Tragédia da Vale renova polêmica da reforma trabalhista; entenda os trâmites na Justiça

Limitação da indenização a 50 salários tinha sido alterada por MP que perdeu a validade, mas juízes podem garantir indenizações mais robustas  

Paula Zogbi

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SÃO PAULO – Com a morte de pelo menos 12 funcionários (próprios ou terceirizados) decorrente do rompimento de uma barragem de rejeitos em Brumadinho (MG), a Vale pode ter protagonizado o maior acidente de trabalho da história do Brasil – e deverá pagar as indenizações cabíveis nos próximos meses (ou anos). Mas um ponto da nova legislação trabalhista pode acabar prejudicando algumas das famílias lesadas.

Na redação original, a nova CLT limitou a indenização de cunho moral para trabalhadores a até 50 vezes o último salário contratual do ofendido em casos de ofensa gravíssima. Antes, não havia teto para o pagamento.

Thereza Cristina Carneiro, sócia responsável pela área trabalhista no escritório CSMV Advogados, explica que este ponto da legislação sempre foi controverso e chegou a ser temporariamente invalidado pela Medida Provisória (MP) 808 – que alterou pontos-chave da reforma.

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A vida de um trabalhador que ganha salário de R$ 5 mil não vale menos do que a de um que ganha R$ 50 mil”, explica a advogada, membro da AATSP – Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. Justamente por este entendimento, que fica escancarado no caso das mortes em Brumadinho, a redação da MP previa um teto relacionado ao limite do pagamento do INSS, e não do salário do indenizado.

A MP, porém, perdeu validade em 23 de abril de 2018 sem sequer ser submetida ao Congresso Nacional para tornar-se permanente. A regra voltou, portanto, à redação original, que pode prejudicar familiares de trabalhadores com salários menores – como se suas vidas valessem menos.

Depende do juiz

Thereza acha pouco provável, porém, que a decisão de qualquer juiz sobre o caso da Vale seja a de limitar as indenizações a 50 salários. Isso porque há outros pagamentos, além de danos morais e patrimoniais, aplicáveis ao caso – como pensão aos parentes dos funcionários, por exemplo. “Acho muito difícil que os juízes apliquem esse parâmetro [salarial]”, disse a especialista.

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Funcionários e terceirizados

A partir de agora, os trabalhadores lesados e seus familiares têm dois caminhos para obter as indenizações cabíveis com o caso: ações individuais ou coletivas – o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Sindicato da categoria podem pleitear as ações coletivas por conta própria.

Thereza explica que, no caso de Mariana, há casos tramitando na Justiça de ambas as naturezas. A tragédia de Mariana, vale lembrar, ocorreu há mais de 3 anos, em novembro de 2015.

Desta vez, boa parte dos trabalhadores atingidos eram terceirizados, o que, também graças à mudanças recentes na legislação, cria dúvidas sobre os caminhos disponíveis aos trabalhadores.

A advogada explica que, pela nova lei da terceirização (sancionada em março de 2017), a Vale, como contratante do serviço, responde apenas de forma subsidiária pelos danos. “Quem responderia primeiro seria o empregador [quem contratou os funcionários] e depois o contratante [quem terceiriza o serviço: a Vale]”, diz.

Neste caso em específico, porém, Thereza vê a possibilidade de a Justiça entender responsabilidade da própria Vale, pelo teor do ocorrido.

Responsabilidade objetiva

Em Mariana, a Justiça aplicou um conceito chamado Responsabilidade Objetiva, onde não se faz necessário julgar se houve culpa na situação, pela objetividade do dano. “Simplesmente aconteceu e isso já traz automaticamente uma responsabilidade”, explica a especialista.

Como o rompimento de barragem é reincidente no caso da Vale, é possível que a Justiça mude o formato da responsabilização da empresa e, com isso, traga a necessidade de julgar se houve culpa de pessoa física ou jurídica.

“Não tem como escapar [de um julgamento de culpa]. No momento em que você tem a reincidência, fica mais difícil argumentar que foram tomadas todas as cautelas”, opina. Ela revela, porém, que a indenização aos trabalhadores seria a mesma em ambos os casos. Do ponto de vista trabalhista, a mudança mais significativa seria o tempo do processo. “Quando há responsabilidade objetiva, já houve casos que o juiz sequer pedia perícia, o que agiliza o processo”, comenta.

Caso haja julgamento de culpa, é possível que a Vale seja considerada culpada como empresa e seus dirigentes como pessoa física. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, falou nesta segunda (28), em responsabilidade penal a partir da avaliação da “falha de cada um para permitir esse desastre”.

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Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney