou re-IPO) em dezembro e que colocou a SAPR4 no radar do mercado, a promessa da empresa era de uma revisão tarifária de 14%. E, agora, após o comunicado da Agepar, a empresa mostrou pouca disposição para buscar o reajuste prometido – e que atraiu muitos fundos de investimentos para aportar capital na companhia. 

Revoltado com esta situação, um dos investidores participantes chegou a falar que o mercado deveria “tomar medidas legais”, sugerindo que a empresa inflou as expectativas dos investidores para que, dessa forma, eles participassem com mais ênfase à oferta de ações. “Quando o estado do Paraná e a empresa vieram pedir dinheiro para o mercado, a postura era uma, agora que pegaram o dinheiro a postura é outra, fala que tem questão política e tudo mais. Sinto que fui lesado”, disse um dos investidores durante a call.

A empresa se defendeu, argumentando que os mesmos investidores que estão reclamando são os mesmos que não participaram destas discussões com a Agepar. “Elas aconteceram desde fevereiro. Vocês precisam estar cientes de que estamos defendendo os interesses da Sanepar com unhas e dentes”, disse a representante da empresa. Outro participante rebateu falando que neste momento tenso seria muito bom o mercado saber que está sendo representado pela empresa nas negociações. “A resposta que temos hoje de ‘falem com o regulador’ mostra que não estamos representados”, disse este analista.

Risco político: e se Requião voltar?
O risco político também ganhou destaque após a representante da Sanepar questionar se seria justo uma revisão tarifária maior, de 5,7% mais a inflação, em um cenário de crise econômica. Um dos participantes da call questionou a fala, destacando que “passar a mão na cabeça do consumidor” com um reajuste tão baixo este ano destrói valor e é bem pior do que buscar regras claras e ser mais ortodoxo.

A questão política se soma levando em conta que duas eleições para o governo paranaense estão por vir – e que ninguém sabe quem será eleito. Uma das perguntas recorrentes foi: “e se o Roberto Requião for eleitor governador?”, referindo-se ao peemedebista que é conhecido por não ser nem um pouco pró-mercado.  Um dos analistas participantes inclusive falou da foto divulgada à imprensa da reunião com a Agepar, na qual o filho do ex-governador (o deputado estadual Roberto Requião Filho) aparece entre os participantes.

Neste sentido, o reajuste tarifário apresentado pela Agepar reacendeu os temores e ainda aumentou as especulações sobre porque o reajuste proposto foi tão baixo no primeiro ano. Uma das explicações é que o tucano Beto Richa, atual governador do Paraná, poderia querer fazer o seu sucessor ao buscar um reajuste mais leve neste ano.

Vender ação agora seria “emocional demais”
O InfoMoney conversou com alguns dos participantes do call, que pediram para não serem identificados. Para um deles, que é gestor de um fundo de investimento com participação na Sanepar e em outras empresas do setor na Bolsa, a percepção sobre o call foi “péssimo, muito ruim”, e ele argumentou que o reajuste como foi proposto não faz sentido para a companhia, para o consumidor (que no final acabará pagando mais caro) e até para o governo, uma vez que faria mais sentido reajustar um valor maior agora e não nos próximos anos (quando a tarifa já será reajustada pela Selic), uma vez que 2018 será o ano eleitoral. Ou seja, todo mundo sai perdendo.

Apesar da decepção, ele mesmo argumenta que vender as ações agora seria agir de forma muito emocional. “Nas nossas contas, se tivermos apenas um reajuste agora e mais nenhum no futuro, as ações da Sanepar deveriam valer R$ 13,00, ou seja, elas já estão baratas no patamar atual”, diz o gestor – no momento da sua fala, os papéis SAPR4 marcavam R$ 11,60 cada. Ele mencionou ainda que a queda de Sanepar também puxou as outras duas empresas do setor na Bolsa: a mineira Copasa (CSMG3, R$ 46,26, -12,09%) e, em menor grau, a paulista Sabesp (SBSP3, R$ 31,34, -4,54%). 

Um outro gestor, que não participou da call mas iria falar com a empresa ainda nesta quinta-feira, disse que estudou com detalhes todos os pontos da proposta apresentada pela Agepar e sua conclusão foi que o anúncio não foi ruim. Ao questionar o risco político, ele disse: “isso vai existir para qualquer empresa regulada pelo governo. Se você não quer risco político em empresa regulada, é melhor não investir nelas”, disse o gestor, que vê como solução para essa questão a criação de um órgão regulador forte que mantenha a proposta de reajuste de pé para os próximos 8 anos mesmo que um governador “anti-mercado” venha a ser eleito em uma das próximas duas eleições.

“Não me desfiz da ação, e aproveitei as quedas desse final de pregão para encarteirar um pouco mais”, disse o gestor.

´Do lado do “sell side”, o otimismo prevalece. Um dos mais entusiastas da ação, o Bradesco BBI – que chamou a Sanepar em fevereiro de “o call da década do setor de utilities” – traçou dois cenários de estresse, que levou a duas conclusões muito importantes: i) caso fosse ignorado o reembolso dos fluxos de caixa depois de 2020 (ou seja, que a Sanepar cumpra apenas 4 anos do aumento tarifário), o preço-alvo iria para R$ 19.50 (queda de R$ 1,50 de perda dos 4 anos de fluxo de caixa) e ii) assumindo que a Sanepar terá apenas o aumento de 5.7% (refletindo uma RAB de R$ 9 bilhões), o preço-alvo iria para R$ 13,50. Ou seja, o preço do papel reflete que a empresa não repassará os aumentos diferidos nos próximos 7 anos. 

Nesta quinta, após o anúncio da Agepar, o Bradesco BBI reduziu o preço-alvo de R$ 24,00 para R$ 21,00, mas manteve recomendação de compra para os ativos.

Pela revolta dos gestores e analistas de mercado, o barulho será grande na audiência pública sobre a revisão, que se dará entre os dias 10 e 22 de março. Será que a decisão da Agepar será amenizada? 

Thiago Salomão

Idealizador e apresentador do canal Stock Pickers