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Ilações, Jeitinhos e Lava-Jato: a relação entre subdesenvolvimento e corrupção

Nunca tinha ouvido falar antes da Lava-Jato. Mas a quantidade de vezes que ouvi depois beira à loucura
Por  Terraço Econômico
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

*por Arthur Solowiejczyk, editor do Terraço Econômico

Aprendemos muita coisa com a Operação Lava-Jato. Aprendemos, por exemplo, que a relação entre Ministério Público e Polícia Federal nem sempre é muito amistosa. Aprendemos o que era a tal da condução coercitiva. Descobrimos também que o pessoal da Polícia Federal não se preocupa muito com o design dos slides em suas apresentações ao público.

Mas a que a mais gosto é da palavra ilação. Nunca tinha ouvido falar antes da Lava-Jato. Mas a quantidade de vezes que ouvi depois beira à loucura. Ilação, segundo o site Dicio, é:

1) Dedução; o que se conclui partindo de inferências e deduções.
2) Inferência; proposição aceita como verdadeira pela comparação com outras igualmente verdadeiras.
3) Ato de fazer inferência, de deduzir, de concluir: ilação de possibilidades
Lula, por exemplo, é um defensor da utilização do termo.

“A reportagem levada ao ar hoje em telejornal da TV Globo repete as mesmas ilações e falsas denúncias que vêm sendo feitas contra Lula ao longo dos últimos dois anos, agora a partir de textos escritos em idioma inglês. Mas uma mentira será sempre uma mentira, seja em português ou em inglês”.

“Eu fico chateado por uma ilação feita nesse processo contra mim pelo senador Delcídio. Portanto, eu gostaria de dizer que eu estou aqui pra responder a toda e qualquer pergunta”.

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Eduardo Cunha também gostava do termo:

“(…) Cunha contestou com “veemência” o que chamou de “ilações” a denúncia apresentada por Janot” [3]

Após tornar públicos os depoimentos dos executivos da Odebrecht, as desculpas esfarrapadas dos acusados esbarraram novamente na utilização da “Ilação”, voltando aos trending topics de Brasília. Mas cá pra nós: essa ideia de negar até o fim diz muito sobre nós brasileiros, não é mesmo?

Temos dificuldade de assumir nossos erros. Diferenciamos pequenas corrupções cotidianas das corrupções organizadas. Talvez – e aqui vale a reflexão – os políticos em Brasília só estão refletindo o comportamento na nossa sociedade? O famoso jeitinho, sacramentando por Buarque de Holanda como homem cordial, por mais que pareça inofensivo, acaba se enraizando nas práticas políticas.

Veja o exemplo do escândalo de Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer; um pedido “inocente” de liberação de obra de um prédio em Salvador, o La Vue, onde possui um apartamento de luxo em construção. Que mal tem? Também a reforma do sítio do ex-presidente em Atibaia… alguém tem dúvidas que os interesses pessoais ultrapassam os interesses públicos?

E nos outros países?
A Lava-Jato nos revelou esquemas de corrupção milionários. Era difícil ligar o rádio, TV ou ler notícias na internet com a cifra de “mil”. Era de milhão para cima. Até os históricos corruptos brasileiros ficaram enciumados com o tamanho da roubalheira.

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Em outros países, a sociedade tem reagido de forma bem distinta com alguns casos de corrupção. Na Suécia, o deputado Tomas Tobé usou, em benefício próprio, as milhas acumuladas no cartão que o Estado fornece a parlamentares para uso gratuito de trens e transportes públicos no país. Prejuízo aos cofres públicos: R$ 3,8 mil.  Apesar da investigação não ter terminado, um arrependido Tomas Tobé pediu desculpas públicas por seu ato.

Em Israel, o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert foi condenado por aceitar suborno e por mentir à Justiça. O ex-premiê foi considerado culpado por ter recebido subornos em dois casos separados, um deles vinculado à construção em Jerusalém de um enorme complexo residencial chamado Holyland, quando era prefeito da cidade – entre 1993 e 2003.

Em caso recente na Córeia do Sul, após ser acusada de suborno, abuso de autoridade, coerção e vazamento de segredos governamentais após uma longa audiência, a ex-presidente Park Geun-hye sofreu um processo de Impeachment e está presa desde 30/03.

A sociedade cobra; a justiça pune.

A relação entre corrupção e desenvolvimento econômico

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E essa busca pela punição e pressão popular tem relação com o próprio desenvolvimento do país. Há dois indicadores interessantes para serem visualizados em um gráfico só: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que combina indicadores econômicos, sociais e educação e o Índice de Percepção de Corrupção, que é medido por meio da percepção de empresários e analistas sob a sua visão do país no que diz respeito à corrupção. Vamos aos dados:

IDH – Dados disponíveis em: http://hdr.undp.org/en/composite/HDI; Quanto maior o índice, mais desenvolvido o país.

IPC – Dados disponíveis em: http://transparencia.org.es/wp-content/uploads/2017/01/tabla_sintetica_ipc-2016.pdf. Quanto maior o índice, menor a percepção de corrupção.
Bandeiras, da Esquerda para Direita: Sudão do Sul; Brasil, Ruanda, Estados Unidos e Dinamarca.

É notável como a menor percepção de corrupção está correlacionada com o índice de desenvolvimento humano (mesmo que não esteja analisando causalidade, que é outra história). Os países menos corruptos do mundo, por exemplo, também figuram no rol de países mais desenvolvidos, e vice-versa.

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E o caso do Brasil? No meio do gráfico, estaríamos numa fase de transição ou estacionados no tempo? É a pergunta de 1 milhão de reais…

E eu com isso?

Como foi discutido acima, mesmo pequenas corrupções não são admitidas nos países desenvolvidos. A sociedade pune cidadãos e políticos que se desviam do caminho ético do ponto de vista público, por menor que seja o valor desviado. Na Lava-Jato, as explicações dos políticos citados em delações do tipo “Nunca me encontrei com esse cidadão”, “Não conheço”, “Todas as doações são legais e declaradas para a Justiça Eleitoral”, “Não compactuo com esse tipo de prática”, são tão conhecidas. Nunca vi um “Errei! Estou colaborando com a Justiça”. [7]

São esses políticos comprovadamente corruptos que se reelegem de 4 em 4 anos e casos como devoluções de dinheiro na rua para os respectivos donos – uma situação cotidiana – são tratados como exceções, e não como regra. Para mim, é aí que está o maior desafio: a virada de chave. Precisamos trocar os pneus com o carro andando, sendo que já estamos reclamando do desempenho pífio do automóvel.

“Não se preocupe se as crianças não estão te ouvindo; elas estão te vendo”.
(Autor Desconhecido)

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Terraço Econômico O Terraço Econômico é um espaço para discussão de assuntos que afetam nosso cotidiano, sempre com uma análise aprofundada (e irreverente) visando entender quais são as implicações dos mais importantes eventos econômicos, políticos e sociais no Brasil e no mundo. A equipe heterogênea possui desde economistas com mestrados até estudantes de economia. O Terraço é composto por: Alípio Ferreira Cantisani, Arthur Solowiejczyk, Lara Siqueira de Oliveira, Leonardo de Siqueira Lima, Leonardo Palhuca, Victor Candido e Victor Wong.

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