Entenda por que o dólar disparou 10% em dois meses – e como ele pode subir ainda mais

Do cenário externo ao risco político, moeda norte-americana teve forte arrancada nos últimos meses e até o BC tem tido dificuldade para controlar o mercado

Rodrigo Tolotti

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SÃO PAULO – Já faz pelo menos dois meses que todo mundo, seja investidor ou turista, está preocupado com a disparada do dólar, tentando entender o que mudou “de repente” para que a moeda norte-americana passasse a subir tão rápido, chegando na última quinta-feira (7) a encostar na marca de R$ 4,00. Nos últimos dois dias, o mercado até teve um alívio, mas em apenas dois meses, os ganhos acumulados chegam a 10% e analistas apontam que há muitos motivos para a moeda subir ainda mais.

A primeira coisa que é preciso ter me mente, é que não existe apenas um fator, mas é claro que cada item desta equação tem um peso diferente. E o que mais impacta o mercado hoje é o cenário externo, que tem levado o dólar a subir não só no Brasil, mas praticamente no mundo todo, com um impacto maior principalmente nos emergentes.

A questão do cenário externo vem a melhora da economia dos Estados Unidos, o que leva a um aumento da expectativa de que os juros irão subir mais do que o esperado por lá. Atualmente, analistas apontam para três elevações em 2018, mas já começa a ganhar força a ideia de que poderemos ver 4 altas de taxas este ano. E nesta quarta-feira tem a decisão do Fomc sobre este assunto.

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Mas como isso impacta o dólar? Basicamente, com os juros mais altos nos EUA, os investidores começam a migrar seus investimentos para ativos mais seguros, e não há nada mais seguro no mercado do que o títulos da dívida norte-americanos, os chamados Treasuries. Essa “corrida” eleva a demanda por dólar, e, como consequência, o preço também sobe. É por isso que muitos especialistas definem este movimento de alta do dólar como busca por “hedge”, ou seja, proteção.

A questão é que este ambiente é especialmente ruim para os países emergentes, e quem tem chamado atenção é a Argentina e a Turquia, que estão sofrendo bastante no mercado cambial. Em ambos os casos, o que se vê é uma disparada da inflação, que está levando os bancos centrais a subirem muito os juros – no caso dos “hermanos” a taxa chega a 40%.

O que começa a ser discutido agora é que o Brasil pode ser o próximo neste efeito dominó dos emergentes (como destacou o gestor Mohamed El-Erian nesta matéria). Por aqui, existem elementos “extras” para tornar o cenário mais nebuloso, como as eleições, mas também há que se ponderar que nosso Banco Central tem muito mais “poder de fogo” que estes outros emergentes para evitar o que muita gente chama de crise cambial.

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Caso do Brasil é diferente – para o bem e para o mal
Também pressionado pelo cenário externo, é inegável que a situação fiscal do Brasil começa a ter um forte peso neste ambiente. A confiança cai cada vez mais diante de um governo que não teve poder para aprovar a principal reforma necessária, a da Previdência, piorando ainda mais após a greve dos caminhoneiros, que mostrou que o presidente Michel Temer não tem mais capital político, precisando conceder certos benefícios aos grevistas que prejudicam ainda mais o cenário fiscal.

E aí entra a perspectiva eleitoral bastante negativa. Cada vez mais a projeção é de que o Brasil não irá eleger um presidente reformista, ou seja, que dará continuidade às mudanças que Temer começou mas não conseguiu continuar. Com a disputa se mostrando cada vez mais entre Jair Bolsonaro e Ciro Gomes no segundo turno da eleição, aumenta o temor de que o cenário fiscal não deve melhorar em 2019.

E foi esta combinação de fatores que começou a pesar aos poucos desde fevereiro. Muita gente demorou para perceber, mas os sinais já estavam lá e o primeiro que realmente “bateu” no mercado foi o exterior, que puxou as cotações principalmente no mês de abril e começo de maio. Em seguida, a greve dos caminhoneiros agravou toda a situação política, que começa a entrar na jogada, e nos próximos meses pode ter certeza que a eleição será outro grande peso no câmbio.

Atuação do Banco Central
Apesar da arrancada do dólar em abril, o Banco Central se manteve “tranquilo”, realizado apenas as operações mais tradicionais de leilões de swap (que equivale a uma venda de dólar no mercado futuro), mas logo no início de maio a autoridade monetária começou a demonstrar sua preocupação. Com a moeda atingindo R$ 3,55 rapidamente, o BC elevou sua atuação em uma operação de US$ 8,4 bilhões para oferecer liquidez ao mercado e tentar segurar a divisa (veja mais aqui).

O presidente do BC, Ilan Goldfajn, declarou mais de uma vez que a atuação no câmbio não serve para fazer o dólar cair, mas sim para reduzir a volatilidade em períodos de maior pânico no mercado. Ou seja, estes leilões de swap visam evitar a alta desenfreada da moeda, o que, neste caso, não teve muito efeito em maio, que terminou com uma alta de 6,6% do dólar, acima de R$ 3,73.

Nas últimas semanas, mais uma vez o BC decidiu elevar sua intervenção, agora passando a ofertar 15 mil contratos diários de swap, fato que se mostrou ineficaz à medida o mercado passou a desafiar a autoridade em sua busca por “hedge”. No dia 7 de junho, diante da disparada acentuada da moeda, o BC tentou mais uma vez atuar mais forte, ofertando 30 mil contratos a mais de swap, mas foi só na noite daquele mesmo dia, quando Ilan fez uma coletiva, que o mercado realmente “se acalmou”.

O presidente do BC falou em leilões adicionais de swap, em um valor que pode chegar a US$ 20 bilhões até o fim desta semana. Ele também não descartou adotar outras medidas de intervenção no câmbio, como o uso das reservas internacionais de US$ 380 bilhões do país para injetar dólar no mercado, ou a venda dos chamados contratos de linha. Sua fala fez o dólar desabar 5,5% em um dia, a maior variação negativa em 9 anos, e voltar para R$ 3,70.

Dólar pode subir mais
Enquanto turistas e alguns investidores comemoram o alívio no dólar, analistas já começam a apontar os riscos que podem levar a moeda a voltar a subir forte nos próximos meses. O primeiro ponto de tensão é a reunião do Fomc esta semana, que pode cravar uma quarta alta de juros este ano, o que não está precificado pelo mercado e deve levar a uma arrancada do dólar no mundo todo. E, no caso do Brasil, a eleição começa a tomar forma daqui para frente.

José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, destaca que, se a atuação do BC será forte esta semana, já não há nenhuma certeza de como será após o dia 15. Ele lembra que a autoridade já ofertou cerca de dois terços do volume de swaps da era de Alexandre Tombini e isso pode tirar a força do BC para quando chegar a tensão com as eleições.

Antes mesmo da atuação que derrubou a moeda, Sidnei Nehme, diretor executivo da corretora NGO, alertou que o BC precisava alterar a forma como intervém no mercado. “Embora o BC venha irrigando o mercado futuro com a oferta contundente de proteção com os swaps cambiais, acreditamos que este instrumento perderá eficácia pois com o incremento da tendência de saída dos recursos estrangeiros do mercado financeiro, a demanda se acentuará no mercado a vista de dólar”, afirma em relatório.

Segundo ele, a ação do BC tem que focar em fomentar a liquidez no mercado a vista, entrando com a oferta de linhas de financiamento em moeda estrangeira com recompra. Nehme acredita que a autoridade até pode manter os leilões de swaps cambiais, mixando com a oferta mais incisiva de linhas de financiamento, “suprindo e ancorando a crescente demanda no mercado à vista pelos investidores estrangeiros que estão dando claros sinais de retirada de recursos do país”.

A questão é que nada mudou no cenário doméstico e tende a piorar com as eleições, enquanto no exterior, o ambiente segue favorável para a alta do dólar, ainda mais se o Federal Reserve subir os juros mais vezes do que o atualmente esperado. E essa combinação deve manter o câmbio pressionado, fato que pode voltar a piorar caso o BC não tenha força ou atue da forma errada.

Apesar do mais recente relatório Focus – que compila a opinião de diversos economistas – apontar para um dólar a R$ 3,50 no fim deste ano, algumas instituições começam a revisar suas projeções, caso do Itaú Unibanco, que no fim da semana passada passou a ter uma expectativa de R$ 3,70 para a moeda ao fim deste ano. O que se pode ter certeza é que os próximos 6 meses pelo menos serão bastante turbulentos.

Rodrigo Tolotti

Repórter de mercados do InfoMoney, escreve matérias sobre ações, câmbio, empresas, economia e política. Responsável pelo programa “Bloco Cripto” e outros assuntos relacionados à criptomoedas.